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Thiago Gonçalves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Na ciência, não faz mais sentido premiar poucos indivíduos com o Nobel

Medalha Nobel concedida aos vencedores do prêmio - Alexander Mahmoud/ Nobel Media
Medalha Nobel concedida aos vencedores do prêmio Imagem: Alexander Mahmoud/ Nobel Media

07/10/2021 04h00

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O prêmio Nobel, cujos ganhadores estão sendo anunciados ao longo desta semana, é sem dúvida o mais famoso prêmio científico do mundo. Os laureados atingem fama instantânea, mesmo para a comunidade fora dos círculos acadêmicos, e suas descobertas são louvadas como grandes avanços.

E com raríssimas exceções, são mesmo exemplos brilhantes do avanço do conhecimento humano. É impressionante rever a lista de prêmios ao longo dos últimos 120 anos e acompanhar mais de um século de história científica.

Mais, o Nobel oferece uma excelente oportunidade para discutirmos ciência com o público. Os vencedores imediatamente conseguem um palanque para falar sobre suas pesquisas com quem queira ouvir. Seus logros viram capa de jornais ao redor do globo, e mesmo nós, os "outros" cientistas, encontramos novas oportunidades de comunicação sobre o tema.

No entanto, nem tudo é perfeito. E talvez a maior falha do prêmio Nobel é insistir na regra de um máximo de três vencedores por prêmio.

A proposta de vencedores individuais é reflexo de um modo antigo de enxergar a ciência, fruto de uma época em que tudo era feito em pequena escala.

No entanto, a pesquisa científica contemporânea é realizada frequentemente em grandes grupos, em alguns casos com milhares de pesquisadores contribuindo para uma única descoberta. Seria justo premiar apenas três destes pelo resultado do trabalho conjunto?

Não tenho dúvidas, por exemplo, de que a detecção de ondas gravitacionais tenha merecido o Nobel de Física de 2017. Da mesma forma, sei que os ganhadores (Rainer Weiss, Barry Barish e Kip Thorne) são cientistas incríveis.

Mas será mesmo que são os únicos merecedores do reconhecimento, dentre as centenas ou milhares de pessoas que participaram do trabalho ao longo de décadas?

A questão é ainda mais grave quando consideramos a participação em projetos de mulheres e outros grupos sub-representados na ciência.

A proporcional falta de mulheres em posições de liderança na ciência, por exemplo, é um fato conhecido, por fatores que não têm nenhuma relação com sua competência ou mérito.

Dessa forma, ao premiar apenas os "líderes" de projetos, estamos necessariamente excluindo toda uma classe de cientistas desse reconhecimento.

Basta notar que apenas 4 de 219 ganhadores do Nobel de Física são mulheres. Essa semana, até a quarta-feira (6), foram sete ganhadores, todos homens.

Não há nenhum premiado negro dentre os 631 ganhadores dos prêmios científicos (Medicina, Física e Química).

Lembremos também do emblemático caso de Jocelyn Bell Burnell, que durante seu doutorado descobriu os pulsares.

Os estranhos sinais de rádio foram a princípio descartados por seu orientador, Antony Hewish. Ainda assim, a hoje doutora Bell Burnell continuou suas pesquisas investigando os sinais, que hoje sabemos ser provenientes de estrelas de nêutrons.

Hewish ganhou o Nobel pela descoberta em 1974, com Martin Ryle; ela, não. E esse caso não foi nem devido ao limite de três vencedores.

Por último, devemos reconhecer os riscos de mistificar os vencedores como gênios — um estereótipo dos cientistas e sobretudo dos ganhadores do Nobel que é deveras prejudicial.

Tomemos o exemplo de Michael Levitt, Nobel de Química em 2013, que se reuniu com lideranças políticas em 2020 para dizer que "não haveria nem dez mortes em Israel devido ao coronavírus" (já são quase 8 mil) e que a reabertura da Flórida no ano passado faria sentido para promover a imunidade de rebanho, algo que já foi duramente criticado por todos os especialistas na área.

Levitt não é epidemiologista, mas sua voz é amplificada pelo Nobel. Um perigoso efeito colateral da mistificação dos vencedores, como podemos ver.

Não acho que o Nobel deva acabar, já que ele oferece uma excelente oportunidade de colocar a ciência em destaque para todos.

Mas é importante que a Real Academia Sueca de Ciências, que outorga o prêmio todos os anos, reconheça os problemas recentes, e atualize as regras e critérios para refletir de forma mais justa a forma como a ciência é feita hoje em dia.