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Felipe Zmoginski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Boicotada pelos EUA, China investe US$ 1 bi e aprende a fazer chip sozinha

Técnicos da SMIC operam máquina durante produção de chips, na China - Divulgação/ SMIC
Técnicos da SMIC operam máquina durante produção de chips, na China Imagem: Divulgação/ SMIC

02/09/2022 04h00Atualizada em 03/09/2022 15h28

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A fabricação de chips para computadores tornou-se, há pouco mais de dois anos, um ponto nevrálgico na disputa comercial (e tecnológica) travada entre China e Estados Unidos.

A origem do conflito está em uma resolução do Departamento de Comércio Americano que proibiu, ainda em 2020, empresas de todo o mundo de venderem processadores para a China sempre que estes chips embarcarem qualquer tecnologia criada nos EUA.

Na prática, esta medida limitou dramaticamente a cadeia de suprimentos de chips para a China, que importava, naquele ano, cerca de 96% dos processadores que embarcavam nos dispositivos fabricados localmente. Isto ocorre porque, mesmo fabricantes de Taiwan, Coreia ou Alemanha, em algum momento, se utilizam de componentes ou patentes criados por companhias privadas ou institutos de pesquisa com sede nos Estados Unidos.

A medida foi um duro golpe para a indústria tech da China que, embora tenha progredido enormemente em diversas áreas, no segmento de chips ainda é dependente de tecnologias estrangeiras, em particular para os semicondutores mais sofisticados, como os de arquitetura de 7 e 14 nanômetros.

O aperto das restrições americanas fez, por exemplo, a ASML, uma empresa holandesa líder mundial na produção de máquinas capazes de "imprimir" circuitos em delicadas placas de silício (um item essencial para a fabricação de processadores) recusar contratos multimilionários com a China.

O objetivo americano com as restrições, em parte, foi alcançado: atrasar o desenvolvimento tecnológico da China. De fato, a expansão de redes 5G e a produção de carros autônomos no país foi desacelerada no último ano por desabastecimento de chips.

A solução possível encontrada pelo país asiático foi produzir chips por si próprio ou com parceiros que não se valham de acordos com companhias americanas.

Esta semana, a consultoria canadense TechInsights publicou um relatório em que afirma que a SMIC, a maior produtora chinesa de chips, já é capaz de produzir os próprios componentes feitos em arquitetura de 7 nanômetros. Segundo o TechInsights, chips de 7nm da SMIC foram encontrados em placas de processamento de dados usados para mineração de criptomoedas.

A SMIC e autoridades chinesas não confirmaram —nem desmentiram— o relatório da empresa canadense.

Logo após a publicação dos documentos pela TechInsights, sem citar os Estados Unidos, Wei Shaojun, presidente da Associação Nacional dos Semicondutores na China, publicou um artigo, na imprensa local, pedindo mais investimentos públicos nesta indústria.

Segundo Shaojun, ao longo dos últimos 12 meses, as empresas chinesas investiram "apenas" US$ 1 bilhão em pesquisa e desenvolvimento de novos chips, valor considerado excessivamente baixo por Shaojun.

Segundo o representante da associação, tais investimentos são urgentes e, como não permitem retorno financeiro rápido, não atraem de modo suficiente o interesse de agentes privados. Daí o apelo ao financiamento de Pequim.

Em resposta a Shaojun, representantes do órgão chinês equivalente ao ministério da Ciência lembraram que há um fundo de capital de risco, com financiamento público, que oferece mais de US$ 40 bilhões para a expansão da indústria de chips no país.

Um exemplo da efetividade deste fundo seria o financiamento de US$ 7,5 bilhões garantidos à SMIC para construir novas plantas de fabricação de chips nos arredores de Tianjin, no norte do país.

A relevância de deter o controle tecnológico de todo o ciclo de fabricação de chips pode ser expressa no "Chips & Science Act", uma lei criada com raro consenso entre republicanos e democratas no Congresso americano. Entre acesso direto ao financiamento público e incentivos fiscais, a lei mobiliza US$ 53 bilhões em favor do desenvolvimento da indústria nacional de chips.

Por iniciativa do governo Biden, empresas de alguns países estrangeiros também podem se beneficiar destes incentivos, se envolvidas em projetos em parceria com companhias americanas. Até o momento, três regiões foram autorizados a assinar contratos de colaboração, todas asiáticass: Japão, Coreia do Sul e Taiwan.

Como se vê, um movimento de xadrez para dificultar que a China coopere no setor de alta tecnologia com seus vizinhos.