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Felipe Zmoginski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em acordo 'secreto', Apple promete pôr mais peças 'made in China' no iPhone

Loja da Apple em Hunan, China: investimentos "interiorizam" a big tech no país asiático - Divulgação/ Apple
Loja da Apple em Hunan, China: investimentos "interiorizam" a big tech no país asiático Imagem: Divulgação/ Apple

17/12/2021 04h00

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Há uma semana, com ares de escândalo, o site americano "The Information" publicou uma longa reportagem em que narra, baseado em documentos internos da Apple, como a companhia fundada por Steve Jobs acertou US$ 275 bilhões em investimentos na China para "ficar de bem" com o governo local.

A história repercutiu no mundo todo e, claro, Tim Cook apanhou (metaforicamente) em praça pública. O serviço de notícias "The Epoch Times", por exemplo, classificou como "facada nas costas da América" o acordo com os chineses. A controversa decisão de Cook aconteceu em 2016, quando a China lutava para não permitir que sua economia esfriasse, ainda na esteira da crise do subprime, ocorrida oito anos antes.

Fiel a seu estilo, o governo chinês "tirou do ar" o serviço iTunes em um claro sinal de que aquele seria só o primeiro de vários passos para emparedar a Apple.

De acordo com o documento publicado por "The Information", o governo local afirmou, em reuniões privadas, "que a Apple ganhava muito dinheiro na China, mas não estava se esforçando o suficiente para ajudar a economia local crescer".

No acordo "secreto", Cook prometeu investir US$ 275 bilhões, de 2016 até 2021, em projetos como novas lojas de rua e incluir mais componentes "made in China" na construção do iPhone. Mais, estes deveriam ser componentes de "tecnologia sofisticada" e a Apple deveria auxiliar os fornecedores locais, transferindo tecnologia e treinando a mão de obra chinesa.

Um dos exotismos do acordo foi o investimento que a Apple "decidiu" fazer na Didi, empresa de táxis por app que, na época, vivia problemas de fluxo de caixa em sua competição de subsídios com o Uber.

O valor acordado pode parecer —e é— muito elevado. Para efeito de comparação, o PIB da Finlândia, por exemplo, um dos países mais prósperos da Europa, é de US$ 270 bilhões.

Mas, em se tratando de dinheiro, é preciso fazer contas. A Apple, uma companhia de US$ 3 trilhões de valor de mercado, têm faturado, a cada trimestre, mais de US$ 80 bilhões, com lucro sempre acima dos US$ 20 bilhões. Neste contexto, os investimentos "ao longo de cinco anos", foram equivalentes a pouco mais de três trimestres do faturamento da Apple.

É importante dizer o óbvio: a Apple não deu "de presente" este dinheiro para a China. Muito menos pagou um "acerto" a autoridades locais. O dinheiro foi todo investido em ativos que lhe pertencem e geram valor para os acionistas da corporação.

De acordo com relatório da Apple a seus investidores, a China é hoje o segundo maior mercado para a empresa no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. E o mercado consumidor chinês tem sido um ponto decisivo de barganha na guerra comercial entre americanos e chineses.

Esta semana, por exemplo, Washington apresentou um projeto, que precisa ser aprovado pelo Congresso americano, que prevê punir dezenas de empresas chinesas, restringindo seu acesso a tecnologias criadas nos Estados Unidos e, claro, limitando sua entrada no mercado americano. Entre as candidatas a entrar na "lista proibida" estão a fabricante de drones DJI e a desenvolvedora de software para reconhecimento facial MegVii.

Já há lobby no Congresso americano —país em que a atividade de lobistas é legal— para rejeitar esta medida, e os "financiadores" desta campanha são —acreditem— empresas americanas, como Apple, Coca Cola e Nike.

O motivo por trás disso é um só: todos sabem que, se empresas chinesas forem punidas nos Estados Unidos, haverá retaliação na China, um mercado consumidor essencial para sustentar a lucratividade destas corporações.