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Ricardo Feltrin

70 anos de TV: como estão as finanças das principais emissoras

A TV fez 70 anos no Brasil este mês - TommL/Getty Images
A TV fez 70 anos no Brasil este mês Imagem: TommL/Getty Images

Colunista do UOL

30/09/2020 00h27

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Hoje termina oficialmente o mês de homenagem aos 70 da TV aberta no Brasil.

Nos últimos dias o Splash publicou muitos textos e análises sobre essa importante efeméride.

Amem ou torçam o nariz para ela, a TV aberta ainda é o maior e principal veículo da maioria da população brasileira, além de ser o objeto de desejo das grandes marcas na publicidade.

Cabe hoje a esta coluna fazer um raio x da situação financeira das principais emissoras abertas do país.

A ideia é explicar aqui de forma simples o estado contábil de cada TV e vislumbrar seu futuro

Não é uma tarefa fácil, pois as TVs não são empresas abertas (com capital na Bolsa) e por isso não são obrigadas a revelar detalhes de seus balanços.

Mesmo assim, Globo e Record costumam publicá-los.

Vamos fazer uma pequena resenha de cada TV.

Da menor (em audiência) para a maior:

RedeTV

O faturamento da RedeTV em 2019 deve ter ficado entre R$ 250 milhões a R$ 300 milhões.

O que se pode afirmar com certeza é que a RedeTV, cujo slogan é "A TV que Mais Cresce", segue pequenina em público, faturamento e também em qualidade.

A emissora sempre se gabou de ter uma das mais modernas (e bonitas) instalações do país. Fato, é mesmo. Mas, é como uma pessoa bonita, porém incapaz.

É a única TV que nos últimos anos atrasou salários (de PJs) e de longe é a que menos investe em grade ou em contratações.

Todos os últimos programas lançados foram feitos sem reforço nas equipes. Em outras palavras, quando fazem alguma (rara) contratação, na produção, se viram com o que têm.

Pode parecer inteligente do ponto de vista gerencial, mas quem paga o pato é a equipe e o conteúdo, que definitivamente perde qualidade.

O jornalismo, que na mídia atrai prestígio, na RedeTV é hoje um aglomerado chapa-branca, insosso e desimportante.

Há séculos a emissora não produz uma grande reportagem investigativa; não dá furos jornalísticos.

Só silencia ou passa pano para os absurdos do atual governo federal. Não é confiável (e já foi).

Se tem futuro?

Impossível responder porque suas finanças são um verdadeiro mistério, conhecido só por seus dois principais acionistas.

Que existem dívidas, não há dúvidas.

Do ponto de vista de conteúdo, a emissora não tem dramaturgia e sua área de shows também quase inexiste.

A grade é cheia de igrejas, programas ditos "independentes".

Há muitas promessas para transmissão de Esporte em 2021 e 2022, mas de realmente grande e concreto, nada por enquanto.

Com tudo isso não é preciso ser uma pitonisa para prever que o futuro da RedeTV não parece auspicioso.

Na melhor das hipóteses continuará sendo a menor e a menos relevante das TVs abertas comerciais.

Band

Aparentemente, em termos de dívidas é a emissora em situação mais problemática. As dívidas da casa acumularam por décadas.

Não se sabe ao certo o tamanho dessa dívida, mas nos últimos anos o Grupo Band demonstra estar tentando resolver isso com uma série de cortes de gastos e planejamento de longo prazo.

Estima-se o faturamento da Band (só a TV) em algo em torno de R$ 350 milhões a R$ 400 milhões anuais.

No entanto, a pandemia de coronavírus jogou boa parte desse trabalho (e dessas receitas) ladeira abaixo.

Do ponto de vista da programação, acertando ou errando a Band ao menos vem agindo de forma corajosa e fazendo mudanças em sua grade.

Só que até agora nenhuma delas surtiu grande efeito —nem no ibope e nem no cofre da casa.

Recentemente a emissora voltou ao seu "público-raiz" e começou a ampliar o esporte na programação.

Se vai dar certo, ninguém sabe.

O que se sabe é que uma das fraquezas da Band é a impaciência, o imediatismo.

Em outras palavras, se um programa não dá o resultado esperado logo de cara, a tendência é tirá-lo do ar.

Lado bom da Band, como esta coluna sempre reitera, é seu competente (e também rentável comercialmente) jornalismo. Isso é um grande ativo.

A presença do Grupo Band na TV paga e, mais recentemente, no streaming dão sinais de visão de longo prazo.

Se tem futuro?

Difícil prever sem ter acesso ao balanço detalhado da emissora e, especialmente, seu passivo total, e de como ele está sendo gerido e por quem.

O impacto de investimento nos esportes, se ocorrer, será apenas no médio e longo prazos. Mas, para uma TV aberta e comercial, não dá para contar só com isso.

Resumindo: a Band não está numa situação nem um pouco confortável.

SBT

Fatura cerca de R$ 1,1 bilhão por ano, emprega milhares de funcionários e está em fase de mudanças: novos produtos e cortes radicais de gastos e pessoal.

Na questão de gestão isso é o que se deve esperar de uma empresa séria e determinada a ter lucro e a crescer com solidez.

O SBT e o Grupo Silvio Santos foram muito afetados pela pandemia, mas, mesmo assim, a emissora reagiu e comprou os direitos da Libertadores até 2022 —o que já está surtindo efeito no ibope e no caixa da empresa.

O SBT também finalmente começou a investir em conteúdo online (com 25 anos de atraso, diga-se) e lançou recentemente o site "SBT News".

Apesar disso, seu jornalismo vai de mal a pior. Assim como o da principal rival, a Record (leia abaixo), se tornou irrelevante na TV.

Desafortunadamente, a área de shows acabou virando o "calcanhar de Aquiles" da casa.

Ela corre risco de perder de uma vez uma tríade de apresentadores idosos enquanto o mundo (leia-se vacina) não resolver o problema do coronavírus.

Silvio Santos, Carlos Alberto de Nóbrega e Raul Gil são as grandes incógnitas da programação do SBT para os próximos meses e anos.

Se o SBT tem futuro?

Por sua história e pelo bem de milhares de funcionários, seus familiares e principalmente da concorrência na TV aberta, a torcida é para que tenha.

Mas, tudo vai depender das reformas que estão em andamento.

Recentemente o Grupo SS ganhou um sangue novo na cúpula: a focada Renata Abravanel, filha mais nova de Silvio, assumiu a presidência da "holding". Está determinada a arrumar tudo.

Renata tem muito trabalho pela frente: terá de reconstruir o modelo de negócios do pai e reerguer as empresas do Grupo SS, atingidas diretamente pelos efeitos da pandemia.

Terá de transformar a Jequiti numa empresa rentável. Modernizar a Tele Sena. Investir no SBT.

Ela precisará ser implacável, mas ao mesmo tempo ter paciência (coisa que seu pai nunca pareceu ter).

A caçula Abravanel é a grande fiel depositária do que o SBT virá a ser.

Record

É uma espécie de paradoxo na TV aberta: fatura mais de R$ 2 bilhões por ano —praticamente o dobro que o SBT.

Apesar de na década passada ter lançado o projeto "A Caminho da Liderança", até hoje não conseguiu nem sequer ser 2º lugar isolado —posto que disputa encarniçadamente —nos décimos e centésimos de ibope— com a TV de Silvio Santos.

O problema é que a "benção" da Record também é sua sina.

Já expliquei aqui: a mesma Igreja Universal que garante centenas de milhões anuais com a compra de horário nas madrugadas da Record é também a "nêmesis" interna que impede a emissora de ter identidade, e seu jornalismo de ser confiável ou até mesmo interessante.

Afinal, que adianta sua direção alardear, como no ano passado, que aumentaria a participação do jornalismo na grade, se esse mesmo jornalismo se presta aos interesses de uma igreja, do governo federal e/ou de seu partido de estimação, o Republicanos?

Por outro lado, na área de entretenimento a emissora da Barra Funda tem acertado a mão com reality shows bem produzidos e que dão boa audiência.

Já sua dramaturgia, embora tenha boa qualidade, enfrenta o dilema de produzir um só tema: o bíblico.

Sim, a Record exporta suas novelas para dezenas de países, elas são poucas.

Se tem futuro?

Bem, a emissora reduziu seu passivo trabalhista e tem pouquíssimas dívidas corporativas hoje. E todas, aparentemente, estão administráveis.

Do ponto de vista gerencial ela até fez algo para se profissionalizar.

No entanto segue cheia dessa "cultura" religiosa, que é perniciosa para qualquer empresa que queira se destacar e lardear alguma independência.

Enquanto agir de acordo com interferência externa —a saber, dos líderes da Universal e até dos parentes deles— permanecerá empacada.

Só dinheiro não basta, e a prova disso são os últimos 10 anos.

Como dito acima, seu ponto mais fraco ainda é seu jornalismo.

É preciso menos sensacionalismo policialesco, menos noticiário chapa-branca e mais isenção, informação de qualidade e reportagens investigativas e de serviço. Seria pedir muito?
.
Afinal, essa dependência "religiosa" também faz a Record perder valor diante dos anunciantes mais sérios.

Seu investimento em novas mídias, como streaming, continua sendo pálido.

Ok, o PlayPlus até exibe "A Fazenda", mas isso ainda está há "séculos-luz" do serviço da inimiga TV Globo e seu Globo Play, como veremos a seguir.

TV Globo

Se a Record fatura o dobro do que o SBT, a Globo por sua vez fatura quatro vezes mais que a Record (são mais de R$ 10 bilhões anuais só a TV Globo aberta).

Fora os outros veículos do Grupo Globo, que elevam o faturamento do Grupo Globo para mais de R$ 14 bilhões, como revelou com exclusividade em março o site "Notícias da TV".

É uma diferença gritante que dificilmente mudará nos próximos anos, salvo alguma tragédia.

A Globo é de longe a mais sensata das emissoras em sua gestão, e também a mais racional em suas mudanças e investimentos na programação. Enfim, uma empresa séria e sensata.

De todas, é a que tem a grade mais completa, com jornalismo, entretenimento e esportes dosados de forma equilibrada. É não só a líder de ibope isolada (mais que a soma de todas as outras), mas também o alvo (e exemplo) a ser seguido.

Suas dívidas são até o momento todas administráveis. Seu planejamento de longo prazo é um diferencial.

Se tem futuro?

Certamente —salvo implantem de fato um governo totalitário no país.

A TV Globo aberta ainda será líder por muitos e muitos, mas isso não é o mais importante.

O que realmente importa é que ela segue sendo a maior produtora de conteúdo (de qualidade) não só na TV aberta, mas também na paga, no cinema e agora no streaming.

As assinaturas do serviço Globo Play dispararam nos últimos meses e anos.

Fala-se hoje em cerca de 5 milhões de assinantes (menos de um terço da Netflix, é verdade). Mas, esse crescimento tem sido consistente.

Nos 70 anos da TV aberta no Brasil, nenhuma emissora ainda chega aos pés da Globo como veículo, como empresa, na produção de conteúdo.

Todas as TVs precisam acordar urgentemente, sair da letargia e se esforçar para mudar e crescer, porque o risco de serem pisoteadas é grande.

Observação final: antes de encerrar este texto é preciso lembrar que a legislação permite que uma emissora de TV aberta venda até 30% de sua participação para investidores internacionais.

Pelo andar da "carruagem" em Brasília é possível que essa lei seja modificada nos próximos anos. Num futuro não muito distante talvez as TVs possam vender 50% ou até mais em participação.

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