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'Nossa vida acabou': Irmã de Daleste espera respostas após 10 anos sem o MC

MC Daleste morreu em 2013, aos 20 anos, após ser alvejado com dois tiros - Reprodução/Facebook
MC Daleste morreu em 2013, aos 20 anos, após ser alvejado com dois tiros Imagem: Reprodução/Facebook

De Splash, em São Paulo

07/07/2023 04h00

A família de Daniel Pedreira Sena Pellegrini, o MC Daleste, vive há 10 anos com a sensação de injustiça. Até hoje, não há respostas sobre a autoria do assassinato do artista.

O funkeiro morreu em 7 de julho de 2013. Ele foi atingido por dois tiros enquanto se apresentava para cerca de 5 mil pessoas em Campinas (SP). O primeiro o atingiu de raspão na altura do braço. O segundo o atingiu no tórax e causou sua morte, aos 20 anos.

Embora a polícia tenha levantado hipóteses para o crime, nenhuma prova foi concreta o suficiente para apontar um suspeito. O caso está arquivado desde 2015.

"A gente lida com isso com muita revolta. A gente não vai descansar em paz enquanto não souber de fato o que aconteceu. Se houver um pontinho de dúvida, a gente vai atrás, e não vamos descansar", disse em entrevista a Splash Carolina Sena Pellegrini, irmã mais velha de Daleste.

Morte

O artista se apresentava em uma festa julina no CDHU do bairro San Martin. Alvejado de raspão pelo primeiro tiro, seguiu com o show por não perceber pelo que foi atingido.

Alvejado novamente, Daleste caiu sentado no palco. O momento foi gravado e publicado nas redes sociais à época.

Socorrido, ele chegou a pedir que uma foto sua fosse tirada, "para mostrar ao povo que estava bem".

Carolina estava em casa, na Penha, Zona Leste de São Paulo, quando foi informada que algo havia acontecido com seu irmão. Inicialmente, não acreditou porque já haviam espalhado boatos sobre uma suposta morte de Daleste três vezes.

"Eu saí e vi fãs na porta da minha casa. Aí eu fiquei meio assustada, eu vi que o negócio era mais embaixo", contou.

Acompanhada de um primo, da namorada de Daleste e do filho, Carolina se dirigiu até o local do show. Chegando lá, encontrou o irmão, Rodrigo. "Quando eu cheguei em Campinas, ali eu já vi que a situação não era boa. Quando eu olhei pro meu irmão [Rodrigo] e vi ele todo ensanguentado, da cabeça aos pés... O Rodrigo estava em estado de choque".

Ao chegar no Hospital Municipal de Paulínia, ela foi informada que nada mais podia ser feito. "Eu pedi para quem estava na porta [do hospital] me deixar entrar. Falei que eu era a mãe dele. Falei 'ele vai ouvir minha voz e vai levantar'. A moça disse: 'Não temos mais o que fazer'".

Dali para frente foi só para trás. A nossa vida, acabou ali, naquele momento. Carolina Sena Pellegrini

O cantor morreu no centro cirúrgico à 0h55. O laudo divulgado pelo Instituto Médico Legal (IML) apontou que o segundo tiro atingiu o tórax e perfurou o estômago, o fígado e o pulmão direito do artista. Segundo o laudo, os ferimentos causaram sangramento e a morte foi provocada por anemia aguda.

Investigação

A polícia realizou a reconstituição do crime na semana seguinte à morte. Na ocasião, a perícia determinou que:

O atirador estava em uma área de 30 a 40 metros de distância do palco.

Os tiros teriam sido dados a uma altura de 1,70m a 1,80m do solo.

A polícia não conseguiu precisar qual arma foi usada, porque não foi encontrado nenhum projétil. "Acreditamos que tenha sido usada uma pistola. O que temos certeza é que o autor sabia atirar bem", disse o delegado Rui Pegolo à época.

"Olhando a cena do crime de cima do palco, o tiro (fatal) veio da esquerda para a direita. A bala atingiu o abdômen do cantor, do lado esquerdo, e transfixou seu corpo".

Hipóteses

A polícia trabalhou com duas principais hipóteses: crime passional ou desavença com o contratante do show.

Uma testemunha afirmou que o funkeiro foi assassinado por ter se envolvido com a namorada de um integrante do PCC (Primeiro Comando da Capital), segundo o Balanço Geral (Record).

Em 2014, os inquéritos foram transferidos de Campinas para São Paulo. A justificativa para a mudança foi "oxigenar as investigações".

No entanto, devido à falta de provas, o caso foi arquivado em 2015, sem nunca ter apontado um suspeito.

Carolina critica a investigação da polícia. "A gente lutou muito pro caso vir aqui pra São Paulo, pra DHPP, porque não tivemos respaldo nenhum da polícia de lá, de Campinas", disse.

Muito pelo contrário, parecia que a gente era a família do assassino. Carolina Sena Pellegrini

Para Carolina, faltou cuidado nas horas seguintes ao crime, primordiais para desvendar quem foi o culpado. "Um crime tão gravado, tinha fotógrafo do meu irmão, tinha tudo. Eles [polícia] não deram a mínima atenção, porque não pensaram que ia repercutir tanto, que o Daniel era tão famoso, para eles era só mais um MC, só mais um 'faveladinho', só mais um menino que veio da periferia".

Ela lamenta não saber informações básicas, como o calibre da bala que matou o irmão, e a ausência de suspeitos.

A família chegou a contratar uma investigação particular, também sem sucesso.

Apesar da falta de respostas até hoje, ela diz não descartar nenhuma possibilidade: "Não acho que tenha sido um crime passional. Se foi, tudo bem. A gente só queria saber quem foi e o porquê foi".

Isso que é triste, não vai trazer o Daniel de volta, mas a sensação de impunidade é muito pior. A gente é o mais interessado, a gente corre atrás até hoje, a gente tenta de todas as formas reabrir o caso, mas eles veem que não tem muito o que fazer, porque é tudo muito vago. A gente nem sabe nem por onde começar, e nem a polícia sabe. Carolina Sena Pellegrini

Splash tentou contato com o delegado Rui Pegolo, mas a reportagem foi informada que ele estava de férias. A SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) enviou nota:

"O caso foi investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), sendo o inquérito relatado e remetido ao Poder Judiciário em 28 de dezembro de 2015. Em julho de 2020 a família da vítima pediu reabertura do inquérito, no entanto, como não foi apresentada nenhuma nova informação ao fato, a solicitação foi indeferida pelo Poder Judiciário".

10 anos sem Daleste

Carolina, que já havia perdido a mãe na adolescência, também vive o luto recente pela morte do marido, Rodrigo, vítima de um acidente de moto. "Eu tomo remédios muito fortes por conta de tudo que aconteceu. Não é fácil. Isso desestruturou minha família num grau, o que já não era bom, ficou ainda pior".

Se passaram 10 anos, mas para mim parece que foi ontem. Vai passar 20 anos, para mim a dor continua a mesma.

Música

O artista vivia o auge do sucesso quando foi assassinado. Daleste, cujo nome artístico fazia referência à zona Leste de São Paulo, era um expoente do funk ostentação, gênero que surgia à época. Suas letras eram, em maioria, sobre dinheiro, marcas de roupa, carros, bebidas, joias e mulheres.

Deu início à carreira em 2008, incentivado pelo irmão, Rodrigo. Chegou a ser criticado pela música "Apologia", em que dizia "matar polícia é nossa meta".

"Às vezes não é muito gostoso de se ouvir, mas é a realidade, né?", diz Carolina. "Ele pesou a mão em alguns momentos, eu também não tava de acordo, com algumas letras que eles fizeram, mas fazer o quê, né? São meninos que viam coisas, e, muitas vezes, revoltados com o que viam, cantaram isso".

Entre seus principais hits estão as músicas "Gosto Mais do Que Lasanha", "Mais Amor, Menos Recalque" e "São Paulo".