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Por que comercial da Volks com Elis levantou debate sobre a ditadura

Elis Regina em comercial da Volkswagen fez fãs da cantora relembrarem ligação da montadora com a Ditadura no Brasil  - Reprodução
Elis Regina em comercial da Volkswagen fez fãs da cantora relembrarem ligação da montadora com a Ditadura no Brasil Imagem: Reprodução

De Splash, em São Paulo

04/07/2023 15h34Atualizada em 06/07/2023 17h17

A Volkswagen usou inteligência artificial para criar um comercial com a cantora Elis Regina, 41 anos depois de sua morte. Na publicidade, a estrela canta o clássico "Como Nossos Pais", composto por Belchior. Junto a ela aparece a filha, Maria Rita. Mas a homenagem virou alvo de questionamento de parte dos fãs da obra, que decidiram reviver as ligações da montadora de carros com a Ditadura Militar no Brasil, que durou de 1964 a 1985.

Alguns afirmaram que era contraditório que o grupo alemão usasse a voz e a imagem de Elis, que fazia oposição ao regime autoritário, para fazer a propaganda de seu novo carro. Outros também argumentaram que a música de 1976, usada como trilha sonora pela multinacional, é uma crítica velada aos militares.

O vídeo, que anunciou a chegada de uma kombi elétrica à Volks do Brasil, foi exibido pela primeira vez ontem na comemoração dos 70 anos da Volkswagen, em evento no ginásio do Ibirapuera, em São Paulo.

A apresentação contou com a presença de Maria Rita, que também cantou ao vivo a canção e chegou a chorar abraçada a Ciro Possobom, CEO da VW do Brasil.

As acusações que ligam a Volkswagen à ditadura:

Um inquérito contra a Volkswagen foi aberto em 2015 após pedido de vários sindicatos e da Comissão Nacional da Verdade (CNV) após a montadora ser mencionada como apoiadora da Ditadura Militar no Brasil por ex-funcionários e familiares.

As testemunhas afirmaram que o serviço de segurança da VW colaborou para entregar opositores aos militares, mesmo sabendo que eles seriam detidos e torturados. Esta colaboração foi confirmada por um relatório independente solicitado pela empresa em 2016.

Prisões foram efetuadas por órgãos de repressão dentro da empresa e ao menos um funcionário relatou ter começado a ser torturado em seu ambiente de trabalho.

Na hora em que cheguei à sala de segurança da Volkswagen, já começou a tortura, já comecei a apanhar ali, comecei a levar tapa, soco".
Lucio Bellantani, ex-funcionário da Volks, em depoimento à Comissão da Verdade de São Paulo

Por vontade própria

Um relatório da investigação apontou ainda que a montadora se aliou ao regime por vontade própria, e não sob pressão. O presidente da sede da Volks em 1964, Friedrich Schultz-Wenk, era ex-filiado ao partido nazista.

O grupo fechou um acordo em 2020 concordando em pagar R$ 36 milhões por colaborar com o Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Parte do valor vai para ex-funcionários que denunciaram ter sofrido violações de direitos humanos. Com isso, o inquérito foi encerrado.

Agora, a empresa alemã enfrenta uma segunda acusação, por práticas de "escravidão" entre 1974 e 1986. O padre Ricardo Rezende, que passou anos colhendo evidências de abusos em uma fazenda da Volkswagen, deu início às denúncias.

Funcionários que prestaram serviços para a empresa nas décadas de 1970 e 1980 afirmaram ter sido vítimas de trabalho escravo, estupros e torturas. A violência teria acontecido na Fazenda Vale do Rio Cristalino, no Pará, quando a empresa decidiu construir um grande sítio agrícola nas margens do Amazonas para o comércio de carnes.

O novo negócio começou sob incentivo da Ditadura, com o governo autoritário oferecendo isenções de impostos e empréstimos a juros negativos.

Centenas de diaristas e trabalhadores temporários foram contratados por meio de intermediários para trabalhos de desmatamento em 70.000 hectares de terra.

A mídia alemã afirmou que é "provável" que a direção da empresa tenha consentido com essas contratações, mas ainda não há condenação.

Documentos policiais apontam que trabalhadores eram maltratados por intermediários e guardas armados. Ainda há relatos de desaparecimentos suspeitos e do estupro contra a esposa de um funcionário.

Em nota a Splash, a assessoria da Volkswagen destacou que a utilização da imagem de Elis foi acordada com a família da cantora e explicou que "Como Nossos Pais" serviu como trilha sonora "pela sua representatividade na história brasileira ao simbolizar a necessidade de novos tempos".

"A Volkswagen se orgulha de ser uma marca presente na vida dos brasileiros e reforça seu compromisso, seguindo sua estratégia mundial, de ser uma empresa cada vez mais humana e próxima das pessoas, promovendo inclusive ações como esta, que possibilitou o encontro de mãe e filha, duas estrelas da música que estão presentes nos corações dos brasileiros", concluiu o comunicado.

Errata: este conteúdo foi atualizado
A palavra comercial foi grafada incorretamente como "comecial". O termo foi corrigido.