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Autor de 'Milla' vai à Justiça contra Netinho e autoriza versão de Mercury

Manno Góes, autor de "Milla" - Reprodução/Facebook
Manno Góes, autor de 'Milla' Imagem: Reprodução/Facebook

Renata Nogueira

De Splash, em São Paulo

04/05/2021 04h00

A "Milla" que embalou foilões e casais apaixonados nos verões e carnavais dos anos 1990 mudou de cara ao conduzir manifestantes em um ato a favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no último fim de semana. Manno Góes, compositor da música, não aprovou o novo uso de sua canção e já tomou providências.

Em entrevista a Splash, Góes diz que não pode e nem quer impedir o intérprete Netinho, que fez da música o maior hit de sua carreira, de cantar "Milla". Mas que pode exigir seus direitos como autor, já que se sentiu ofendido com o que viu em vídeos divulgados na internet.

Não posso impedir que Netinho cante minha música, mas eu posso impedir que essas cenas filmadas durante essa manifestação permaneçam sendo divulgadas nas redes sociais. Isso estou fazendo. Manno Góes, autor de 'Milla'

Netinho, Carla Zambelli, e o partido dela, o PSL (que elegeu Bolsonaro) foram notificados extrajudicialmente no domingo (2) para retirar os vídeos do ar. Como não atenderam o pedido em um prazo de 24 horas, o próximo passo do advogado do compositor é protocolar uma ação judicial contra o cantor, a deputada e o partido, o que deve acontecer até sexta-feira.

"O artista Netinho pode cantar em shows a música 'Milla', desde que pague ao Ecad. O que não é lícito é gravar e disponibilizar vídeos na internet utilizando obra musical de terceiro com a finalidade de apoiar um determinado político, sobretudo quando o criador intelectual é veementemente contrário aos ideais desse político", explica Rodrigo Moraes, advogado especialista em direito autoral que representa Manno.

Moraes, que também é professor de direito autoral na Universidade Federal da Bahia, ainda aponta outro problema na divulgação dos vídeos sem a autorização de seu cliente. "Houve nítida violação ao direito moral à integridade da obra, pois a música 'Milla' não foi criada para essa destinação política, de apoio a um político que fomenta o fim da democracia."

Ele destaca um agravante. "A deputada Carla Zambelli viola a Lei de Direitos Autorais ao continuar exibindo esse vídeo em sua página oficial do YouTube, mesmo após formalmente notificada."

Além de pagar pelos direitos autorais, é necessário a autorização dos autores da música quando a mesma é usada em vídeos de redes sociais, programas de TV e até mesmo passeatas filmadas e divulgadas publicamente como o caso do último sábado. Manno Góes assina "Milla" em parceria com Tuca Fernandes, mas basta o "não" de um dos autores para que a música seja barrada.

Novo ciclo para "Milla"

dani - Nelson Antoine/UOL - Nelson Antoine/UOL
Daniela Mercury vai gravar "Milla"
Imagem: Nelson Antoine/UOL

Manno Góes se diz chocado com o uso político de uma música "lúdica e doce" que ele escreveu ainda no início da carreira. O músico também é um dos fundadores do Jammil E Uma Noites e compôs diversos hits da música baiana e até mesmo do pop nacional, como "Dani", do Biquíni Cavadão.

Ver 'Milla' sendo usada em panfletagem de movimentos antidemocráticos é muito chocante para mim. Contradiz todo o espírito da música, toda a intenção da música baiana que prega a diversidade e a espontaneidade. Me impactou muito negativamente ver aquele apoio a governo que representa o oposto dessa alegria.

Seu alívio é saber que em breve a música será regravada e ressignificada. Daniela Mercury, que é amiga de Manno há muitos anos e já gravou canções dele como "Cidade Elétrica" e "Quero a Felicidade", pediu autorização para gravar sua própria versão de "Milla".

"Achei incrível e já autorizei a minha editora a dar os passos seguintes. Agora é só comemorar e celebrar esse novo momento da música que é um marco da música baiana. E Daniela é o símbolo maior dela. Será uma nova roupagem, começa um novo ciclo para Milla", comemora o compositor.

Sobre o rompimento com Netinho, Manno Góes esclarece:

Ter pensamentos políticos diferentes faz parte da natureza da democracia, porém o Netinho ultrapassa um pouco essa linha. Ele se encontra no que há de pior no discurso do bolsonarismo.

O compositor de "Milla" cita o autoritarismo, negacionismo, terraplanismo e fake news como alguns pontos que o impedem de seguir com a parceria com o principal intérprete de sua canção.

"São questões que fogem à maturidade humana e social e vão de encontro a uma fantasia ideológica terrível que sugere uma interpretação de mundo completamente dentro de uma bolha."