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Por que, quase 20 anos depois, o 'pagode 90' continua em destaque?

Belo e os integrantes do Soweto, grupo que foi um dos símbolos do pagode dos anos 1990
Belo e os integrantes do Soweto, grupo que foi um dos símbolos do pagode dos anos 1990
Joel Silva/Folha Imagem

De Splash, em São Paulo

13/01/2021 04h00

Em 2020, o álbum "Churrasquinho do Menos é Mais" foi um dos mais ouvidos no Brasil. Além disso, o pot-pourri "Melhor Eu Ir/Ligando os Fatos/Sonho de Amor/Deixa Eu Te Querer", do mesmo grupo, está desde julho no top 50 do Spotify, somando 64 milhões de plays —e mais 320 milhões de views no YouTube.

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O que o álbum e o pot-pourri do Menos é Mais têm em comum?

Os dois são recheados de músicas do chamado "pagode 90".

Aquele pagode mais cadenciado, que fez sucesso na década de 1990 e no comecinho da década seguinte com letras melosas, segue ocupando lugares de destaque nas paradas e conquistando novos —enquanto embala os antigos— corações.

Splash conversou com personagens do passado e do presente para entender esse fenômeno e o porquê do "pagode 90" ser ainda tão querido.

No fundo, todo mundo é pagodeiro

Na década de 1990, grupos como Katinguelê, Soweto, Exaltasamba e Raça Negra apresentavam ao Brasil uma derivação do samba de roda que marcou a década de 1980.

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A nova geração invadiu os programas de TV, vendeu milhões de cópias de CDs. Mesmo com esse sucesso todo, o preconceito existia e parte da sociedade enxergava no pagode uma subcultura.

Claudinho de Oliveira, compositor e um dos fundadores do Soweto, diz que a rejeição à cultura do pagode, muito forte nas periferias de São Paulo, existiu mesmo com o sucesso nacional.

Fomos um movimento muito grande e, chegou uma hora, que invadimos os espaços. Não podemos dizer que a mídia ajudou, ela foi obrigada a aceitar o pagode porque era muito sucesso.
Cláudinho de Oliveira, cantor e compositor

Com o passar do tempo, novas gerações foram consumindo pagode. Mas para Pinha Presidente, ex-integrante do Exaltasamba, um fator que ajudou o "pagode 90" a se manter na visibilidade foi a nostalgia.

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Hoje em carreira solo, Pinha conta que algumas pessoas que torciam o nariz para o pagode naquela época, hoje se rendem.

Até por isso, não é à toa que vemos memes com músicas do "pagode 90" rodando a internet. Nossa memória afetiva sempre fala mais alto.

O pessoal que viveu a década de 1990 tem uma relação próxima com o pagode. Mesmo quem não era fã, ouviu na rádio ou na TV. O tempo passou e muita gente perdeu o preconceito.
Pinha Presidente, cantor

Copia, só não faz igual?

Em 2020, você deve ter trombado com o Duzão, vocalista do Grupo Menos é Mais, cantando um trecho da música "Ligando os Fatos". Ele virou meme nas redes sociais:

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A música, na verdade, pertence ao grupo Pique Novo, que fez sucesso no final dos anos 1990 / começo dos anos 2000. O vocalista Liomar, do Pique Novo, conversou com Splash e se disse feliz de ver o seu trabalho relembrado.

Essas releituras fazem com que o pagode lá dos anos 1990 e começo dos anos 2000 nunca saia de moda. Eu vejo isso com muito orgulho e carinho, é um reconhecimento do nosso trabalho.
Liomar, vocalista do Pique Novo

Ainda na ativa e com DVD recém-lançado, o vocalista do Pique Novo comentou que gosta de regravações que não se prendem tanto à versão original.

O cantor acredita que o sucesso de hoje ajuda nos números do seu grupo que, segundo ele, vem crescendo nas redes sociais e plataformas de streaming.

A versão do Duzão ficou sensacional, tem que colocar a própria marca mesmo. Depois da regravação, as pessoas foram pesquisar de quem era a música e conheceram a obra do Pique Novo.
Liomar, vocalista do Pique Novo
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Outro ponto: as regravações também trazem um retorno financeiro para os donos "originais" das canções. Para aqueles que já penduraram o cavaco, isso é muito importante.

Mas, mesmo com os acordos contratuais em dia, existe uma regra informal de pedir a "benção" aos donos das versões originais. Júlio, integrante do grupo Vou Pro Sereno, explica que faz questão de comunicar os colegas da antiga quando vai regravar uma canção.

É importante esse respeito, dar o reconhecimento devido. Temos muita amizade com vários artistas daquela época e sempre pedimos uma 'benção'.
Julio, vocalista do grupo Vou Pro Sereno

Apropriação cultural?

O samba e o pagode têm raízes fincadas nas periferias do país, com origem no suor do povo negro. Mesmo conquistando espaço em camadas mais elitizadas, o preconceito ainda existe.

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Claudinho, do Soweto, que é formado em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), reforça a importância de não se desvirtuar da essência para que não aconteça uma apropriação cultural com relação ao passado.

Hoje em dia, é comum ver pagodeiros que não são negros ou não têm nenhuma relação com as periferias. Isso não é um problema, desde se tenha um respeito por quem veio antes.
Cláudinho de Oliveira, cantor e compositor

No entanto, o músico também diz que é preciso dar valor à pluralidade. Segundo ele, a história existe, deve ser preservada, mas há espaço para todos dentro do pagode.

O pagode não tem um dono, e é legal ver a nova geração consumindo nosso trabalho com uma nova roupagem. Isso só acontece se abrirmos as portas para as novidades.
Cláudinho de Oliveira, cantor e compositor
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Pagode 2020

Ok, já entendemos que o pagode 90 ficou na memória e agrada muita gente. Mas e o futuro? Será que estão faltando novos sucessos para fazer essa roda girar?

Renatinho, vocalista do Grupo Bokaloka, diz que no começo de carreira foi criticado cantar apenas sucessos antigos. Ele explica que essa transição entre se fazer conhecido para, na sequência, lançar trabalhos autorais, não começou hoje no pagode e deve ser valorizada.

O pagode 90 está vivo até hoje porque é bom. Música boa é eterna. E o público quer ouvir isso. O importante é ser original e arriscar - seja com músicas autorais ou regravações.
Renatinho, vocalista do Bokaloka

Gustavo Góes, integrante do Menos é Mais, diz que o grupo de Brasília tem um personalidade marcante e as regravações foram uma forma de fidelizar o público —que deu a eles o troféu da categoria Experimente do Prêmio Multishow.

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Recentemente, o grupo lançou um EP só com inéditas pensando em, quem sabe um dia, marcar uma nova geração.

Nós devemos muito ao pagode 90 e é uma honra regravar músicas que ouvimos desde sempre. Mas também pensamos num futuro poder dizer que um grupo de Brasília marcou uma geração.
Gustavo Góes, integrante do Menos É Mais