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Pedro Antunes

Longão #2: O Grammy vs The Weeknd e os Vasco da Gama da indústria musical

Colunista do UOL

14/03/2021 14h17

Domingo de Grammy, aquela noite em que, dizem, temos o Oscar da música. Risos bem altos, gargalhados, a ponto de sair aquela lagriminha no canto do olho.

Tô há algum tempo pensando na importância do Grammy, na representatividade do prêmio, na fúria do The Weeknd, nas minhas revoltas passadas com os equívocos das categorias e como, a cada ano que passa, o tal Gramofone Dourado representa pior a música produzida no ano anterior.

Isso motivou o segundo Longão da coluna, publicado sempre aos domingos. Se na semana passada, o alvo foi a bobagem dita por Adam Levine ("bandas estão em extinção") e as bolhas criadas por algoritmos, hoje queria fazer uma reflexão sobre a incapacidade do Grammy em ser realmente interessante.

Nunca fui muito fã de premiações no geral - inclusive, quando ganhei algumas delas -, porque me parece bizarro comparar um álbum histórico como "Lemonade", de Beyoncé, com "25", de Adele. Mais surreal ainda é imaginar que, nesta disputa esdrúxula, a cantora inglesa tenha se sagrado vencedora.

Veja bem, eu adoro a sofrência da Adele, ouvi o álbum anterior dela, "21", até meu Spotify perguntar se eu estava bem e se eu gostaria que ele ligasse para alguém, mas não dá para comparar uma música como "Hello" (abaixo):

Com "Formation", música-manifesto de Beyoncé do álbum "Lemonade":

Longões serão textos mais analíticos e longos, mesmo, como o nome já diz. Sabe aquele "treinão" dos crossfiteiros aos sábados? A ideia é essa, em em forma de um longo texto, já que meu corpinho não aguenta nem 2 minutos seguidos de polichinelos.

Se você está perdido como o The Weeknd acima (em cena tirada da apresentação magnífica do artista no Superbowl deste ano) com todas as polêmicas do Grammy, chega mais que eu explico - e vou um pouco além.

Bom, realizado por uma Academia, assim como o Oscar, a Academia de Gravação, o Grammy chega à 63ª edição bombardeado de críticas sobre as escolhas de indicados e vencedores. Há tempos uma fumaça estranha era vista saindo dos bastidores do prêmio. Agora, em 2021, as coisas estão realmente cheirando mal para o lado da Academia de Gravação.

A coisa está tão feia para o Grammy que dizem nos bastidores que se você não for um homem branco, cis, e com uma guitarra nas mãos, suas chances de levar os principais prêmios estão completamente comprometidas.

Neste ano, o causador da revolta foi The Weeknd, que jogou um monte de cocô no ventilador da indústria fonográfica ao se ver completamente com ZERO indicações à tida como a maior premiação da música.

Veja bem, o cantor canadense que entregou um dos álbuns de 2020, único artista a manter um single (no caso, "Blinding Lights"), no top 10 do ranking mais importante da Billboard, o Hot 100, por 52 semanas consecutivas, ou seja, um ano inteirinho, nem sequer ganhou uma indicação.

Abel Tesfaye ficou enfurecido com a exclusão. Recentemente, inclusive, anunciou que pedirá à gravadora para boicotar o Grammy eternamente. Não quer nada a ver com a premiação.

"O Grammy segue corrupto. Vocês devem transparência à mim, aos meus fãs e à indústria"
escreveu o magoado (com razão) Abel Tesfaye.

Qual é o seu problema, Grammy?

Historicamente, o Grammy não trata bem artistas que não se encaixem no perfil que escrevi lá em cima (a história de homens brancos, cis e minimamente roqueiros). Para piorar, como uma medida de se mostrar inclusivo, o Grammy criou "categorias especificas", escrito assim, mesmo, entre aspas.

Vamosa alguns dados preocupantes sobre o Grammy?

  • O último disco do rap a vencer na categoria de Álbum do Ano foi "Speakerboxxx/The Love Below", do duo Outkast, no distante ano de 2004.
  • A última mulher negra a vencer o Álbum do Ano foi Lauryn Hill, em 1999.
  • Álbum do ano para algum artista latino? Foi em 2000, com "Supernatural", de Santana.
  • E o K-pop, Grammy? Tome vergonha!

A crítica generalizada ao Grammy é o fato de a premiação tentar ser "inclusiva" ao criar categorias específicas para artistas negros e latinos disputarem. Criaram classificações para R&B, música urbana (afinal, o que é música urbana?) e rap.

As maiores estrelas destas categorias específicas até concorrem nas principais disputas da noite, mas costumeiramente não levam nada além desses prêmios menores.

Me lembro sempre de uma música do rapper Don L, lançada no álbum dele de 2017, chamado "Roteiro Pra Aïnouz, Vol. 3". Na primeira estrofe de "Fazia Sentido", Don rima assim:

"Eu lembro do Caetano me entregar um prêmio
De melhor do nordeste
O que diz sobre isso?
Porque não tinha uma categoria pro sul
Então, era tipo
Esmola pra segunda divisão, tru"

Para contexto: Don L, nesta letra, fala quando ele ganhou, em 2006, o Prêmio Hutúz na categoria de melhor disco de rap nordestino do ano. A provocação dele é, afinal, porque o álbum dele competia na categoria de "rap nordestino" em vez de disputar com outros artistas do sul e sudeste? Ele reclamava de ser colocado nesta "segunda divisão".

Ouve o som do Don L que é bom demais:

Por que o Grammy segue com a primeira e a segunda divisão?

Os maiores e mais relevantes artistas da atualidade não estão no pop radiofônico branco. Estão no hip-hop e no k-pop. Nenhum deles, contudo, saem da segunda divisão do Grammy, disputando os Gramofones Dourados entre si, mas nunca são realmente considerados para os prêmios principais.

É como se comparassem artistas como Kendrick Lamar (13 vitórias no Grammy, nenhuma em categorias gerais) e Beyoncé com times tipo Vasco da Gama e Coritiba, tá ligado? Eles são grandes, têm história, até disputam a primeira divisão (no caso, as categorias principais), mas sempre voltam para a segunda divisão (no caso dos artistas, nas disputas das categorias de R&B, rap e tal).

Manter esses artistas disputando entre si em categorias específicas, mas não realmente considerá-los para as disputas maiores é reduzi-los. Tipo prêmio de consolação, sabe? "Tá aqui seu prêmio de rap, mas esqueça que você não vai vencer a categoria de melhor álbum do ano". Pensando em discos como "To Pimp a Butterfly", de Kendrick, e "Lemonade", de Beyoncé, os livros de história provarão como o Grammy estava completamente equivocado.

Segurem o ódio aí, vascaínos, que a culpa não é minha que o time de vocês fica nessa gangorra.

A ascensão do K-pop

Entre os absurdos nas indicações do Grammy, com The Weeknd, está a ausência de indicações para grupo BLACKPINK. O vácuo completo das artistas mexeu com os brios dos fãs, já que as gurias tinham como trunfo o ótimo "How You Like That", foram como donas do hit do verão no VMA 2020, mas não abocanharam nem uma lembrança como, sei lá, revelação.

Ano passado, a ausência do BTS também mexeu com muita gente. Desta vez, não foram completamente esquecidos porque receberam a indicação na categoria de Melhor Performance de Pop em Duo/Grupo.

Tudo me parece pouco, atento leitor, à revolução musical criada por artistas vindo do país asiático.

Com uma linguagem repleta de cores e absorvendo referências que vão do hip-hop norte-americano ao pop de pista, grupos como BTS e BLACKPINK hoje são responsáveis por ditarem as tendências da música mainstream, direta e indiretamente.

Não me representa

O Grammy corre mais rápido do que Bolsonaro para se tornar irrelevante no próprio jogo. Enquanto o presidente não sabe onde se esconder desde que Lula se tornou novamente elegível e fez um discurso de fazer até os adversários babarem, o prêmio segue com a autossabotagem, ano a ano, até a total irrelevância.

Outros artistas negros já disseram, ao longo das edições recentes, que pouco ligam para a premiação. Drake e Frank Ocean, queridinhos de 9 entre 10 jovens, já disseram que o Grammy não os representam.

O erro do Grammy, como de qualquer premiação que quer se manter relevante, é esquecer que ele precisa ser acessível. Ou seja, os artistas precisam acreditar que podem ganhar - e, vez ou outra, até devem ganhar.

Até a Mega-Sena, com as improváveis chances de vitória de 1 em 50 milhões, trabalha com um marketing para fazer a gente acreditar que, do dia pra noite, podemos ter uma tonelada de dinheiro na nossa conta.

O Grammy chega à 63ª edição cada vez olhando mais para o próprio umbigo.

No ano passado, a Academia de Gravação foi duramente atacada por Deborah Dugan, uma das executivas do Grammy, poucos dias antes da cerimônia. Dugan acusou a premiação de discriminação, apontou irregularidades financeiras e fraude eleitoral.

Portanto, quando The Weeknd diz coisas como "o Grammy continua corrupto", como escreveu ele no Twitter no momento em que as indicações deste ano foram conhecidas, sabemos que o assunto é muito mais fundo do que uma dorzinha de não ter sido lembrado pela premiação.

O que há escondido debaixo do tapete do Grammy?

O Grammy, esse senhor branco de 63 anos de idade, parece querer manter as rédeas de uma indústria da música que não existe mais nos moldes como as conhecíamos. Isso mudou faz tempo, inclusive, desde que a venda de discos despencou com a pirataria e o modelo de negócios de música por aplicativos de streaming, como Spotify, Apple Music, Deezer, Tidal, etc, passaram a dar as cartas do que é hit e o que é flop.

Outra premiação, o Globo de Ouro está mais perto da irrelevância. A audiência de 2021 da cerimônia foi 60% menor do que em 2020. Claro, estamos em um ano de pandemia, tudo é diferente, mas uma queda dessas serve para mostrar que a turma não está tão interessada na opinião de uma Academia cada vez mais obsoleta.

Melhore, Grammy

A história dos vencedores do Grammy, ano a ano, mantém o status quo da música popular. Até mesmo quando quer soar indie ou alternativão, o Grammy premia gente como Arcade Fire (com "The Suburbs", em 2011) e Beck ("Morning Phase", em 2015), o que mais confundiu a cabeça de quem estava assistindo do que levou esses artistas ao estrelato.

É interessante para a indústria fonográfica norte-americana que eles ainda deem as cartas, entende? Eles não têm controle sobre a narrativa da música rap ou R&B, muito menos sobre o K-pop e reggaeton e outros gêneros latinos.

É cada vez maior a distância entre os indicados ao Álbum do Ano e as listas de melhores do ano criadas pelas mais diferentes publicações, das mais indies às populares. Descolada da realidade, a Academia sofre para se manter relevante, enquanto se esforça, ano a ano, para cavar a própria cova.

Para não dizer que só critico o Grammy…

Gostaria de deixar aqui meu elogio às indicações na categoria de Performance de Rock. São cinco indicadas, todas mulheres.

"Shameika" (Fiona Apple)
"Not" (Big Thief)
"Kyoto"(Phoebe Bridgers)
"The Steps" (HAIM)
"Stay High" (Brittany Howard)
"Daylight" (Grace Potter)

Qualquer coisa que afronte o roqueiro médio conservador tem a minha atenção, mas ver esta me lembra que o álbum "Fetch the Bolt Cutters", de Fiona Apple, não está nas disputas principais do Grammy. E isso me deixa nervoso de novo.

CURTINHAS:

As contradições de Gustavo

Djonga lançou um discaço ontem (13) e falou com a coluna sobre esse álbum, "Nu". Disse ser o último dele (será?), também disse que se incomodou ao ser comparado com Bolsonaro e falou sobre as várias contradições. O álbum está um espetáculo - e esta entrevista, também, cóf cóf cóf.

Pisadinha com terror retrô de Duda Beat

Duda Beat soltou uma pisadinha, mas dentro dos seus moldes. "Meu Pisêro" é mais uma daquelas músicas que fazem a gente chorar e dançar (meio confuso com essa definição, ouça o álbum dela, "Sinto Muito"). A letra canta sobre as contradições um fim de relacionamento: "não fui capaz de te esquecer e não te ver no mesmo intervalo", ela canta. O vídeo tem uma estética de filme de terror que é ótimo também.

WandaVision: a culpa é da Marvel?

WandaVision chegou ao fim na última semana e gerou uma onda de desapontamentos. Claro, o pessoal criou mil teorias e queria ver, pelo menos alguma, confirmada na telinha. Os fãs foram tão megalomaníacos que esqueceram os protagonistas da trama, Wanda e o Visão. Eles que deveriam ter seus arcos completados ali. E tiveram. Que coisa, Marvetes.

Agora vai, Zack Snyder?

Falando agora da rival da Marvel, a DC dará sua cartada final nos cinemas (ou, no caso, no streaming), com o lançamento de Liga da Justiça com a versão do diretor Zack Snyder. Depois de tanto movimentação online a favor do filme, é bom que o filme seja realmente bom. Se não, vamos desistir e começar de novo?

O afeto de Rico Dalasam

O rapper Rico Dalasam criou uma versão expandida do EP lançado no ano passado, DDGA, e criou o álbum "Dolores Dala, o Guardião do Afeto", um disco que amplia os discursos e reflexões do rapper com uma produção impecável e novas sonoridades. Que espetáculo!

A hipnose de Jadsa

Artista das mais interessantes a preparar um álbum fresquinho para 2021, Jadsa Castro entrega a versão de estúdio de "Lian", uma música com sintetizadores vindos dos anos 1980 a bordo do DeLorean de Marty McFly. Hipnótica e delirante, a música tem a participação da própria Lian, no caso, a ótima Luiza Lian. Fiquem ligados em "Olho de Vidro", o álbum de Jadsa que chega em breve, pela Balaclava Records, ok?

Uma diva do pop, sem precisar ser "diva" ou "pop"

Cantora ítalo-brasileira, Lori é uma artista que talvez você não tenha sacado ainda, mas tudo bem, cá estou para ajudar com isso. Ela já tem um EP lançado, "Vênus em Virgem" (2019), e soltou nesta sexta o single "Choro na Cama". Cheio de groove, o single é tipo um bedroom pop entorpecido por R&B sofridinho. Tipo um "bad"room R&B, rarará. Mas, falando sério, se liga na Lori que ela é uma artista que já chamou a atenção de Jade Baraldo (entrou numa playlist de música sexy, uau) e tem tudo ser a sua "diva do pop" favorita em pouco tempo.

Voltamos no próximo domingo com mais um texto longo para fingir que o Grammy não existe.