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Sonho realizado: a garota Lua e suas bibliotecas que transformam mundos

Na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, Lua de Oliveira dividirá uma mesa com nomes como Fábio Porchat e Antonio Fagundes. - Divulgação
Na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, Lua de Oliveira dividirá uma mesa com nomes como Fábio Porchat e Antonio Fagundes. Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

01/12/2021 04h00

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Escondida, Lua pegou o celular da mãe e mandou mensagem para Vânia, a vice-presidente da Associação de Moradores da comunidade dos Tabajaras, na zona sul do Rio de Janeiro. Tentou se passar por Fátima para, quem sabe, conseguir o que queria. A garota de 12 anos não tinha livros nem um espaço para tocar a ideia em frente, mas estava decidida: criaria uma biblioteca. "Se você cuidar, eu topo", disse mais tarde Vânia, num papo que já envolvia a mãe da garota. Lua e Fátima aceitaram tomar conta de todos os detalhes do espaço que a vice-presidente lhes arrumou dentro da Associação.

Restava conseguir os livros para montar a almejada biblioteca comunitária. Então Lua recorreu às redes sociais. Fez um vídeo, falou do sonho e postou na internet. Não demorou para começar a receber mensagens, muitas mensagens. Em quatro dias, conseguiu cerca de 2 mil exemplares. Vinham principalmente dos moradores da vizinha Copacabana. Pelo menos três carrinhos de feira foram quebrados nas idas e vindas para recolher as doações. No dia 18 de outubro de 2019, realizava o ainda fresco sonho de criar uma biblioteca para quem vive distante do mundo dos livros.

A vontade tinha nascido pouco mais de um mês antes. Uma amiga de Fátima que convidou Lua para um passeio pela 20ª Bienal do Rio. Nos estandes de editoras, a garota observava que muitas crianças folheavam e namoravam vários títulos, mas, como ela, não tinham dinheiro para levá-los para casa. Também ficou chateada ao lembrar dos amigos que sequer tiveram a oportunidade de cruzar a cidade para conhecer o evento dedicado aos livros. Daí que pensou: "Por que não monto uma biblioteca?".

Raíssa Luara de Oliveira, a Lua, hoje com 14 anos, voltará em breve ao evento, agora em outra condição. Ela será uma das convidadas da 21ª Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, que acontecerá no Riocentro entre 3 e 12 de dezembro. No último dia, às 11h, a ativista da leitura participará da mesa "Eu Amo Ler". Ela estará ao lado de Otávio Júnior, outro nome que dedica parte importante de sua vida a fomentar o amor pelos livros em comunidades cariocas, e dos atores Fábio Porchat e Antonio Fagundes numa conversa mediada pelo cineasta Paulo Halm.

Ao levar livros até prováveis leitores e, quem sabe, fazer com que muitos descubram o prazer da leitura, Lua transformou também a vida de sua família. Após o primeiro pedido, doações continuaram chegando. Tempos depois de inaugurarem o espaço na Associação, resolveram criar a segunda biblioteca. A grana para darem entrada numa casa para o projeto veio de uma vaquinha virtual. Um dos cômodos do novo imóvel passou a servir de moradia para toda a família. Outra transformação causada pelo movimento de Lua foi a volta aos estudos da mãe, Fátima Regina Nunes de Oliveira, que decidiu retomar o ensino fundamental.

Com apoio da mãe e de muitas doações, Lua de Oliveira já montou duas bibliotecas na Comunidade dos Tabajaras, no Rio de Janeiro. - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Entre percalços e a dificuldade para se manter exclusivamente com o dinheiro de doações, os espaços logo se transformaram em lugares seguros para diversos tipos de acolhimento. São muitas as pessoas que preferem sair um pouco da rua e procurar as bibliotecas para ler, acompanhar clubes de leitura, fazer cursos ou assistir a filmes, diz Lua. Durante a pandemia, os ambientes serviram de base para a distribuição de cestas básicas e máscaras de proteção. E não só. Vizinhos passaram a procurar as instalações criadas por Lua e Fátima também para ajudar animais.

"Na pandemia, muitas pessoas abandonaram animais nas ruas. Então, ligavam pra gente resgatar. Resgatamos uma gatinha que estava grávida e levamos para uma moça que recolhe os gatos, castra e doa os filhotinhos. Demos um cachorrinho e dois gatinhos. E uma galinha", conta Lua. A galinha, no caso, foi achada no meio de Copacabana. Acolhida, recebeu o nome de Vitória. "Na primeira biblioteca temos um gatinho", continua Lua, para depois explicar que o mascote, dono do espaço, é chamado de Presidente.

Hoje as duas bibliotecas comunitárias dos Tabajaras reúnem um acervo de aproximadamente 10 mil livros. Lua e Fátima repassam muitas das doações que seguem chegando. Assim, comemoram, já ajudaram na criação ou atualização de 38 bibliotecas e salas de leitura espalhadas pelo país. Outra transformação provocada pelas bibliotecas foi no perfil de Lua como leitora. Ela assume: "Desde pequena sempre gostei muito de ouvir histórias, mas não era muito ligada a ler".

A vontade de conhecer a Bienal do Livro, aliás, veio depois que uma professora lhe apresentou a série "Diário de Um Banana", de Jeff Kinney. Ali, sua relação com os livros começou a mudar, a se tornar mais íntima. Títulos como "A Estranha Madame Mizu", de Thierry Lenain, "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry, "A Rainha Vermelha", de Victoria Aveyard, e "Anne de Green Gables", de L. M. Montgomey, são citados pela jovem quando menciona alguns dos que mais lhe marcaram.

"Livros podem mudar a sua vida, mesmo que seja uma história de que você não goste muito", confia Lua. Olhando para si, cita exemplos. "[A leitura mudou] meu modo de falar, de escrever, de conversar com as pessoas, de ver o mundo".

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