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Mauricio Stycer

REPORTAGEM

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RedeTV! corrige reportagem, mas segue exaltando remédio não recomendado

Reportagem da RedeTV! mostrou pedido de médicos para usar Ivermectina em Portugal - Reprodução
Reportagem da RedeTV! mostrou pedido de médicos para usar Ivermectina em Portugal Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

16/03/2021 07h01

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Na última quinta-feira (11), o "RedeTV! News" exibiu uma reportagem de sete minutos exaltando o uso da ivermectina, um antiparasitário recomendado para combater piolhos, no tratamento da covid-19. O pretexto para tratar do assunto foi o pedido de um grupo de médicos às autoridades de saúde em Portugal para recorrer ao remédio no combate ao coronavírus.

A reportagem, porém, ignorou que naquela mesma quinta-feira, em Portugal, a Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde) decretou que "não existem evidências que apoiem a utilização deste medicamento na profilaxia e tratamento da COVID-19". Ou seja, o principal "gancho" da matéria, na realidade, não existia.

Pelo fuso horário em Portugal (três horas à frente do Brasil) haveria tempo de sobra para incluir esta informação no telejornal da RedeTV!, o que não foi feito. Segundo o canal, a correspondente em Londres, Erika Abreu, enviou "questionamentos à Infarmed, sem obter retorno". Apenas nesta terça-feira (15), quatro dias depois, a emissora informou corretamente sobre a decisão da autoridade portuguesa.

Questionei o superintendente de jornalismo da RedeTV!, Franz Vacek, sobre outros problemas da reportagem. Perguntei sobre a ausência de contraponto: nenhum entrevistado fala sobre a ineficácia do remédio ou das mortes atribuídas a ele. A assessoria de comunicação do canal respondeu que há duas frases, perdidas em meio aos sete minutos da reportagem, que mencionam a falta de eficácia da ivermectina no combate à covid-19 (elas aparecem nos minutos 2´24 e 3´43).

Ivermectina - Reprodução - Reprodução
Reportagem da RedeTV! exibiu imagens em detalhe do remédio Ivermectina em farmácias
Imagem: Reprodução

Manifestei estranheza com a exposição escancarada do remédio em vitrines de farmácia em vários momentos da reportagem, o que, para mim, caracteriza publicidade. A RedeTV! respondeu que "a exposição do medicamento foi usada para ilustrar a reportagem."

Com o título genérico de "Autoridades médicas defendem o uso de ivermectina no tratamento da covid", a reportagem logo se tornou a mais assistida no site do telejornal. Há quatro dias ocupa esta posição. O vídeo também se tornou um sucesso nas redes sociais e nas listas de conversas de bolsonaristas.

No dia seguinte, na sexta-feira (12), uma versão ampliada da reportagem, com 14 minutos, foi exibida no programa "Alerta Nacional". Novamente, o pretexto para tratar do assunto é o pedido de um grupo de médicos portugueses que já havia sido rejeitado pela autoridade médica do país.

Nesta terça-feira, após corrigir a informação sobre Portugal, o telejornal informou que as autoridades médicas na República Tcheca autorizaram o uso do remédio "apenas em pacientes hospitalizados" com covid. A repórter avisou que o telejornal trará ainda esta semana mais informações sobre o uso da ivermectina "no tratamento precoce".

Curiosamente, na mesma edição do telejornal, ao noticiar a saída do ministro Eduardo Pazuello, a repórter Caroline Aguiar observou que a médica Ludhmila Hajjar, cotada para o cargo, "é contra o tratamento precoce, método sem comprovação científica, que é defendido por Bolsonaro".