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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que a Casa do Dragão venceu Os Anéis de Poder na briga do streaming

Rhaenyra Targaryen (Milly Alcock), de "A Casa do Dragão" e Galadriel (Morfydd Clark), de "O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder - HBO/Prime Video/Divulgação
Rhaenyra Targaryen (Milly Alcock), de 'A Casa do Dragão' e Galadriel (Morfydd Clark), de 'O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder Imagem: HBO/Prime Video/Divulgação

Colunista do UOL

09/10/2022 04h00

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Resumo da notícia

  • Apesar do investimento recorde, produção da Amazon tem performance inferior à da concorrente da HBO
  • Dentro da própria Amazon, produções como The Boys proporcionalmente parecem trazer melhores resultados que Os Anéis de Poder
  • A Casa do Dragão tem mais afinidade com o público da HBO e faz mais sucesso entre as mulheres; Os Anéis de Poder atrai mais millennials homens

No início de setembro, afirmei no Twitter que O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, em vista do investimento, talvez ficasse abaixo das expectativas da Amazon. Não porque a série seja ruim, apesar das críticas e problemas, a produção impressiona. Meu ponto é que, apesar do sucesso, a conta ficou cara demais para justificar o resultado final.

Muitos fãs não gostaram da afirmação, principalmente porque eu disse isso logo após a Amazon anunciar que a série tinha sido vista por mais de 25 milhões de pessoas nas primeiras 24h após o lançamento.

Na época, chamei atenção para o fato da Amazon ter de vender mais de 43,5 milhões de assinaturas anuais (no Brasil) para pagar o custo de R$ 5,2 bilhões da produção. Ou seja, 43,5 milhões é um número bastante expressivo, levando em conta que muitas pessoas também podem assinar somente por apenas um mês ou alguns meses.

O influenciador Felipe Neto comentou no Twitter que a minha conta, usando o valor da assinatura anual do Prime no Brasil (R$ 119 por ano), era errada por não refletir os valores do mercado americano, que pagava bem mais. Felipe está correto, a assinatura do Prime nos EUA custa mais de R$ 700 (US$ 139). Mesmo assim, ainda seriam necessárias mais de 7,2 milhões de assinaturas anuais para "pagar" a conta. Uma tarefa cada vez mais difícil à medida que o crescimento do número de novos assinantes tem diminuído e os prejuízos aumentado no streaming.

Mercado de streaming em retração

A Amazon possui mais de 200 milhões de assinantes do Prime no mundo. Disney e Netflix, pouco mais de 220 milhões de assinantes cada uma. Mas todas enfrentam dificuldades para crescer suas bases de assinantes, particularmente nos Estados Unidos. A Netflix perdeu 2 milhões de assinantes no último trimestre, sendo a maior parte na América no Norte.

Por sua vez, o Prime Vídeo dá prejuízo para a Amazon. Por enquanto, a Netflix é a única plataforma que lucra, todas as demais grandes plataformas de streaming operam no vermelho e perdem bilhões por ano.

Como outros usuários do Twitter lembraram, a Amazon também poderia monetizar a série por meio da venda de produtos como livros. O que de fato é possível, mas bastante desafiador em vista do valor investido na produção.

Se a Amazon realmente vai perder dinheiro com Os Anéis de Poder é algo que dificilmente saberemos, já que ela pode ou não divulgar os números de vendas e receita relacionados à produção. Porém, é possível avaliarmos a performance da série em relação aos concorrentes.

A Casa do Dragão é mais eficiente

O orçamento para a primeira temporada de Os Anéis de Poder chega a cerca de US$ 715 milhões. Ainda houve US$ 250 milhões pagos pela Amazon para adquirir os direitos da franquia O Senhor dos Anéis.

Para efeito de comparação, Stranger Things, da Netflix, exibiu recentemente sua quarta temporada, que é uma das produções de TV mais caras do ano. Cada episódio desta temporada de nove episódios custou cerca de US$ 30 milhões para ser produzido, levando a uma temporada de US$ 270 milhões.

Com oito episódios na primeira temporada, Os Anéis de Poder custará uma média de aproximadamente US$ 89 milhões por episódio, quase três vezes o preço de um único episódio de Stranger Things, que acumulou 1,15 bilhão de horas de streaming em seus primeiros 28 dias, de acordo com a Netflix.

Obviamente, uma comparação direta com Stranger Things é difícil, visto que estão em plataformas diferentes e a série da Netflix já está em sua quarta temporada. Mas uma comparação com A Casa do Dragão, nova série da HBO e que estreou poucos dias antes, parece mais justa.

A Nielsen divulgou que os dois primeiros episódios de Os Anéis de Poder acumularam 1,25 bilhão de minutos assistidos, ou cerca de 9,5 milhões de visualizações completas, de acordo com os cálculos da analista Julia Alexander, da Parrot Analytics. Isso é menos que os 9,9 milhões de espectadores combinados que a Warner Bros. Discovery diz ter tido para A Casa do Dragão na TV e no HBO Max em um única noite nos EUA.

Outro dado importante é que A Casa do Dragão está ganhando novos espectadores consistentemente a cada episódio, a série da Amazon, não.

The Boys é uma pechincha

Também vale notar que Os Anéis de Poder tem superado apenas marginalmente conteúdos mais baratos da Amazon Prime. A terceira temporada de The Boys registrou 949 milhões de minutos em seus três primeiros episódios quando estreou, e The Wheel of Time alcançou 1,16 bilhão de minutos em seus três primeiros episódios.

Mesmo deixando de lado os US$ 250 milhões que a Amazon pagou antecipadamente pelos direitos de propriedade intelectual da série, The Boys e The Wheel of Time foram produzidos por uma fração do custo de Os Anéis de Poder.

O período de tempo em que a Nielsen coletou dados (29 de agosto a 4 de setembro) significa que a audiência de Os Anéis de Poder, que lançou dois episódios simultaneamente, foi contada por quatro dias inteiros, enquanto o terceiro episódio de A Casa do Dragão recebeu apenas algumas horas de medição. Além disso, como A Casa do Dragão também é transmitido na TV a cabo, há horas medidas que não aparecem na medição da Nielsen. Independentemente disso, os números sugerem que A Casa do Dragão superou Os Anéis de Poder.

Mas também é crucial examinar outros pontos de dados para traçar um quadro mais completo - não apenas os números globais, que são deixados de fora da análise da Nielsen, mas também se a série traz novos assinantes ou qual a probabilidade de retê-los.

Crescimento de assinantes justifica?

Como as empresas não revelam os números, essa não é uma tarefa simples. Mas A Casa do Dragão manteve uma presença muito mais forte no Google Trends entre 30 de agosto e 3 de outubro, com uma pontuação média de 45 para a pontuação de 5 de Os Anéis de Poder.

Segundo a Parrot Analytics, as duas séries têm pontuações de demanda global de 30,5x (Os Anéis de Poder) e 54,5x (A Casa do Dragão). Quanto maior a pontuação, mais chances de atrair e reter assinantes. A série da HBO tem consistentemente superado a da Amazon.

Os Anéis de Poder também enfrenta um desafio para reter assinantes. A série tem uma grande porcentagem de usuários entre o público masculino da geração millennial (68% do sexo masculino, 37,7% millennial) e compartilha uma afinidade menor com o catálogo geral do Prime Video. Isso significa que os novos clientes que assinam para ver Os Anéis de Poder não devem ser tão bem "retidos" quando a série terminar, de acordo com Parrot.

Já A Cada do Dragão tem uma pontuação de afinidade muito forte com a HBO, o que significa que o público que vem para a série tem mais chances de permanecer assinando quando a série terminar. Além disso, o público de A Casa do Dragão também é dividido de forma mais uniforme (43% do público é feminino) e tende a ser mais jovem (40% entre 24 e 30 anos), diz a Parrot.

Um projeto pessoal de Bezos

Ironicamente, a Amazon Prime talvez seja a plataforma que menos precise de um grande sucesso neste momento. Grandes produções são uma maneira de atrair e reter assinantes no streaming, mas a Amazon oferece junto ao Prime uma série de outros benefícios, principalmente entregas mais rápidas e sem custo em seu e-commerce. Ou seja, boa parte de quem assina o Prime nem mesmo está preocupado com os filmes e séries.

Para alguns críticos, o Prime é antes de tudo um projeto pessoal do fundador da empresa, Jeff Bezos. Segundo relatos, o bilionário adora a atenção que recebe das estrelas de Hollywood. Bezos também aprovou a compra dos Estúdios MGM pela Amazon. O preço pago, de US$ 8 bilhões, seria bastante acima do valor de mercado considerado justo por analistas.

Bezos, que foi CEO da Amazon até julho, esteve intimamente envolvido na negociação dos direitos e no desenvolvimento de Os Anéis de Poder. O bilionário deixou claro para os funcionários de seu estúdio que ele queria o "meu Game of Thrones", de acordo com o livro Amazon Unbound, de Brad Stone. O fundador da Amazon é fã dos livros O Senhor dos Anéis desde jovem.

Obviamente, criar a série mais cara da história gastando US$ 1 bilhão em um "capricho" pode parecer insano, mas a soma de todo o orçamento de os Anéis de Poder é estimada em apenas 0,15% dos ganhos totais da Amazon em 2021.

O tempo irá dizer se Bezos teve outra jogada de mestre ou apenas um capricho caro e pouco efetivo. Com os direitos de O Senhor dos Anéis a Amazon terá a oportunidade de criar uma grande franquia, a exemplo do que a Disney faz com seus heróis da Marvel e o universo de Star Wars. Então, o número de novas temporadas e quantas pessoas seguirão assistindo à produção da Amazon nas próximas semanas serão os melhores indicativos de sucesso.

Os Anéis de Poder já teve a segunda temporada confirmada, a questão é saber quantos dos 25 milhões de espectadores vão seguir assistindo e se haverá ainda mais pessoas interessadas em conhecer a história e seguir assinando a plataforma.

PS.: Aviso aos fãs. Não estou afirmando que A Casa do Dragão é melhor que Os Anéis de Poder da perspectiva artística (mesmo porque as avaliações de sites como o Rotten Tomatoes foram impactadas por uma infeliz campanha de racismo e misoginia contra a série da Amazon. Mas como investimento e produto, até o momento, os números indicam que a série da Amazon está perdendo.

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