Flavia Guerra

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Opinião

Longe do estereótipo latino, Alice Braga é psiquiatra em 'Matéria Escura'

Em determinada cena de "Matéria Escura", série que estreia nesta semana na Apple TV+, Alice Braga protagoniza um momento dos mais emocionantes da trama, ainda que curto. Sua personagem, Amanda Lucas, em uma das tantas realidades pelas quais viaja ao lado do protagonista Jason (Joel Edgerton), encontra sua mãe e fala português.

Ele não entende nada. Mas os brasileiros vão entender e se deliciar em vê-la em um papel que confirma a boa fase para atores não só latinos, mas brasileiros, em Hollywood, vivendo personagens em que a latinidade é ponto importante, mas não motivo para se confirmar estereótipos.

"No livro, Amanda não necessariamente é latina. E achei muito bonito que os produtores estavam muito abertos a que atriz fosse selecionada. E como sou brasileira, Blake quis transformá-la em brasileira e fazer esta homenagem e tem uma cena inteira em português", diz Alice em entrevista a esta coluna.

Foi muito bonito também porque mostra essa força na indústria americana de aceitação da cultura latina sem ser o estereótipo do latino que existiu durante muitos anos. Inclusive, eu fiz muito feliz e tenho muito agradecimento ao "Rainha do Sul", mas que são personagens que no cinema foram vistos como "é sempre traficante, é sempre o bandido". E sinto que agora, depois de muitos anos de luta por representatividade, aqui nos Estados Unidos, existem essas possibilidades. Tanto que Wagner (Moura) está fazendo "Guerra Civil". É muito mais sobre histórias humanas, independentemente da nação delas. Alice Braga

O processo de escolha de Alice foi um mix entre a vontade de Blake Crouch, da corroteirista da série Jacquelyn Ben-Zekry, que também é sua mulher e sua editora, e da equipe (como o produtor executivo Matt Tolmach) e o bom teste que ela realizou.

"Toda vez que a gente conversava sobre quem ia fazer Amanda, eu dizia: 'A gente vai chamar Alice, certo?'. Quando a gente a conheceu pessoalmente, vimos a sua energia e como ela se importava com o papel. Foi com certeza uma das melhores escolhas de elenco que fizemos. Alice deu ao projeto toda uma nova vida e conduziu a personagem em uma direção diferente", afirma Jacquelyn.

O fato de eles terem me escolhido como atriz, o que eu trouxe para a personagem, por causa disso ela virou brasileira. Mas isso é irrelevante para a história. Traz, claro, uma atriz brasileira, mas o fato de ela ser brasileira não está pontuado porque não importa. No fundo, é sobre que ser humano é aquele. Jacquelyn Ben-Zekry

Em "Matéria Escura", Alice vive uma psiquiatra que acompanha Jason na maior parte de sua jornada. Baseada no bestseller sci-fi homônimo de Blake Crouch, também criador da série e showrunner, "Matéria Escura" ("Dark Matter") une ficção científica e suas tantas possibilidades a um drama familiar e a questões com que todos já se depararam: como as escolhas que se faz na vida levaram ou teriam nos levado a viver diferentes realidades e futuros.

Amanda é companheira de aventuras e uma espécie de mentora de Jason, um físico e professor que vive bem com sua família em Chicago até que um dia, voltando para casa, é sequestrado e mandado para uma versão alternativa de sua própria vida. Lá encontra outra realidade e Amanda, com quem tem uma relação que não fica clara logo de início, e que o ajuda não só a entender o que aconteceu, mas também a voltar para sua família.

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Aos poucos, Jason 1 entende que é uma versão dele mesmo, o Jason 2, que o mandou para essa realidade paralela e que quer assumir o seu lugar e viver sua pacata vida em uma família que ama.

Ainda que um homem que optou pelo trabalho em detrimento da família, e que se tornou um poderoso cientista criador de um projeto revolucionário, que permite que se viaje por multiversos, Jason 2 não está feliz com a vida que construiu.

"Blake é um grande escritor de ficção científica, mas faz isso de uma forma muito conectada com as emoções dos personagens, com temas que são muito comuns a todos nós, sobre possibilidades, sobre nossas escolhas, sobre amor, família. Interpretar uma personagem que vive questões tão comuns a todos nós foi um "projeto sonho", diz Alice.

Uma de suas personagens mais marcantes é, de toda forma, uma figura tão controversa quanto apaixonante, a "Rainha do Sul", Tereza Mendoza, que, aliás, foi indicada ao prêmio Imagen Foundation Award, organização dedicada a reconhecer "retratos positivos de latinos na indústria do entretenimento".

Alice transita bem entre papéis como Tereza e Amanda e, ao lado de atores como Wagner Moura, Rodrigo Santoro e, mais recentemente, Bruna Marquezine e Gabriel Leone, vêm traçando um caminho novo em Hollywood.

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No livro, Amanda não necessariamente é latina. E como sou brasileira, o Blake quis transformá-la em brasileira e fazer esta homenagem e tem uma cena inteira em português. E foi muito bonito porque mostra essa força em Hollywood da cultura latina sem ser o estereótipo do latino que houve por muitos anos. Alice Braga

Amanda trabalha no projeto que possibilitou que as pessoas não viajassem nem para o futuro, nem para o passado, mas, sim, pelo multiverso, em que versões de si mesmas vivem vidas completamente diferentes, algumas aterrorizantes e outras comuns.

Ela é a psiquiatra que acompanha os integrantes da Velocity, a grande empresa que desenvolve o projeto de Jason e que permite as viagens multiverso adentro. Não se trata de passado ou futuro, mas superposição, ou justaposição, de vidas que correm em paralelo.

O detalhe é que para entrar em cada uma destas realidades, é preciso entrar em um portal em formato de caixa de concreto (The Box), injetar um líquido no corpo e também abrir portas, que se abrem para cada um dos mundos em um corretor infinito.

O grande detalhe é que o que vai ser encontrado depende do estado mental, emocional e psíquico de cada um ao abrir a porta. Quem desenvolve o tal líquido é o amigo de escola de Jason, Ryan Holder (Jimmi Simpson, de "Westworld").

Na Chicago de Jason 1, ele acaba de ganhar um grande prêmio, o Pavia, e está prestes a iniciar o projeto revolucionário. Já nas realidades que Jason 1 visita depois que Jason 2 o tira de seu mundo, Jimmi vive perfis muito diferentes.

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Por ora, é aproveitar os nove episódios que entram na plataforma da AppleTV+ semanalmente e torcer para Alice enveredar pelo caminho que a colombiana Sofia Vergara traçou. Depois de mais de década em "Modern Family", ela produziu e protagonizou "Griselda" (Netflix) e sinaliza que mais atrizes latinas vão contar histórias como produtoras.

"Essa representatividade em todos os lugares, tanto de nacionalidades, falando dos latinos, mas também como mulheres. Mais mulheres nos lugares de poder transformam a indústria. Acho que é sobre isso, é nesse lugar", conclui Alice, que deve voltar em breve aos sets brasileiros.

Entre os trabalhos inéditos, fez a voz de um dos ratinhos de "Arca de Noé", animação dirigida por Sergio Machado, ao lado de Marcelo Adnet e Rodrigo Santoro, que estreia em breve. Como produtora, trabalha no filme de Alex Morato (de "Os Sete Prisioneiros"), em um novo projeto de série ao lado de Andrucha Waddington, em que vai viver uma médica.

"É um sonho fazer uma médica. E também sonho em fazer uma jornalista, e estou com os direitos de uma obra de Eliane Brum. Sou apaixonada por jornalistas. Médica e jornalista é o que quero fazer. Todos meus projetos atuais estão no Brasil. Estou em momento de leitura e buscando, voltando da greve dos atores e roteiristas, que fiquei sem trabalhar, mas estou neste momento bom de reencontrar os amigos, criar e produzir. Produzir e incentivar neste momento em que a gente está voltando com a nossa cultura, depois de tanto ataque, voltando a ter editais. Isso é muito importante. Quero participar e poder criar junto."

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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