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Flavia Guerra

REPORTAGEM

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"Vou torcer para o Brasil e rezar para o Pelé se recuperar", diz Spike Lee

O cineasta Spike Lee exibiu "Malcolm X", que tem cenas rodadas em Meca, no Red Sea Film Festival, na Arábia Saudita  - Fernando Cavalcanti /Divulgação
O cineasta Spike Lee exibiu "Malcolm X", que tem cenas rodadas em Meca, no Red Sea Film Festival, na Arábia Saudita Imagem: Fernando Cavalcanti /Divulgação

Colunista do UOL

05/12/2022 15h19

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"Agora que os Estados Unidos estão fora da Copa do Mundo, vou torcer para o Brasil. E mando bênçãos para o Pelé, que está muito doente. Que ele se recupere e que volte a ter saúde. Vamos todos rezar pelo Pelé, se vocês puderem se lembrar disso antes deitarem suas cabeças no travesseiro", comentou o cineasta Spike Lee ao UOL quando questionado, durante o Red Sea Film Festival, na Arábia Saudita, no último sábado, sobre sua passagem recente pelo Brasil, ocorrida há cerca de três semanas, quando foi convidado para participar de um evento sobre inovação no Rio de Janeiro.

Spike Lee postou na tarde desta segunda uma bola autografada por Neymar em seu instagram - Reprodução - Reprodução
Spike Lee postou na tarde desta segunda uma bola autografada por Neymar em seu instagram
Imagem: Reprodução

"Eu, na verdade, queria desesperadamente que Camarões vencesse essa Copa porque os ancestrais de meu pai são de Camarões. Minha mãe tem ancestrais de Serra Leoa. Meus ancestrais foram roubados da África. Eles não eram escravos. Eles foram escravizados", declarou o cineasta durante uma conversa com a imprensa no festival de cinema Red Sea International Film Festival, que ocorre até o final desta semana em Jeddah, cidade litorânea na Arábia Saudita, onde ele exibiu o filme "Malcolm X" no fim de semana.

"Tudo para mim é sobre esportes", brincava ele, que, a cada pergunta de um jornalista, questionava de onde o profissional era e se o país ainda estava ou não competindo no Mundial, que ocorre no Qatar, país vizinho à Arábia Saudita. Pouco antes da partida desta segunda-feira contra a Coreia, Lee postou em seu instagram foto de uma bola autografada por Neymar em que se lê: "Para Spike com carinho. Um grande abraço do amigo Neymar."

De volta ao assunto Brasil, Spike completou: "Eu estive muitas vezes no Brasil. Uma das melhores vezes foi quando eu e o Michael Jackson fomos para a Bahia e no Morro Dona Marta. Michael sempre me dizia: 'Spike, a gente não está fazendo um videoclipe, a gente está fazendo um curta-metragem,um filme da música 'They Don't Really Care About Us'. Então, eu fiquei tão feliz que (Jair) Bolsonaro não venceu as eleições."

26 anos depois, Spike Lee postou em seu instagram foto de sua volta ao Morro Dona Marta, onde filmou com Michael Jackson o clipe "The Don't Really Care About Us" - Reprodução  - Reprodução
26 anos depois, Spike Lee postou em seu instagram foto de sua volta ao Morro Dona Marta, onde filmou com Michael Jackson o clipe "The Don't Really Care About Us"
Imagem: Reprodução

"E é perturbador ver isso acontecendo na Rússia, nos Estados Unidos, o episódio da Insurreição de 6 de Janeiro, com o "Agente Laranja". E agora ele está concorrendo de novo. Estas coisas acontecendo globalmente, a direita, os Estados Unidos acabaram de proibir o aborto. Coisas malucas estão acontecendo. Então, estou muito feliz que Lula venceu", acrescentou o diretor, que atualmente trabalha na série documental "Da Saga Of Colin Kaepernick", para a ESPN, sobre o jogador de futebol americano Colin Kaepernick.

Autor de filmes como "Faça a Coisa Certa" e "BlacKkKlansman", Spike participou também de uma conversa com público e exibiu no fim de semana o longa "Malcolm X" pela primeira vez na Arábia Saudita. Rodado há 30 anos, a cinebiografia do ativista norte-americano estrelada por Denzel Washington tem cenas-chave em Meca, cidade sagrada para os muçulmanos, que retratam a sua participação no Hajj, a peregrinação que todo muçulmano deve (contanto que tenha saúde e condições) fazer pelo menos uma vez na vida à Meca, considerada um dos cinco pilares do islamismo.

Denzel Washington reza em cena de "Malcolm X", dirigido por Spike Lee, que tem cenas rodadas em Meca, na Arábia Saudita - Divulgação - Divulgação
Denzel Washington reza em cena de "Malcolm X", dirigido por Spike Lee, que tem cenas rodadas em Meca, na Arábia Saudita
Imagem: Divulgação

Uma vez que somente quem segue o islamismo pode entrar na cidade, Spike teve sorte e perspicácia para conseguir autorização para filmar na cidade sagrada e, assim, ter no filme uma parte crucial da vida de Malcom. "A gente foi a primeira equipe de um filme a entrar na Cidade Sagrada com uma câmera durante o Hajj. Claro que eu contratei uma equipe de filmagem toda muçulmana. A gente queria que o filme tivesse o tom épico, tivesse a qualidade de filmes como "Lawrence da Arábia" e "Doutor Jivago". A gente sabia que tinha que, por bem ou por mal, filmar o episódio quando Malcolm fez o Hajj e se comprometeu com a verdade do Islã. Alta Corte Islâmica não concordou com a ideia por causa de mim, mas porque eles compreenderam o quão importante Malcolm X foi para o Islã. E ter este episódio no filme deu muita espiritualidade à história e o épico que a história pedia", comentou o cineasta.

Banido na Arábia Saudita por 35 anos até o final de 2017, o cinema voltou com força total no país, que tem não só investido em sua rede de exibição mas também na produção e formação de profissionais. "Exibir Malcolm X aqui fecha um ciclo muito importante. Foi muito comovente. Ang Lee, Ernest Dickerson (diretor de fotografia do filme e de diversos projetos de Lee) e eu estudamos juntos na NYU (New York University). Ele filmou todos meus filmes até 'Malcolm X'. Então, foi muito emocionante ver finalmente ver o filme aqui", declarou o cineasta, que vê nesta nova onda do cinema saudita a importância de ter suas histórias contadas por eles mesmos.

"Você não pode confiar que os outros vão contar suas histórias. Isso é básico. No começo da minha carreira, muita gente me disse que filmes de/sobre negros ("black films") não funcionam. Eles disseram que não podia existir um super-herói negro. Eles disseram que "black films" não viajam bem. Havia uma falsa narrativa. Bem, meu irmão Ryan Coogler mudou isso. "Pantera Negra" destruiu esta ideia e provou que estava completamente errada", concluiu.