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Na Bolívia, Mercado das Bruxas vende fetos de lhama e cactos alucinógenos

Em La Paz, loja do Mercado das Bruxas comercializa fetos de lhama - Getty Images
Em La Paz, loja do Mercado das Bruxas comercializa fetos de lhama Imagem: Getty Images

Marcel Vincenti

Colaboração para o UOL

29/04/2018 04h00

Construída no século 18 no estilo barroco mestiço, a igreja de San Francisco domina a paisagem da região central de La Paz, na Bolívia. Atrás deste templo cristão, porém, há estreitas vias de paralelepípedos onde o turista pode encontrar itens que remetem a alguns dos mais interessantes rituais pagãos do país andino: trata-se da área da rua Linares, onde opera o chamado "Mercado de las Brujas" (Mercado das Bruxas). 

O local é um amontoado de lojas e tendas no qual senhoras indígenas (a maioria pertencente à etnia aimará e exibindo coloridas saias e longas tranças) vendem produtos que, aos olhos de um estrangeiro, irão parecer bizarros e até assustadores. 

Na fachada dos comércios aparecem pendurados o que, à primeira vista, parecem ser brinquedos de pelúcia ou de borracha: ao chegar mais perto, entretanto, o visitante se vê frente à frente com fetos retirados de lhamas que foram sacrificadas em rituais indígenas e que, na Bolívia, são tidos por muita gente como amuletos que previnem situações de azar. 

Os fetos de lhama são considerados amuletos contra o azar por muita gente na Bolívia - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Os fetos de lhama são considerados amuletos contra o azar por muita gente na Bolívia
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Antes de começar a trabalhar em uma construção, por exemplo, pedreiros do país de Evo Morales fazem questão de enterrar um feto de lhama no terreno onde será levantada a edificação: eles acreditam que, com este gesto, acidentes serão evitados durante a obra (mesmo que o proprietário não compartilhe desta crença, ele geralmente tem que aceitar que o ritual seja realizado em seu terreno). 

Os itens oferecidos pelas lojinhas do Mercado das Bruxas, porém, não param por aí: em algumas delas é possível encontrar o cacto conhecido popularmente como San Pedro (e que pode causar efeitos alucinógenos se for ingerido por um ser humano). 

Diversas comunidades místicas de La Paz (ou também grupos de jovens em busca de uma balada maluca) comem o San Pedro (ou fazem chá com ele) em áreas rurais ou montanhosas nos arredores da cidade, durante rituais que, teoricamente, os colocam em contato espiritual com a natureza (e, muitas vezes, os fazem alucinar e ver coisas irreais, como condores coloridos). No Mercado das Bruxas, compra-se um saquinho com pó de cacto triturado por menos de R$ 20. 

No Mercado das Bruxas, o turista encontra alguns dos suvenires mais originais de La Paz - Getty Images - Getty Images
No Mercado das Bruxas, o turista encontra alguns dos suvenires mais originais de La Paz
Imagem: Getty Images

E há também opções para quem está atrás de um grande amor, como ingredientes para poções que, teoricamente, podem causar paixão em qualquer um. 

Passear pela área e ainda escutar as vendedoras indígenas conversando entre si no indecifrável idioma aimará só agrega mais fascínio a toda a experiência. 

Folha da coca

Nesta região turística de La Paz, não poderia faltar a folha de coca. Matéria-prima para a produção da cocaína, a planta tem seu cultivo, comércio e consumo legalizados na Bolívia (e é tida por muita gente, inclusive pelo atual presidente Evo Morales, como parte fundamental da cultura indígena do país andino).

A folha da coca é comercializada livremente nas ruas de La Paz - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
A folha da coca é comercializada livremente nas ruas de La Paz
Imagem: Getty Images/iStockphoto

No território boliviano, a coca é, entre outras coisas, tomada em chás, utilizada como instrumento para ler o futuro por videntes conhecidos como "yatiris" e usada no "acullico", que é o ato de armazenar diversas folhas em uma das bochechas e deixar que elas liberem seu teor dentro da boca (o que é capaz de tirar o cansaço e a fome das pessoas). 

Fachada do Museu da Coca, em La Paz - Micah MacAllen/creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0/deed.en - Micah MacAllen/creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0/deed.en
Fachada do Museu da Coca, em La Paz
Imagem: Micah MacAllen/creativecommons.org/licenses/by-sa/2.0/deed.en

Em um passeio pelos arredores da rua Linares, é possível ver estrangeiros negociando alegremente a compra de sacolinhas de coca com os vendedores locais (que também vão custar poucos reais) e recebendo aulas de como fazer o "acullico": ao enfiar as plantas na bochecha, é normal que muitos novatos sintam ânsia de vômito (e, vale lembrar, não tente trazer folhas de coca para o Brasil, onde elas são proibidas).

Para saber mais sobre este controverso insumo, vale a pena visitar o Museo de La Coca, que fica bem ao lado do Mercado das Bruxas: o museu abriga exibições bem simples, mas que explicam como a coca é consumida na Bolívia desde antes da época dos incas e como hoje ela é parte importante da economia boliviana (áreas rurais inteiras dependem do seu cultivo por lá).  

Um dos setores mais intrigantes da exposição é o que mostra a maneira pela qual é feita a produção da cocaína (e todos os elementos extremamente tóxicos que são agregados neste processo). E, ao final do passeio, os visitantes podem comprar balas feitas com a folha da coca (sim, ela também toma a forma de docinho no território boliviano). 

Paraíso dos suvenires

Além de seus itens pra lá de exóticos, o Mercado das Bruxas comercializa suvenires um pouco mais tradicionais. As lojas oferecem uma infinidade de pequenas esculturas imitando as estátuas de Tiwanaku (o mais famoso sítio arqueológico da Bolívia) e a imagem de Pachamama (a sagrada "Mãe Terra" para os indígenas locais). 

O Mercado das Bruxas também vende itens menos assustadores e mais coloridos - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
O Mercado das Bruxas também vende itens menos assustadores e mais coloridos
Imagem: Getty Images/iStockphoto

E lá também há camisas do Che Guevara (que foi morto da Bolívia em 1967), os gorrinhos andinos chamados de "chulos" e comércios especializados na venda do instrumento musical de cordas conhecido como "charango". 

E, para quem está com a grana curta, a região da rua Linares é uma ótima região para hospedagem, cheia de hostels para mochileiros e com uma localização central em La Paz.