Líbano: como é viajar a um país onde homens-bomba são idolatrados
No sul do Líbano, tal qual os produtos em promoção de um supermercado, a morte é anunciada em outdoors.
Em painéis que existem ao lado de ruas e estradas da região, aparecem os rostos de homens barbudos em trajes militares acompanhados por frases do Corão em árabe. São combatentes que perderam a vida na guerra da Síria ou em conflitos contra Israel e que, por aqui, são celebrados como mártires.
Além da homenagem em vias públicas, eles têm algo em comum: todos pertenciam ao Hezbollah ("Partido de Deus"), uma organização política armada que detém grande poder no território libanês.
Cruzo com diversas destas imagens macabras enquanto viajo entre a capital, Beirute, e o vilarejo de Habboush, a cerca de 70 quilômetros de distância.
E não estou atravessando esta região tensa à toa. Perto de Habboush, há uma das mais chocantes atrações turísticas do Líbano: um museu do Hezbollah que aborda as guerras da entidade contra Israel e que, de quebra, homenageia homens-bomba.
Tanques e metralhadoras
Viajo pelo sul do Líbano com apenas uma proteção: a camisa da Seleção Brasileira.
Além de ser capaz de despertar simpatia em gente de todos os cantos do globo, a vestimenta tem as mesmas cores do símbolo do Hezbollah: o verde e o amarelo, que, julgo eu, podem me ajudar a transitar com mais segurança neste território praticamente dominado pelo "Partido de Deus".
A tática funciona: ao chegar a Habboush, sou abordado por um senhor libanês sorridente que afirma ser fã do Ronaldinho Gaúcho e que me oferece carona até a porta do museu.
A simpatia do velhinho, entretanto, contrasta imensamente com as exposições do museu (batizado de Memorial Turístico da Resistência): o local exibe tanques de guerra israelenses destruídos, metralhadoras apontadas para o céu, fotos de soldados de Israel chorando a morte de seus companheiros e placas em homenagem a militantes mortos em conflitos (incluindo homens-bomba).
Uma excursão escolar passa alegremente no meio de todos estes destroços de guerra e, em um telão de cinema, aparece a imagem de Hassan Nasrallah, o líder supremo do Hezbollah, dizendo que sua organização não é um grupo terrorista, mas uma entidade que defende a soberania do Líbano.
Música e praia
Formado por muçulmanos xiitas, o "Partido de Deus" surgiu nos anos 1980 como uma oposição armada à presença do Exército de Israel no sul do Líbano, que ocupou a região para impedir que, de lá, fossem realizados ataques contra o território israelense.
Durante estes conflitos, o Hezbollah cresceu tanto que, hoje, tem até membros ocupando cadeiras do Parlamento libanês. Enquanto é taxada de "terrorista" pelos Estados Unidos, a organização se vende como um "movimento de resistência" libanês.
Ao deixar o museu, pego um táxi em direção à cidade de Tiro, banhada pelo mar Mediterrâneo e com um centro histórico marcado por ruínas romanas que remontam ao século 2 d.C. Ali perto, fica a cidade de Qana, onde, segundo uma versão do cristianismo, ocorreu o episódio da transmutação da água em vinho realizada por Jesus.
O passeio turístico, aqui, também tromba invariavelmente com a presença do "Partido de Deus". Fotos do símbolo do grupo (que exibe uma mão empunhando um rifle AK-47) aparecem na fachada de edifícios e, ao passear pela orla de Tiro, me deparo com o canal de televisão filiado ao Hezbollah (o Al Manar, ou "O Farol") gravando um vídeo musical, com direito a drone e crianças dançarinas.
Enquanto três músicos são filmados entoando uma canção em homenagem ao grupo de Nassan Nasrallah, o diretor do clipe vem conversar comigo. Depois de dizer que adora o Brasil, ele me mostra a foto de seu filho de 18 anos em seu celular, dizendo, orgulhosamente, que o enviou para a guerra da Síria para defender o regime de Bashar Al Assad (o Hezbollah é aliado de Assad no conflito sírio).
E ele ainda me faz o convite para uma "festa", prontamente aceito por mim.
Celebração da guerra
Dali a alguns dias iria ocorrer, no interior do sul do Líbano, um dos maiores eventos do "Partido de Deus" no ano: o aniversário da suposta vitória do grupo sobre as Forças Armadas israelenses na guerra de 2006, quando Israel invadiu o território libanês após ter dois de seus militares sequestrados pelo Hezbollah.
Junto com um amigo holandês, vou de carro até o local da celebração e, ao chegar lá, parece que somos os únicos estrangeiros na cerimônia, realizada no meio de um remoto vale chamado Wadi Al Hujair e tomada por milhares de muçulmanos xiitas.
Um telão transmite, ao vivo, de um local não identificado, um discurso do líder Hassan Nasrallah (ele não costuma aparecer de corpo presente em público pelo risco de ser assassinado por Israel), no qual afirma que "iremos destruir novamente qualquer tanque israelense que tentar invadir o Líbano".
Ao mesmo tempo, no topo das colinas que nos cercam, surgem pelo menos cem homens camuflados segurando a bandeira amarela do Hezbollah, como se estivessem marcando território.
É um ambiente tenso e recheado de agressividade, mas fico aliviado ao notar que todos meus interlocutores abrem um sorriso para mim quando eu falo de onde venho: ser turista brasileiro tem suas vantagens, mesmo em locais marcados pela guerra.
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