CAÇADA À AURORA BOREAL

Nossos repórteres encaram uma aventura na Noruega em busca do sonho de ver o espetáculo das luzes dançantes

Daniel Nunes (texto) e Marcello Cavalcanti (fotos) Colaboração para Nossa

Os termômetros marcavam -3°C quando o avião deslizou, sob neve intensa e na escuridão do inverno nórdico, no pequeno aeroporto de Tromsø. Não era o cenário mais animador, mas havíamos nos preparado psicologicamente para o pior.

Eu e o fotógrafo e cinegrafista Marcello Cavalcanti desembarcamos sabendo que essa remota cidadezinha norueguesa de nome estranho (lê-se "Trumsa") tem pouquíssimas horas de luz no inverno, entre dezembro e março, e que as temperaturas podiam despencar.

Tivemos de abrir as malas no aeroporto para pegar gorro, luvas e casacos impermeáveis para o simples traslado até o hotel. E já no ônibus grudamos as caras no vidro de olho no céu. Quem sabe já víamos a tão desejada aurora boreal logo na chegada?

A aurora boreal não é uma figurinha fácil. Ninguém sabe quando e onde ela aparece, como notaríamos ao longo da semana nas chamadas caçadas, em que se passa horas rodando centenas de quilômetros pelas altas latitudes do Círculo Polar Ártico.

E olha que estávamos na geografia ideal de Tromsø, cidade portuária com 72 mil habitantes famosa mundialmente como a região com maiores chances de observação das chamadas Luzes do Norte. Tromsø fica a 69 graus de latitude norte, "perto" dos 90 graus do Polo Norte e bem debaixo do oval da aurora, restrito ponto da Terra onde pode-se observar a olho nu, com sorte, o céu negro borrar-se de cores que se movem rapidamente no céu.

Por receber correntes marítimas do Golfo do México e estar protegida pelas montanhas na divisa com a Finlândia, Tromsø tem ainda um microclima menos frio para os visitantes.

Ainda assim, nem ali dá para ter certeza de ver a aurora - e como, onde e quando exatamente. Mas cada vez tem mais gente tentando. Nos últimos oito anos, o número de forasteiros como nós por ali, que chegam com a obsessão de ver a aurora, quintuplicou.

Mais de 200 mil turistas desembarcaram em 2018. Dizem que o turismo só chegou a Tromsø depois das redes sociais digitais, especialmente o Instagram. Dá para entender: tem selfie mais ostentação que sob as luzes fluorescentes da aurora boreal? Com selfie ou sem, o que queríamos era vê-la ao vivo, ao menos uma vez, durante a expedição.

17h30. Era essa a hora sacramentada, nos seis dias que viriam a seguir, para o nosso encontro com os guias, verdadeiros caçadores profissionais de aurora que comandariam a jornada. Estes experts aliam conhecimentos como meteorologia, geografia e fotografia noturna.

Em vans pilotadas por motoristas hábeis em pistas nevadas, eles lideram pequenos grupos de viajantes em empreitadas que podem durar de 6 até 11 horas. Foi o caso da nossa primeira tentativa, que nos levaria de volta para o hotel só às 4h30 da manhã.

"A previsão é de tempo instável para nossa caçada"

Assim nos advertiu o guia Hermann, um guatemalteco que se apaixonou por estas luzes efêmeras e há 5 anos conduz estrangeiros em Tromsø. "Por isso vamos dirigir para além da fronteira com a Finlândia, onde a previsão é de céu sem nuvens".

Em espanhol, Hermann explicou que ele - e colegas caçadores em distintos pontos da região - permanecem em contato por celular, como nos safáris de observação de animais. Os guias avaliam aplicativos e miram o céu em busca do ponto que tenha o necessário para ver a aurora: céu escuro longe das luzes urbanas, despoluído e sem nuvens.

"É preciso sorte para estar no lugar certo quando há atividades solares que gerem as luzes - algo que não se pode prever."

Depois de nos deslocarmos por 2h30, descemos da van em um campo nevado para comer algo. Ali a caçada ganhou toques de requinte. Herman montou uma fogueira em plena neve, preparou sopa de legumes e depois chocolate quente, que devoramos sentados em peles de renas - o animal típico da Lapônia, a região onde estávamos, também conhecida como a terra do Papai Noel.

Já estávamos cansados de olhar para o céu em vão quando um arco de nuvens brancas começou a se mover ao Norte, baixo no horizonte. "São elas!", avisou Hermann. Quando posicionávamos as câmeras sobre os tripés emprestados pela agência, uma surpresa: o que víamos em branco no céu aparecia verde no visor.

"As câmeras captam melhor a luz que nossos olhos"

Já estávamos voltando para a van quando uma nova explosão surgiu. E agora elas estavam um pouco verdes a olho nu! Era nossa primeira aurora.

Aquela aurora tímida e rápida, que não tinha durado mais que uns 10 minutos na primeira noite, nos deixou cheios de esperança para as madrugadas seguintes.

Na demais caçadas, mudaríamos o guia e a van, a região de exploração e as condições climáticas, mas seguiríamos na rotina puxada dos caçadores.

O primeiro desafio era o frio: para encarar horas ao ar livre a temperaturas que chegaram a 13o Celsius negativos, usávamos três calças, seis blusas, dois a três pares de meia, gorro, dois pares de luvas e até balaclava. Para quem quisesse, a agência ainda emprestava um macacão quentinho.

Difícil era lidar com o sono, que chegava arrasador em dias que não contam mais que com quatro horas de luz (pior teria sido de 21 de novembro a 20 de janeiro, quando os moradores de Tromsø não têm um minuto de sol durante a "Noite Polar"). Nosso cansaço era maior porque acordávamos cedo para aproveitar atividades como trenó de cachorros e snowmobile.

A belíssima paisagem das estrelas sobre as águas de um típico fiorde norueguês foi o cenário para jornada da segunda noite, com luzes verdes mais fortes enquanto aprendíamos sobre as constelações com nosso guia, o belga Bert.

Na terceira noite trocamos a van por um ônibus, em um passeio mais econômico, e as luzes verdes minguaram. Em compensação Marius, o performático guia lituano, contou lendas deliciosas sobre a aurora repetidas pelo povo sami, nativo da região (e que visitamos durante o dia).

É verdade que a quarta madrugada foi mais fraca das caçadas, com efêmeros feixes de luz verde que não duraram 5 minutos. Mas valeram a viagem as risadas em volta da fogueira com Elisa, a italiana caçadora-chefe, que brincava com a situação:

"A Green Lady é muito temperamental"

Naquela noite, a "Senhora Verde" do Ártico quase não saiu das trevas. Mesmo assim conseguimos algumas boas fotos. Em tempo: mesmo sem tratamento, as fotos sempre têm o verde mais florescente do que se vê ao vivo - o que não tira em nada a emoção de ver as cortinas e redemoinhos verdes em movimento frenético.

Foi a quinta noite a que enfim levou ao êxtase o grupo animado comandado pelo britânico Oli. Gritamos, nos abraçamos e alguns choraram ao comemorar as explosões de luzes mais fantásticas da expedição.

Parecia celebração de ano novo. Tivemos mais de 20 minutos ininterruptos de bailado colorido por todo o céu - e não concentrado ao Norte, como nas noites anteriores. As luzes não eram apenas as verdes, mais comuns e que refletem o encontro das partículas solares com o oxigênio do campo magnético da Terra. Por vezes vimos traços de azul, sinal da reação com o nitrogênio.

Na falta de mais olhos para mirar para pontos distintos do céu, me joguei de costas na neve e contemplei o céu mais fantástico que já vi na vida - e seu reflexo nas águas dos fiordes logo adiante.

Nossos guias repetiram que estávamos com sorte demais, que é raro ver a aurora todas as noites, que tem gente que volta sem ver nada. Pode até ser. Mas quando achávamos que a missão estava cumprida, na sexta noite, um espetáculo semelhante pintou todo o céu quando a van mal tinha deixado Tromsø. A noite foi repleta de urros, fotos incríveis e - como resistir? - das selfies com mais likes que ganhamos nos últimos tempos.

Bert

Para virar um caçador de auroras boreais

Como chegar: há voos diretos de 2 horas entre a capital Oslo e Tromsø

Quando ir: De setembro a abril, quando as noites são mais longas

Quem leva: Borealis Expedições

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