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"Baladas Malditas" retraçam crimes históricos e lendas urbanas no coração de Paris

Turista na ponte Cardeal Lustiger, em frente à catedral de Notre-Dame, em Paris - AFP
Turista na ponte Cardeal Lustiger, em frente à catedral de Notre-Dame, em Paris Imagem: AFP

23/07/2021 13h16

Crimes históricos da velha Paris, paixões incandescentes desde a época de Lutécia [como a de Abelardo e Heloísa], reis assassinados em vielas estreitas, velhos fantasmas no mais antigo restaurante de Paris, nos arredores de Notre-Dame. Estas e muitas outras histórias arrepiantes da velha Cité, no coração e origem da capital francesa, são contadas durante as "Baladas Malditas", uma das atrações do Festival de Verão de Paris em 2021.

O passeio, que dura duas horas pelas ruas da antiga Paris - ilha da Cité e Marais - traz também curiosidades como as origens de expressões como "o hábito não faz o monge" e "segurar vela". Mas a galeria de personagens não para por aí, como conta o guia Guillaume Bertrand.

"Podemos imaginar, por exemplo, quando a noite cai na velha Paris, os inúmeros mendigos que cercam Notre Dame, os quais pagamos com litros de vinho para que eles façam soar os sinos da catedral, para que os velhos padres não se machuquem. Eles se tornarão o que chamaremos de Quintal dos Milagres, ou o Reinado dos Ladrões, comandado pelo Rei da 'Tune'", conta Bertrand, relatando um dos roteiros nos arredores de Notre Dame de Paris.

A casa onde moraram os apaixonados Heloísa e Abelardo, parada obrigatória para se ouvir - e tentar visualizar - essa incrível e tumultuada história de amor do século 12 - RFI/Marcia Bechara - RFI/Marcia Bechara
A casa onde moraram os apaixonados Heloísa e Abelardo, parada obrigatória para se ouvir - e tentar visualizar - essa incrível e tumultuada história de amor do século 12
Imagem: RFI/Marcia Bechara

"'Tune' vem da gíria, uma espécie de língua criptografada usada por antigas maçonarias. Os ladrões tinham sua própria gíria para poder 'truander', ou seja, assaltar as ruas de Paris. Hoje temos na capital as ruas da Grande e da Pequena 'Truanderie'. Os 'truands' também eram os agentes do Fisco", lembra.

"Nesta balada nós nos divertimos ao rir do trágico, das execuções públicas, as fogueiras humanas, a guilhotina, os excessos da Revolução Francesa. Meu objetivo também é fazer meus contemporâneos refletirem sobre como as histórias se repetem e as semelhanças entre passado e presente", sublinha o guia certificado de 33 anos, formado em Cinema e Hipnose.

Que Sweeney Todd, que nada. Se Johnny Depp procurasse saber a origem real do barbeiro assassino, deveria procurar nos arredores do mais antigo restaurante de Paris, o "Aux Vieux Paris", de 1549, onde, justo ao lado, onde hoje é a delegacia, funcionava uma estranha loja de tortas, feitas com - pasmem - carne humana. O comércio chocou a Paris medieval e durante anos uma placa proibindo o comércio de carne humana isolava o local - RFI/Marcia Bechara - RFI/Marcia Bechara
Que Sweeney Todd, que nada. Se Johnny Depp procurasse saber a origem real do barbeiro assassino, deveria procurar nos arredores do mais antigo restaurante de Paris, o "Aux Vieux Paris", de 1549, onde, justo ao lado, onde hoje é a delegacia, funcionava uma estranha loja de tortas, feitas com - pasmem - carne humana. O comércio chocou a Paris medieval e durante anos uma placa proibindo o comércio de carne humana isolava o local
Imagem: RFI/Marcia Bechara

"Sempre gostei de contar histórias e me perguntava como criar uma experiência imersiva em Paris. As 'Baladas Malditas' nasceram há 5 anos ao cair da noite, e se destinam aos parisienses que, após o trabalho, queiram fazer uma escapada noturna no coração de sua velha Cité, porque é à noite que o mistério se revela - este é o conceito do passeio", diz.

"Recupero narrativas muito antigas que são contadas através dos séculos na capital francesa. Não invento nada, eu realmente fui beber na fonte de velhos livros, de textos obscuros de magia e compilados históricos. Meu interesse é mostrar os vestígios dessa velha Paris e como ela foi construída ao longo dos anos", afirma Bertrand.

A primeira guilhotina que o mundo teve notícia foi erguida perto da fonte da atual praça da Prefeitura de Paris, onde antigamente se reuniam multidões famintas de sangue para assistir as execuções públicas, algumas com personagens bem famosos. O local se chamava então "Place de Grèves", e uma grève, ao contrário do que se pode imaginar, era um serviço temporário para quem estava desempregado - o famoso "job", versão medieval -  RFI/Marcia Bechara -  RFI/Marcia Bechara
A primeira guilhotina que o mundo teve notícia foi erguida perto da fonte da atual praça da Prefeitura de Paris, onde antigamente se reuniam multidões famintas de sangue para assistir as execuções públicas, algumas com personagens bem famosos. O local se chamava então "Place de Grèves", e uma grève, ao contrário do que se pode imaginar, era um serviço temporário para quem estava desempregado - o famoso "job", versão medieval
Imagem: RFI/Marcia Bechara

Na famosa ilha de Saint-Louis, o guia Théo Abramovic destaca as grandes paixões ao fio dos séculos na "Balada dos Amores Malditos".

"Podemos contar, por exemplo, a história da rainha Margot, que morava bem na frente da ilha de Saint-Louis. Esposa de Henrique IV antes de ele se tornar o rei da França, e já separada dele quando o rei se instala em Paris, ela tinha uma reputação sulfurosa com suas inúmeras e tumultuadas aventuras amorosas aqui no hotel medieval de Sens, no Marais", lembra o guia, que se especializou na célebre ilhota no coração de Paris, residência de reis e artistas como Camille Claudel.

As Baladas Malditas percorrem fronteiras variadas de Paris, atravessando literalmente os antigos muros da Cité Galo-Romana, aquela que foi sitiada pelo líder viking Ragnar Lothbrok - RFI/Marcia Bechara - RFI/Marcia Bechara
As Baladas Malditas percorrem fronteiras variadas de Paris, atravessando literalmente os antigos muros da Cité Galo-Romana, aquela que foi sitiada pelo líder viking Ragnar Lothbrok
Imagem: RFI/Marcia Bechara

"E, claro, para mim que amo poesia, não posso deixar de falar de Charles Baudelaire, que se apaixonou por Jeanne Duval, sua musa, que ele apelidou de 'Vênus Negra'", destaca Abramovic. "Jeanne morava na ilha de Saint-Louis, nascida de uma família de escravos libertados, e vivia sozinha numa grande pobreza; ela se prostituía, tinha várias doenças venéreas e muitos relatos da época falam em vícios em drogas.

O próprio Baudelaire morava no Hotel de Lauzan, na ilha, onde ele fundou o famoso 'Clube dos Assassinos', que na verdade era o 'Clube do Haxixans', os fumadores de haxixe", relembra o guia, antecipando uma de suas famosas "baladas".

Guillaume Bertrand guia o grupo de parisienses em mais um roteiro "maldito" pelas ruas da velha Paris nesta quarta-feira (21) - RFI/Marcia Bechara - RFI/Marcia Bechara
Guillaume Bertrand guia o grupo de parisienses em mais um roteiro "maldito" pelas ruas da velha Paris nesta quarta-feira (21)
Imagem: RFI/Marcia Bechara

Para a chef Carole, de 45 anos, que participou das "Baladas Malditas" de Guillaume Bertrand nesta quarta-feira (21), o passeio foi recheado de "descobertas". "Sou da região parisiense, nasci aqui do lado de Paris e tem um monte de coisa sobre a capital que eu não conheço, que eu nunca havia visitado, então foi um passeio muito legal", afirma.

"A gente fica com vontade de saber mais sobre Paris, há tantas épocas, tanta coisa a aprender, a saber... Mesmo se moramos aqui e vemos os grandes monumentos, acabamos não sabendo grande coisa, porque existem milhões de pequenos detalhes que desconhecemos e são passeios como esse que nos fazem descobrir essa outra Paris", diz a francesa.

As "Baladas Malditas" de Paris ficam em cartaz no Festival de Verão da capital francesa até o fim de agosto.