Primeira-dama da gastronomia brasileira, ela foi 1ª mulher chef de cozinha

Há 45 anos, Benedita Ricardo de Oliveira era trabalhadora doméstica. Naquele ano, no entanto, a Revista Cláudia promovia um concurso culinário e ela decidiu participar. Benê, como era mais conhecida, venceu a disputa depois de enviar a receita de uma Torta de Temperos, e foi convidada para trabalhar na cozinha experimental da publicação.

Um dos eventos que a cozinheira participou foi um jantar alemão, realizado em honra de convidados importantes da época, como o então presidente militar Ernesto Geisel e o presidente da Federação do Comércio, José Papa Jr. Ambos ficaram impressionados com a qualidade da refeição e pediram para conhecer quem tinha sido a responsável.

Apresentada, Benê ganhou uma bolsa de estudos para fazer o primeiro curso de cozinheiros do Senac Águas de São Pedro, interior de São Paulo, onde era a única mulher.

Em 1981, aos 38 anos de idade tornou-se a primeira mulher formada como cozinheira pelo Senac, onde, anos mais tarde, também deu aula.

Benê faleceu em 2018 por causa de um câncer no pâncreas. Conheça a história de vida dessa pioneira da gastronomia brasileira que influenciou muitas mulheres da área.

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Primeira dama da gastronomia brasileira

Pelo pioneirismo e pela contribuição à gastronomia brasileira, Benê é conhecida como a primeira-dama da gastronomia brasileira.

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Benedita nasceu em São José do Mato Dentro, povoado de Ouro Fino, em Minas Gerais, em 1944.

Órfã aos 8 anos, aprendeu a cozinhar com a avó que era quituteira. "Lembro-me muito de minha avó, Eugênia [Ponciano], na beira do fogão, preparando os quitutes que fazia sob encomenda para as festas das pessoas abastadas da cidade", escreveu na introdução de seu livro, "Culinária da Benê: dicas e segredinho para um dia-a-dia mais prático, econômico e saboroso".

Na pesquisa para o doutorado, a cientista social Bianca Briguglio descobriu a história de Benedita. Com a tese "Lugar de mulher é na cozinha? A divisão sexual do trabalho em cozinhas profissionais", a pesquisadora também fez uma entrevista com a chef para entender sua trajetória e seu trabalho em prol da culinária no país.

Em um trecho dos áudios, Benê se diz impressionada com a repercussão do seu trabalho, além do impacto colonial em sua família.

"Nunca imaginava que fazer um simples feijão com arroz pudesse mudar a vida de uma pessoa como mudou a minha, nascida lá no meio do mato", comentou. "Peguei esse carinho da gastronomia da minha avó. Depois da Lei Áurea, meus antepassados foram registrados com nomes de italianos, né? Eu sou Benedita Ricardo, a minha avó era Eugênia Ponciana? Isso é gozado, né? Tudo nome de italiano ou alemão, o sobrenome".

'Não quero mais ser faxineira'

Na mesma entrevista, Benê lembra que, logo depois da formação no Senac, participou de uma entrevista de emprego, mas descartou a oportunidade devido à falta de respeito de quem a atendeu:

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"Cheguei lá, botei minha carteira de trabalho, os documentos que o Senac me deu, ele falou: 'Hoje você vai limpar a cozinha, tá suja. Hoje ninguém trabalha. É limpar a cozinha'. Eu falei 'É, a sua cozinha está precisando mesmo de limpeza'. Limpei a coifa, lavei a cozinha, tirei tudo de dentro da geladeira, aquela imundície? Joguei fora? Quando terminou, ele falou assim: 'A senhora está contratada'. Eu falei: 'Só que eu fiz curso de gastronomia. Eu agora quero seguir, ah, cozinheira. Não quero mais ser faxineira. Já fui muito', falei pra ele. 'Agora não quero'. 'Não, fica! Porque a gente vai?'. 'Não, não quero. Tchau! O senhor devia ter me respeitado. Mas a sua cozinha estava precisando mesmo de uma limpeza'. Eu sempre fui assim, viu?"

Pioneirismo que inspira mais mulheres

Ainda criança Benê teve que virar trabalhadora doméstica para conseguir se sustentar. Aos 17 anos foi para a Alemanha com a família que trabalhava. Por lá, aprendeu a culinária alemã e de volta ao Brasil, foi a responsável por cozinhar em eventos importantes em São Paulo.

Na cidade, foi supervisora do refeitório do Maksoud Plaza Hotel. A partir daí prestou consultorias, deu aula e comandou a cozinha do Spazio Pirandello. Depois de quatro anos no Maksoud, a chef Benê montou sua própria empresa de consultoria e buffet.

Docente do curso de pós-graduação Gastronomia: História e Cultura do Centro Universitário Senac, instituição que deu título à Benê, João Luiz Máximo atesta que: "certamente o pioneirismo de Benê Ricardo inspirou muitas mulheres, que hoje são numerosas nos cursos de gastronomia no país".

Para o especialista, um dos pontos fundamentais da história de Benê é que ela soube aliar seu aprendizado de cozinha brasileira, e alemã, como cozinheira doméstica ao aprendizado acadêmico no Senac, o que a tornou uma das principais profissionais da área e professora.

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"Até o ano de sua morte em 2018, [vítima de câncer de pâncreas] Benê Ricardo continuou a ensinar e divulgar a cozinha brasileira", acrescenta o professor. "Ela se tornou um marco da presença da mulher negra nas escolas de gastronomia e nas cozinhas profissionais, onde foi uma das precursoras".

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