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Chef-craque do Pará, Thiago Castanho rejeita 'gourmetização' da Amazônia

Thiago Castanho foi das cozinhas do Pará para a TV e internet - Divulgação
Thiago Castanho foi das cozinhas do Pará para a TV e internet Imagem: Divulgação

Carlos Eduardo Oliveira

Colaboração para Nossa

28/11/2022 04h00

É até um pouco difícil reconhecer que o cara rolando no tatame em matéria para a Globo é o mesmo que tempos atrás, aos 20 e poucos anos, e trilhando os passos do pioneiro conterrâneo, chef Paulo Martins (1946-2010), foi saudado como uma espécie de prodígio da cozinha paraense, ao (re)apresentar ao país de forma inovadora os manás da culinária do estado criador do irresistível carimbó.

Também é o mesmo cara que, adolescente, ajudava os pais no restaurante simples da família, o icônico Remanso do Peixe, ainda hoje instalado na própria casa dos Castanho, em uma tranquila vilinha residencial de Belém. Local onde aprendeu a cozinhar, literalmente dentro de casa, antes de lapidar seu talento no Senac/SP.

"Ultimamente estou mais voltado para projetos de audiovisual, e não só na TV, mas também no Instagram e no YouTube".

Sua mais nova tacada chama-se "Fome de Luta", no canal Combate. No programa, o chef une sua paixão pelo jiu-jitsu (também pratica kite surf) e pela culinária ao entrevistar nomes de expressão do octógono, que ao final de cada episódio o auxiliam a preparar suas receitas favoritas.

Thiago Castanho e Deiveson em "Fome de Luta" - Divulgação - Divulgação
Thiago Castanho e Deiveson em "Fome de Luta"
Imagem: Divulgação

O dia seguinte de "chegar lá"

Castanho despontou para o então nascente cenário gastronômico-midiático por volta de 2010. Com o reconhecimento de nomes como Alex Atala, durante anos, seu então restaurante, o Remanso do Bosque, tocado a quatro mãos com o irmão Felipe, integrou a almejada lista das cinquenta melhores mesas de toda a América Latina (o prêmio 50 Best Restaurants).

Além de premiações e dos holofotes da mídia especializada brasileira, matérias na bíblia "Forbes" e até no "New York Times", endossavam o trabalho dos irmãos — um feito e tanto para uma casa fora do eixo Rio-São Paulo. Seu grande predicado: enaltecer, de forma inventiva e autoral, as raízes, ingredientes e produtos amazônicos.

Thiago Castanho representa o Pará no Brasil e lá fora - Divulgação - Divulgação
Thiago Castanho representa o Pará no Brasil e lá fora
Imagem: Divulgação

Embora ainda orgulhe-se da façanha, o atual inventário do chef aponta prós e contras — incluindo uma imprevista "crise existencial culinária", espécie de "day after" causado, entre outras coisas, pela pressão que toda essa atenção carrega para dentro da cozinha.

Todo mundo quer ser reconhecido profissionalmente, todos querem 'chegar lá'. Mas quando você chega, logo constata: opa, não é bem esse o jogo que eu queria jogar".

Dentre os efeitos colaterais, Castanho aponta que o sucesso gerou um contrafluxo comercial. "Quanto mais prêmios você recebe, ao invés de aproximar, te distancia do público. É meio louco, mas sentimos isso. Depois do hype inicial, o restaurante 'bomba' durante um tempo. Mas aos poucos, no dia a dia, quem ainda não conhece o vê como algo caro e distante, o que no nosso caso não era verdade", alega.

Thiago Castanho defende os produtos amazônicos sem gourmetização - Divulgação - Divulgação
Thiago Castanho defende os produtos amazônicos sem gourmetização
Imagem: Divulgação

Outro ponto de distensão, ele afirma, foi a "gourmetização" banal dos produtos amazônicos: do dia para a noite, numa inversão de valores, tucupis e jambús proliferaram em cardápios de fino trato do sudeste, "colocados como um luxo, apenas para vender pratos por preços caros", afirma.

Se o Remanso do Peixe continua valendo cada segundo de uma visita, o Remanso do Bosque fechou durante a pandemia. Um futuro projeto do chef muito provavelmente passará, como ele adianta, "por locais pequenos e informais, bacanas, divertidos, de alta qualidade, sem compromisso com luxo e premiações e sem tem que bajular clientes, críticos ou mídia. Mais ou menos como o (escritor e restaurateur americano) David Chang fez".

Bourdain como influência

Até lá, Castanho segue em frente às câmeras. Missão que começou inesperadamente em 2019 ao receber convite para ancorar o programa "Cozinheiros em Ação", no GNT.

Nunca tinha feito TV, era tímido, travava. Por medo de errar, não conseguia dialogar com a câmera. Hoje, estou mais solto, me dou uma nota 8. Mas no 'Cozinheiros em Ação', um 6 já estaria de bom tamanho".

Thiago Castanho, em "Cozinheiros em Ação" - Divulgação - Divulgação
Thiago Castanho, em "Cozinheiros em Ação"
Imagem: Divulgação

A confessa admiração pelo enfant terrible Anthony Bourdain (1956-2018) e suas reportagens mundo afora é sua Meca pessoal. E de certa forma, já exercitada, e bem, durante o "Sabores da Floresta", programa gravado em 2018 para o canal Futura (e ainda reexibido).

Ao longo dos episódios, Castanho, à vontade em seu habitat, dissecava ingredientes e comidas da Amazônia, dando voz a seus principais protagonistas: ribeirinhos, pequenos produtores, cozinheiros e empreendedores locais — uma aula de Brasil que em 2023 ganha a segunda temporada, dessa vez rompendo as fronteiras do Pará rumo a outras latitudes da região Norte.

Não me levo tão a sério. Não sou o melhor apresentador do mundo nem o melhor cozinheiro do mundo. Mas aprendi que o principal quando se tem um certo lugar de fala é tentar dar voz a quem não a tem. Foi o que tentei fazer, na cozinha e fora dela, pela minha terra, que até então tinha muita pouca representação".

Thiago Castanho em "Sabores da Floresta" - Divulgação - Divulgação
Thiago Castanho em "Sabores da Floresta"
Imagem: Divulgação

E isso, vamos combinar, o rapaz conseguiu.