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Alcione e o pioneirismo feminista nas canções: "Eu gravo para as mulheres"

Bruno Calixto

Colaboração para Nossa, do Rio de Janeiro

16/05/2021 04h00

"Não tem uma mulher no Brasil que não conheça sua voz. Abençoada, um timbre diferente, a voz da mulher brasileira. Há muito tempo você já cantava sobre relações de abuso contra as mulheres".

Teresa Cristina inicia dessa forma o bate-papo com a cantora Alcione, sua convidada especial no programa "Botequim da Teresa". E completa: "Você tratava de assuntos que agora a gente está aprendendo a falar, a denunciar".

A rainha

Aos 73 anos, a Marrom é uma das mais notórias sambistas do país, recebeu as alcunhas de Rainha do Samba e Rainha do Brasil. Com mais de 30 álbuns de estúdio e nove ao vivo, vendeu ao menos oito milhões de cópias de discos pelo mundo. Não é pouca coisa.

alcione - Marcos Hermes - Marcos Hermes
Imagem: Marcos Hermes

Durante a conversa, na qual relembraram clássicos do samba, Alcione também recordou que sua primeira aparição pública como cantora diante do público foi de improviso, ainda adolescente.

"Comecei a cantar aos 15 anos pelas mãos do meu irmão Ubiratan, que sugeriu meu nome para substituir alguém na orquestra do nosso pai; era um baile que acabou virando show.", conta Marrom.

Meu pai tinha uma orquestra, O Guarani, o cantor ficou rouco, o Ubiratan sugeriu meu nome. "A Alcione vai dar conta disso?'"

Marrom continua a narrativa emendando que a primeira pessoa a apostar na minha voz foi um diplomata que morava no Maranhão, "dizia que que era diferenciada."

"No Nordeste é assim, a gente não sai se não for com uma família conhecida. Um amigo diplomata gostava de mim, meu jeito de cantar. Até hoje somos amigos."

Mangueira e Cartola, o 'xodó' da Marrom

"A Mangueira sempre exalta a MPB. O desfile de 2029 ("História pra ninar gente grande") foi o que mais me emocionou, a escola teve peito." Com estas palavras, a mangueirense fiel faz uma confissão e, mais uma vez, reforça sua íntima relação com a Verde e Rosa.

Na revista 'O Cruzeiro', eu sempre lia e via aquelas baianas da Mangueira, ainda lá no Maranhão. Quando vim para o Rio, fui convidada para conhecer a escola num sábado. Nunca mais de lá saí!"

alcione - Celso Pupo/Estadão Conteúdo - Celso Pupo/Estadão Conteúdo
Alcione foi um dos destaques da Mangueira, no desfile de 2018
Imagem: Celso Pupo/Estadão Conteúdo

A vida e obra de Alcione atravessam a Estação Primeira de Mangueira. Das festas de debutantes promovidas pela artista para meninas da comunidade na quadra da escola aos desfiles homéricos na Marquês de Sapucaí.

O último foi em 2020, antes da pandemia, no qual Marrom interpretou Maria, mãe de Jesus, tema do enredo "A verdade vos fará livre". No último carnaval presencial, a agremiação levou para a avenida uma crítica ao fundamentalismo religioso.

"Lembro de uma vez em que a Regina Casé queria mostrar as debutantes da Mangueira no 'Brasil legal'. Entrei na frente para assegurar a forma como as minhas meninas seriam retratadas na TV. 'Como é que isto vai para o ar?'", detalha Alcione, às gargalhadas.

Imagem do encontro do compositor Cartola com o fotógrafo Walter Firmo no pé do Morro da Mangueira, em 1980, no Rio de Janeiro - Walter Firmo/Divulgação - Walter Firmo/Divulgação
Imagem do encontro do compositor Cartola com o fotógrafo Walter Firmo no pé do Morro da Mangueira, em 1980, no Rio de Janeiro
Imagem: Walter Firmo/Divulgação

Antes de cantar "Que sejam bem-vindos", de Cartola, "meu xodó", Marrom também elogiou Clara Nunes, a quem carinhosamente apelidou de "Claridade".

'Claridade' era o nome do disco dela (de 1975), e comecei a chamá-la assim. Uma grande amiga. Ela tinha um repertório impecável"

Este foi o fio da meada para Teresa Cristina emendar com uma doce lembrança.

"A música do Cartola não pertence mais à Mangueira, mas ao mundo", conta. "O primeiro grande show da minha vida foi com Alcione e Emílio Santiago. No ensaio, você começou a cantar 'Que sejam bem-vindos', de Cartola, com um pulmão, 9h da manhã".

Desde o início da carreira, Marrom cantou relações de abuso.

Sua música que serviu de aconchego, sempre entendendo estas mulheres. As mulheres que a Alcione retrata a gente sempre se identifica, e sempre colocadas num lugar melhor", conclui Teresa.

Samba, série e Teresa

O "Botequim da Teresa" encerra com Alcione sua primeira temporada, mas você pode conferir todos os episódios no YouTube de Nossa (e já se inscrever no canal para receber o alerta da próxima temporada, em breve!).

O programa é uma coprodução de Nossa, MOV, a plataforma de vídeo do UOL, e da 2291 Conteúdo. Ele foi gravado em janeiro seguindo todos os cuidados necessários recomendados pelas autoridades de saúde durante a gravação do programa, como testagem dos convidados e da equipe, uso de máscara, álcool em gel e distanciamento social. Metade dos convidados foi recebida de forma presencial e a outra metade no formato remoto.