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Rafael Leick

REPORTAGEM

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Hotel em igreja de Amsterdã tem quartos-cápsula e 'voyeurismo'

Entrada do hotel em Amsterdã manteve estrutura da igreja - Divulgação
Entrada do hotel em Amsterdã manteve estrutura da igreja Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

23/05/2023 04h00

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Com as redes sociais cada dia mais presentes em nossas viagens, a escolha por acomodações e destinos cada vez mais "instagramáveis" também cresce exponencialmente. Para cada vez mais viajantes, mostrar os destinos para amigos, família e contatinhos é tão importante quanto viajar.

E um hotel em Amsterdã parece ter elevado a brincadeira a outro nível. Construído em uma antiga igreja de 1921, a St. Ritakerk, o Bunk Hotel abriu em abril de 2020 e se destaca por uma decoração nada convencional.

Logo ao passar pelas portas de vidro sob o arco de pedra histórico do edifício, hoje tombado, um tiranossauro roxo te recebe na recepção, com um urso de pelúcia na boca e com a ponta do rabo atravessando a parede (literalmente, continua do outro lado). Embaixo dele, sofás e poltronas descoladas e uma lojinha para comprar comida logo em frente.

Seguindo para dentro, ainda por entre pilares de pedra, a recepção ao lado direito oferece check-in em auto-serviço — mesmo que alguém do simpático time possa te receber também. À esquerda, um bar e pilares decorados por um artista holandês fica embaixo de uma pintura que mistura uma lagosta, uma flor e tinta espalhada. Arte pura.

Bunk - hotel em Amsterdã - Divulgação - Divulgação
Bunk usou estrutura de igreja de 1921
Imagem: Divulgação

O restaurante, com mesas compartilhadas, se divide em uma área externa e outra interna, que também tem assentos reservados para até quatro pessoas. As paredes e objetos de decoração parecem ter saído de um museu de arte moderna ou de um colecionador exótico.

Bunk - hotel em Amsterdã -  - Rafael Leick - Rafael Leick
Imagem: Rafael Leick

Além das áreas comuns do hotel, que misturam bancos da antiga igreja com escultura de animais em tamanho real e banheiros com pinturas nas paredes e emoji de berinjela ou de pêssego para indicar o gênero, ainda é possível encontrar preciosidades andando entre os quartos, como o Jesus Cristo em pedra original do altar da igreja, uma portinha branca com passarinhos de madeira e um cofre com um planetário luminoso dentro. Vale explorar.

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Imagem: Divulgação
Bunk - hotel em Amsterdã - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Os espaços comuns continuam desafiando nossa imaginação: uma ponte suspensa escondida acima da recepção, uma biblioteca com cara de sala vintage saída do cinema e, pasmem, um estúdio de gravação que é, de fato usado, por pessoas que moram na cidade e locam o espaço para podcasts ou ensaios para o tradicional festival ADE — Amsterdam Dance Event. O estúdio pode ser acessado por uma portinha ao lado da recepção (aquela mesma em que o rabo do tiranossauro roxo transpassa).

A sensação de estar em um filme surrealista não acaba, é de tirar o fôlego! Do terceiro andar, é possível ver as caixas brancas (os quartos), com pequenas janelinhas, lembrando uma vila onde você está perto de seus vizinhos. No topo delas, uma pintura de um gigantesco dragão unifica as estruturas, que são independentes. Lá embaixo, pode-se ver o átrio, onde um cavalo está entre as mesas compartilhadas.

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A estrutura interna é feita com caixas brancas onde ficam os quartos e pods
Imagem: Divulgação

Calma, respira que ainda tem mais, mesmo antes de chegarmos ao interior de um dos 106 quartos.

No subsolo, há um "bunker" — que ajuda a dar nome para o hotel - onde ocorrem aulas e workshops durante a semana e que também serve como sala de conferência. Lá, é possível encontrar um crocodilo saindo de uma parede, posando ao lado de um quadro com temática cristã, e uma grande mesa no centro.

Os elevadores, com portas pretas, têm caveiras pintadas em suas portas. Na parede das escadas, quadros com bustos embaçados do Super-Homem, Batman e Homem-Aranha completam a decoração.

Em cada andar, ao lado dos elevadores, há um espaço para lockers — armários para guardar bagagem — e vending machines, as máquinas que vendem doces, salgadinhos, água, refrigerante ou cerveja. Tudo pago à parte e com cartão, que é massivamente o meio de pagamento aceito na Holanda (se levar euros em espécie, é capaz de se frustrar, é bom avisar).

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Estrutura moderna do hotel se mistura com arquitetura da igreja
Imagem: Divulgação

Novo conceito de quarto

Com novas possibilidades e formatos de acomodação, muitas hospedagens pelo mundo têm fundido os conceitos de hotel e hostel em um mesmo produto.

Neste hotel em Amsterdã, os quartos são pequenos, estimulando o convívio nas áreas sociais, mesmo com ótimos atrativos como um chuveiro com pressão e água quente, uma cama bastante confortável e luzes de led controladas em um painel perto da porta. Vale olhar o vão embaixo da cama para ver mensagens divertidas como "guarde aqui seus segredos". O armário do time de limpeza, no corredor, segue a mesma linha: "cuidado, zumbis aqui dentro, não abra".

As janelinhas podem ficar totalmente fechadas, ou numa opção com persiana translúcida, que permite ver sombras do outro lado, ou até totalmente abertas. Tendo alguns quartos de frente um para o outro, é possível — somente para quem quiser, claro — explorar até um lado exibicionista ou voyeur. No dia que cheguei, vi pelas persianas translúcidas no quarto da frente movimentos que demonstravam pessoas tendo momentos felizes. Eu amei o conceito. Mas, claro, se isso incomodasse, era só fechar a outra persiana para bloquear a vista.

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Os pods lado a lado
Imagem: Divulgação

Entre os quartos, uma escultura com um olho pode ser interpretada nessa vibe Big Brother, de ver e ser visto. Ou, dependendo da sua perspectiva, só como um item de decoração.

Há quartos maiores, que incluem até banheira, e outros que vão mais para o conceito compartilhado de hostel. Esses seguem uma outra tendência de hospedagem, importada da Ásia: os "pods" são camas dentro de pequenas cápsulas. Algumas, como em aeroportos pelo mundo, tem portas. Essas, tem cortinas. O quarto gigante, com 52 camas para uma ou duas pessoas, têm indiscutível similaridade com os salões comunais de Hogwarts, o castelo da escola de Harry Potter.

Cada pod tem também um espaço correspondente próximo ao chão para guardar as malas e pertences mais valiosos e não necessita de cadeado pois é fechado com o cartão que hóspedes recebem ao fazer o check-in. Os pods também tem iluminação colorida de led . Apesar de ser uma área silenciosa, já que a socialização acontece mais nas áreas comuns, tapa-ouvidos individuais estão à disposição para quem tem o sono mais leve.

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A área coletiva de alimentação do Bunk
Imagem: Divulgação

Perto da área dos pods, ficam dois espaços comuns. Os banheiros para as necessidades fisiológicas, com as cabines envelopadas com arte em fotografia, o que também acontece na outra área, onde ficam as cabines dos chuveiros, que contam com banquinho de apoio para roupas e toalha, permitindo se trocar ali mesmo.

Hospedagem com ESG

Comum no mundo corporativo, o ESG - sigla em inglês que engloba os cuidados ambientais, sociais e de governança - também permeia os meios de hospedagem, especialmente na Europa, onde esse modo de pensar já está mais incorporado à rotina.

Nos quartos, há lixeira nos banheiros somente para resíduos não recicláveis - o que não inclui papel higiênico, aliás, porque ele é jogado no vaso sanitário em praticamente todo continente. O lixo reciclável deve ser jogado nas lixeiras indicadas, nos corredores e áreas comuns.

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Nesta área, uma mesa coletiva é envolta por estantes de livros
Imagem: Divulgação

Por ter essa conexão muito forte com a arte moderna, o hotel tem parceria com diversos tipos de artistas, especialmente holandeses, para sua decoração. Entre as obras mais recentes estão o dragão pintado sobre os quartos, as ilustrações nos azulejos dos banheiros comunitários, os pilares próximos ao bar e pombos desenhados nas paredes de uma área mais reservada do restaurante. O hotel ainda conta com um programa para artistas, que pode oferecer hospedagem grátis.

Com isso, há também forte apelo à comunidade LGBTQIA+, que leva bastante em conta o quão instagramável é um hotel ou hostel. Afinal, nada como um biscoito artístico conceitual para movimentar os contatinhos nas redes, né? Eu sempre faço os meus no @rafaleick.

Outra surpresa foi a divisão demográfica de hóspedes. Com um hotel como esse, é de se esperar que jovens sejam a maioria. Mas não foi o que vi durante minha visita. Muitas pessoas mais velhas se misturavam com a minha geração (por volta de 30 e 40 anos), além das pessoas mais jovens, para cumprir a expectativa inicial.

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Espere encontrar muitos leds e peças inusitadas na decoração do Bunk
Imagem: Divulgação

Isso pode tornar a hospedagem ainda mais interessante porque além de ser tão diferente e única e proporcionar socialização e interação — o bar e restaurante são movimentados, especialmente à noite — não é necessariamente um ambiente de muita festa ou de agito com gente bêbada gritando e música alta. Agrada todo mundo.

Foi a escolha ideal para minha passagem por Amsterdã. Eu viajei com minha mãe, na faixa dos 60 anos, e ela também curtiu a experiência diferente que vivemos ali, se divertindo com cada detalhe, mesmo com o que não era comum para ela. E eu teria aproveitado igualmente se tivesse ido sozinho.

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Uma das opções de quarto do Bunk
Imagem: Divulgação

O hotel fica localizado na parte norte de Amsterdã e fica perto da estação de metrô Noordpark (10 minutos caminhando) ou da parada F3 da balsa gratuita que sai 24h por dia da estação central (20 minutos caminhando). É uma oportunidade de conhecer também uma área pouco explorada da cidade.

Ali ficam o museu do cinema, Eye, e o prédio multiuso A'DAM Lookout, com deck com vista da cidade, balanço para fora do prédio, pista de dança e dois restaurantes, além do mirante. Recomendo a reserva do ingresso para o mirante junto com um jantar de duas etapas, por cerca de 80 euros. Nos meses de primavera e verão, o sol se põe mais tarde e pode te brindar com um espetáculo nas alturas durante seu jantar.