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A história do sutiã que revolucionou o esporte feminino

Jogbra, o sutiã que revolucionou o esporte feminino - Divulgação
Jogbra, o sutiã que revolucionou o esporte feminino Imagem: Divulgação

Holly Honderich - Da BBC News em Washington

12/05/2022 16h47

O recente ingresso de Lisa Lindahl e suas duas colegas inventoras no Hall Nacional da Fama dos Inventores dos Estados Unidos comprova que essa foi uma inovação importante, criada em meio a uma revolução nos esportes femininos.

No verão de 1977, Lisa Lindahl, estudante de pós-graduação da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, começou a correr, atraída pelo crescimento da prática na época. Ela corria quase 50 km toda semana.

Correr era simples. O problema era a roupa de baixo. "A única parte desconfortável era a falta de apoio adequado para os seios", recorda.

Então com 28 anos de idade, Lindahl tentou usar uma faixa de elástico e também correr sem sutiã, até acabar adotando um sutiã comum, mas um tamanho menor. A dificuldade para conseguir suporte confortável a levou a criar uma brincadeira com sua irmã: por que não existe um suporte atlético para as mulheres?

Mas a recente inclusão de Lindahl e suas duas colegas inventoras no Hall Nacional da Fama dos Inventores dos Estados Unidos comprova que o sutiã esportivo foi uma inovação importante, criada em meio a uma revolução nos esportes femininos.

Lindahl levou a ideia a sério desde o início. Ela chamou sua melhor amiga, Polly Palmer Smith, que trabalhava como figurinista do Festival de Teatro de Shakespeare de Burlington, em Vermont (Estados Unidos). A elas, uniu-se Hinda Miller, outra figurinista, que trabalhava como assistente de Smith naquela temporada.

As três mulheres montaram uma oficina na sala de estar de Lindahl para testar ajustes e tecidos. Miller chegou a criar um protótipo, e Lindahl saiu para correr com ele para testar sua firmeza e movimentos. Mas "nada estava funcionando", relembra.

Até que o marido de Lindahl desceu as escadas com o peito envolvido em suportes atléticos masculinos e apresentou às mulheres o seu "sutiã esportivo".

Para Smith, "foi o momento em que a lâmpada se acendeu". Ela costurou dois suportes atléticos masculinos e assim nasceu o primeiro protótipo do sutiã esportivo que receberia a marca Jogbra.

Quando as três mulheres conseguiram um desenho funcional —cordões cruzados e costuras no lado externo—, elas solicitaram a patente do produto e fundaram a empresa Jogbra, Inc.

Esportes para as mulheres, sem discriminação

Cinco anos antes da criação das primeiras versões do sutiã esportivo por Lindahl, Smith e Miller, o Congresso dos EUA havia aprovado uma lei que ficou conhecida como o Título 9.

Essa lei histórica sobre os direitos civis proibiu a discriminação de gênero nas escolas e em todos os programas educacionais financiados pelo governo. Como resultado, a Fundação dos Esportes Femininos calcula que hoje duas em cada cinco meninas praticam algum tipo de esporte (em 1970 era apenas uma em cada 27).

"Com o Título 9, o dinheiro ficou disponível, a infraestrutura estava ali e a expectativa, também", afirma Lindahl. "Mas as mulheres ainda não tinham a confiança e o conforto para sair a campo para praticar esportes."

O Título 9 possibilitou às mulheres praticar esportes, mas o sutiã esportivo fez com que essa prática se tornasse confortável. Hoje, o sutiã esportivo é considerado uma revolução. Ele foi responsável por trazer conforto e confiança para as mulheres atletas.

Somente no setor esportivo, é uma indústria de US$ 9 bilhões (R$ 46 bilhões) —e espera-se que este número aumente em quatro vezes até 2026. O mercado mais amplo, de lazer, é de US$ 25 bilhões (R$ 129 bilhões) e também está em franco crescimento. Mas, em 1977, durante o desenvolvimento do sutiã esportivo Jogbra, a história era diferente.

O caminho do sucesso

Jogbra, o sutiã que revolucionou o esporte feminino - Divulgação - Divulgação
Lisa Lindahl e Hinda Miller, sócias e fundadoras da Jogbra
Imagem: Divulgação

A União Atlética Amadora, o organismo que regulamentava as maratonas nos Estados Unidos na época, havia passado a permitir a participação de mulheres em corridas de longa distância havia apenas cinco anos. E levaria mais sete até que as mulheres pudessem correr mais de 400 metros nos Jogos Olímpicos, devido aos argumentos dos especialistas de que as corridas de longa distância seriam prejudiciais à saúde e à feminilidade das mulheres.

Pouco depois da criação da companhia, Smith retornou a Nova Iorque para ingressar na Jim Henson Company como estilista, deixando o controle da Jogbra com Lindahl e Miller. Com um empréstimo de US$ 5 mil (R$ 25,6 mil) do pai de Miller, as duas sócias encomendaram o primeiro lote de 720 sutiãs Jogbra e começaram a visitar as lojas de material esportivo.

Miller ressalta que o produto era um acessório esportivo e não lingerie, mas Lindahl relembra que, ao falar com os gerentes e proprietários de lojas (homens, em sua maioria), "eles riam de nós. Quase sempre, o que ouvíamos era 'não vendemos sutiãs na nossa loja'". Por isso, a dupla tentou outra abordagem e passou a procurar as assistentes dos gerentes de lojas —a maioria, mulheres— e dar uma amostra do sutiã para que elas experimentassem.

Lindahl e Miller embalaram o acessório em uma caixa preta discreta. Elas também substituíram os complexos tamanhos de bojo dos sutiãs normais, adotados nos Estados Unidos, por um sistema mais simples: pequeno, médio e grande.

E funcionou. O primeiro sutiã esportivo Jogbra chegou ao mercado em 1978, ao preço unitário de US$ 16. Elas começaram a publicar anúncios nas revistas especializadas em corridas, com Lindahl e Miller nas imagens (já que elas não tinham dinheiro para pagar pelas modelos). Seu slogan era: "nenhum sutiã esportivo feito por homens é tão bom".

Miller incluiu nos anúncios a frase "aceitamos consultas de revendedores". "Na verdade, eu não sabia o que aquilo queria dizer, mas eles começaram a ligar", começou ela, "para o telefone da minha casa", completou Lindahl, aos risos.

Lindahl e Miller venderam rapidamente o primeiro lote de sutiãs e no final do primeiro ano de negócios já tinham vendido cerca de US$ 500 mil. A empresa já dava lucros e teve crescimento rápido, cerca de 25% por ano na primeira década.

Enquanto Lindahl cuidava do marketing e das vendas, Miller estava a cargo da produção e do estoque. Elas contrataram cerca de 200 funcionários, mudaram a produção para Porto Rico e expandiram a linha dos sutiãs esportivos Jogbra para incluir o sutiã SportShape, para mulheres com seios grandes, e um sutiã top que cobria o estômago das mulheres.

Mas, enquanto a Jogbra prosperava, o relacionamento entre as sócias se deteriorava. As duas mulheres se desentendiam constantemente, e a empresa crescia entre "gritos e berros permanentes", recorda Lindahl.

No final dos anos 1980, o sucesso da marca desacelerou com o aumento da concorrência de empresas como Nike e Reebok. Elas precisariam assumir dívidas significativas para continuar no mercado, por isso preferiram vender a Jogbra, Inc. para a Playtex em 1990, por um valor não divulgado.

"Vendemos em um momento em que sentimos que tínhamos muito burnout, muitas desavenças entre a nossa equipe gerencial", diz Miller. Hoje, as antigas feridas já cicatrizaram. "Estamos na casa dos 70 anos de idade, todas vivas, e só o que podemos [fazer] é sorrir a respeito. Queríamos que o máximo de pessoas possível usasse o Jogbra e assim fizemos. Nós conseguimos", afirma Miller.

'Ei, eu fiz aquilo!'

Para as duas, foi até difícil acreditar quando souberam que seriam incluídas no Hall Nacional da Fama dos Inventores em Washington, capital dos Estados Unidos, no começo deste mês. Elas entraram para a turma junto com os criadores da dermatologia a laser, do ibuprofeno e da tecnologia de voz via internet.

"Nós simplesmente não sentíamos que éramos tão sérias. Quando vimos a lista com todos os outros inventores, pensamos 'vamos dizer a eles que inventamos [as notas adesivas] Post-it', mas os organizadores nos disseram que não poderíamos fazer isso, porque o pessoal do Post-it estaria lá", brinca Smith.

As três fundadoras afirmam que ainda se emocionam quando veem as mulheres usando sutiãs esportivos. A maioria desses acessórios ainda lembra vagamente aqueles dois suportes atléticos masculinos costurados. "É um orgulho e um prazer quando as vejo. Algo como: 'ei, eu fiz aquilo!'", afirma Smith.