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Brasil reforça superioridade na América do Sul trazendo jogadores livres no mercado

01/07/2022 14h56

São Paulo, 1 Jul 2022 (AFP) - Há algum tempo, o empresário Guilherme Momensohn recebe dos clubes uma "condição inicial" para negociar a contratação de um jogador: precisa estar livre no mercado. "Se tem contrato em vigor, não interessa", conta o agente.

Com as finanças ainda afetadas pela pandemia e devido a uma mudança de mentalidade de muitos atletas, a contratação dos chamados jogadores livres aumentou nas últimas duas temporadas em todo o mundo.

Para os times brasileiros, campeões de quatro das últimas cinco edições da Copa Libertadores, esse modelo de transferência tem sido ideal para se fortalecer em relação aos rivais sul-americanos e atrair para o futebol do Brasil estrelas mundiais que estão na reta final de suas carreira.

"Quando é um jogador livre, os clubes tendem a arriscar porque não tem de se desprender de dinheiro para fazer a transferência", diz à AFP Momensohn, que há dez anos agencia jogadores no Brasil.

No ano passado, 66,8% das transferências mundiais foram feitas com atletas livres, frente a 62,7% em 2020 e 64,3% em 2019, segundo um relatório da Fifa. A chegada de Lionel Messi ao Paris Saint-Germain sob esse modelo, em agosto de 2021, foi a operação mais conhecida.

Avaliado então em 80 milhões de euros pelo site especializado Transfermarkt, o astro argentino deixou o Barcelona sem render um centavo ao clube catalão pela transferência.

Na atual janela, o alemão Antonio Rüdiger fez o mesmo ao trocar o Chelsea pelo Real Madrid e o francês Paul Pogba deverá fazer o mesmo com o Manchester United para assinar com a Juventus.

- Todos ganham -O crescimento desse tipo de contratação no Brasil pode ser evidenciado nos seis times que disputam as oitavas de final da Libertadores deste ano: Atlético Mineiro, Athletico Paranaense, Corinthians, Flamengo, Fortaleza e Palmeiras.

Entre 2018 e 2019, antes da pandemia, 26,7% dos 112 jogadores contratados por esses clubes não estavam sob contrato. Em 2021 e 2022, os jogadores livres representaram 40% dos 75 reforços, segundo dados do Transfermarkt até o dia 27 de junho.

Nesse período chegaram jogadores de Copa do Mundo como Willian, Paulinho, Renato Augusto, Hulk, David Luiz, o uruguaio Diego Godín, o brasileiro naturalizado espanhol Diego Costa, o chileno Mauricio Isla e recentemente o volante Fernandinho.

"O clube consegue reforço, o atleta consegue continuar jogando numa competição que ele conhece e num clube de alto nível. É uma combinação que agrada todo mundo", explica Cesar Grafietti, sócio da consultora Convocados, especializada investimentos no futebol.

Para os especialistas, esses veteranos migram ou retornam ao Brasil porque, depois de saírem do mercado de alto nível na Europa, veem no país uma chance de receber salários altos em relação à média local, com a possibilidade de viver em cidades atrativas e se aposentar em times com os quais têm vínculos afetivos.

"Para os jogadores o assunto passa mais por poder decidir seu futuro do que simplesmente pela questão financeira. Se estão 'presos' a um clube, sempre terão que perguntar a um terceiro sobre qual decisão podem tomar. Se estão livres, a decisão é deles", aponta Momensohn.

O volante Fernandinho, de 37 anos, disse que seu retorno ao Athletico Paranaaense, onde começou sua carreira, era um "desejo pessoal".

"A decisão mais sensata foi voltar para casa", disse o jogador em sua apresentação ao 'Furacão' na última segunda-feira, após uma passagem quase dez anos pelo Manchester City.

- Efeito paradoxo -Embora boa parte das estrelas que chegam livres a um time brasileiro esteja perto de se aposentar, a dinâmica inclui todo tipo de jogador, entre eles jovens promissores de outros países sul-americanos.

Em algumas ocasiões, essas promessas - e também as brasileiras - negociam com seu clube de origem a ruptura antecipada do contrato em troca do direito a receber uma porcentagem em uma venda futura.

"Com a diferença financeira entre clubes do Brasil e o resto da América do Sul, ficou mais claro que os agentes preferem fazer a transferência primeiro para o futebol brasileiro para depois buscar a transferência para o futebol europeu", afirma Grafietti.

Mas o modelo tem um efeito paradoxo: assim como os brasileiros se beneficiam de seu poderio econômico na América do Sul, a Europa leva vantagem para adquirir um jogador do Brasil.

"Ao se encherem de atletas veteranos que voltam da Europa, os jovens da base têm menos espaço nos clubes. Muitas vezes será mais interessante para eles esperar o fim do contrato e em seguida se transferirem com 21 ou 22 para a Europa do que renovar e depender da vontade de algum clube de vendê-lo mais adiante", explica Grafietti.

O desafio para evitar a fuga de talentos sem custos, segundo Momensohn, é estabelecer maiores salários, contratos longos, cláusulas de rescisão altas e saber quando vender. Embora quando aparece uma 'joia', os europeus, como sempre, não hesitam em pagar a multa.

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