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Galvão fora da Globo teve título do São Paulo e propaganda de filme erótico

Galvão Bueno em entrevista ao programa "Imprensa na TV", da Rede OM, em 30 de março de 1992 - Reprodução
Galvão Bueno em entrevista ao programa "Imprensa na TV", da Rede OM, em 30 de março de 1992 Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo

25/03/2022 04h00

Um dos maiores narradores esportivos do Brasil, Galvão Bueno anunciou, ontem, (24) que a Copa do Mundo do Qatar, no final do ano, será sua última transmissão na Globo. O anúncio pegou muita gente de surpresa, afinal são 41 anos na emissora carioca.

Essas quatro décadas, no entanto, não foram ininterruptas. Em 1992, Bueno, atualmente com 71 anos, se aventurou fora da Globo, na paranaense Rede OM. Na parceira da TV Gazeta, ele narrou o primeiro título da Libertadores do São Paulo, em cima do Newell's Old Boys.

Mas a passagem também teve fato curioso. Durante a transmissão do segundo jogo da final, Galvão Bueno anunciou a exibição do polêmico filme "Calígula - O Império da Orgia", que exibia cenas de sexo explícito e violência, e foi censurado pela Justiça.

Como Galvão saiu da Globo?

A saída de Galvão da Globo, em 1992, é até hoje uma passagem inexplicável em sua carreira. Se atualmente, ele é nome incontestável dentro da emissora, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, o cenário era bem diferente. Ele convivia com críticas por causa seu estilo e havia até mesmo resistência ao nome dele dentro da Globo.

Na Copa de 1986, no México, a Globo resolveu apostar em Osmar Santos como narrador principal. Galvão só conseguiu ampliar seu espaço no Mundial seguinte, narrando as partidas da seleção brasileira, mas ainda sob críticas.

Nesta época já havia sinais de que a relação entre o profissional e a emissora estava se deteriorando. Em 30 de junho de 1991, o jornal Folha de S. Paulo noticiou que Galvão Bueno teria de, provisoriamente, virar repórter da Fórmula 1 nos noticiários globais porque Ayrton Senna e Reginaldo Leme haviam se desentendido. A mudança de função gerou desconforto no jornalismo da casa e, internamente, Galvão "já está ficando famoso como assessor de imprensa informal de Senna", relatou a publicação.

Foi neste cenário que surgiu a proposta da Rede OM. De propriedade do político e empresário José Carlos Martinez (1948-2003), a emissora era apenas uma rede local no Paraná. Mas no final de 1991, conseguiu autorização para transmitir seu sinal para todo o Brasil e fechou acordo operacional com a TV Gazeta. A parceria previa que a emissora paulista produziria seu conteúdo durante o dia, mas o horário nobre - das 18h à 00h - seria de responsabilidade da OM.

Com investimento de US$ 30 milhões, o empresário queria transformar o canal em uma emissora de relevância nacional. E o caminho para isso passava por Galvão Bueno, que foi convidado para ser sócio na área de esportes da empresa. A parceria previa a divisão de lucros e custos dos anúncios em esportes entre as duas partes. Galvão, como espécie de diretor de esportes da TV, era responsável por produção, operação e direitos de transmissões das competições.

Cartada com a Libertadores

Dentro da nova configuração, a principal cartada do diretor de Esportes foi conseguir o direito exclusivo para a transmissão da Libertadores, que na época ainda não era uma obsessão dos times brasileiros. No país, a competição só mudou de status a partir do primeiro título do São Paulo.

"Nós precisávamos de um evento que desse o 'start' para essa nova fase, e a Libertadores tava aí, dando sopa. E acho que entramos com sorte, porque o São Paulo e o Criciúma, os clubes brasileiros, vão se classificar para a segunda fase", disse Galvão Bueno, em entrevista a um programa da casa.

Com a parceria, Galvão provou ser um aglutinador de audiência, elevando os índices da emissora. "Eu tenho muito orgulho [porque as], duas maiores audiências da história da rede Globo têm a minha voz. Foram dois jogos de Copa do Mundo narrados por mim. E as duas maiores audiências da história da Gazeta, inteiramente fora da curva, foram os dois jogos das finais da Libertadores de 92: São Paulo e Newell's Old Boys", disse Galvão em entrevista a um programa comemorativo da emissora paulista.

Jogo com anúncio de filme polêmico

Cena do filme Calígula - O Império da Orgia, de 1979 - Reprodução - Reprodução
Cena do filme Calígula - O Império da Orgia, de 1979
Imagem: Reprodução

E ao longo do jogo de maior audiência da história da emissora, a partida da final da Libertadores, Galvão Bueno anunciava a exibição do filme "Calígula - O Império da Orgia" na rede OM. O polêmico filme, de 1979, fazia parte do pacote de produções antigas adquiridas pela emissora a até então inéditas no Brasil.

O longa, de Tinto Brass, gira em torno da ascensão e queda do imperador romano Gaius Caesar Germanicus, mais conhecido como Calígula, e contava com Malcolm Mcdowell, de Laranja Mecânica, em seu elenco. Com classificação etária acima de 18 anos, o filme com cenas de sexo explícito e violências, causou resistência de grupos religiosos e conservadores da época.

A ideia da rede OM era fatiar a transmissão em duas partes, com exibições para 18 e 19 de junho (feriado de Corpus Christi), a partir das 23 horas. Mas o filme a Justiça de Santa Catarina proibiu a exibição da película no Estado para atender os conservadores.

No meio dessa polêmica coube a Galvão Bueno, em dobradinha com a repórter Leonor Correia, irmã de Fausto Silva, anunciar que o "Calígula foi liberado". Em uma entrada ao vivo, a jornalista mostrou um um ator vestido como Calígula abrindo um portão de metal e cumprimentando o homem que Leonor chama de "advogado".

"Vamos dizer que o nosso atleta vai ser submetido a um exame de corpo de delito, mas posso dizer que ele vai ser liberado sem cortes", anunciou o "advogado".

Após mais algumas brincadeiras, Leonor devolve a transmissão para Galvão que responde: "Quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece. Tem que aparecer a Leonor Correia. Mas é verdade, falando sério, o Calígula - O Império da Orgia nesta sexta e sábado, às 11 da noite, porque respeitando o feriado religioso de Corpus Christi, a Rede OM confirma a exibição de Calígula para esta sexta-feira e para este sábado, as duas partes às 11h da noite. E olha, não perca, hein".

A exibição do filme foi anunciada em outros momentos do jogo, mas o fato é que a emissora não conseguiu transmitir a produção inteira. A primeira parte chegou a alcançar 16 pontos de audiência, mas a Justiça proibiu a exibição do restante da película.

Fim da parceria

Galvão Bueno em entrevista ao programa "Imprensa na TV", da Rede OM, em 30 de março de 1992 - Reprodução - Reprodução
Galvão Bueno em entrevista ao programa "Imprensa na TV", da Rede OM, em 30 de março de 1992
Imagem: Reprodução

O afastamento de Galvão da Globo durou apenas dez meses, até janeiro de 1993. Ao deixar a OM, ele acusou a emissora de não cumprir promessas e não lhe pagar.

"Fiquei na OM dez meses e saí porque houve uma quebra de confiança. Eles não cumpriram o prometido, a dívida que contraíram comigo se acumulou e eu não sentia mais nenhuma honestidade por parte deles. Não me pagavam o que me deviam, os cheques sem fundo se acumulavam, não tinha mais nenhuma possibilidade de continuar lá", disse Galvão Bueno em entrevista ao Jornal do Brasil, em 13 de março de 1993.

Na biografia "Fala, Galvão", lançada em 2015, o narrador explicou como encerrou o vínculo com a emissora. "Martinez estava em grandes dificuldades financeiras, não conseguia mais pagar todas as contas e chegamos a um acordo para encerrar nossa parceria".

A Rede OM foi extinta em 22 de maio de 1993, dando lugar à CNT, que está no ar até hoje. Já Galvão Bueno, embora tenha recebido propostas de outras emissoras, decidiu voltar à Globo, na qual havia chegado pela primeira vez no início dos anos 80.

Na emissora carioca, Galvão Bueno narrou dez Olimpíadas e dez Copas do Mundo. Na Fórmula 1, deu voz aos dois títulos mundiais de Nelson Piquet, em 1983 e 1987, e aos três campeonatos de Ayrton Senna, em 1988, 1990 e 1991. Ontem (24), na vitória da seleção brasileira contra o Chile, pelas Eliminatórias, Galvão fez sua última transmissão em TV aberta no Maracanã, conforme ele mesmo anunciou.