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E(L!)eições 2018 - Guilherme Boulos: 'É preciso abrir a caixa-preta da CBF'

27/09/2018 07h00

O paulista Guilherme Boulos é um forte crítico do panorama esportivo do Brasil. Ele aponta a necessidade de o país popularizar o acesso ao esporte, tanto na prática de exercícios quanto na ocupação de estádios e arenas. Candidato à Presidência pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o historiador vê o país longe de desenvolver plenamente seu potencial no setor.

Na quarta entrevista da série do LANCE! com os postulantes ao Planalto, o político disse que, se eleito, será preciso "abrir a caixa-preta" da CBF e retirar o Estado de esquemas de cartolagem com os clubes.

A publicação das entrevistas é feita em ordem alfabética. A próxima será com Henrique Meirelles, do MDB.

LANCE!: Quais são os seus planos para desenvolver o esporte no Brasil, tanto de base quanto de alto rendimento?

Guilherme Boulos: Hoje, mais da metade do orçamento da União destinado ao esporte é gasto em renúncias fiscais e desonerações a empresas, clubes, federações e comitês. O Estado submete sua política esportiva aos interesses privados, que acabam decidindo onde e em quê se investe. Isso faz com que os programas alcancem apenas 5% dos praticantes de esporte do país, deixando 95% sem nada.

Em nosso governo, não vamos mais transferir recursos dos cofres públicos para grupos privados e sim investir diretamente em programas e equipamentos para a população, garantindo o direito de acesso ao lazer e ao esporte como previsto na Constituição.

Para isso, vamos investir em diversos pontos. Um deles, construir, revitalizar e requalificar equipamentos públicos de esporte e lazer, que além de insuficientes, estão sucateados. Também, programas esportivos com fins educacionais gratuitos e dentro das escolas, além de políticas específicas para mulheres, população LGBTI, terceira idade, indígenas e pessoas com necessidades especiais.

A verdade é que o esporte de alto rendimento e os nossos atletas não podem continuar à mercê de investimentos pontuais e ocasionais. Daí surge a necessidade de criar um programa nacional de desenvolvimento esportivo, abraçando as esferas municipal e estadual e que prevê metas de médio e longo prazo com a ampliação do Bolsa Atleta.

A edição da Medida Provisória 846 assegurou aumento dos recursos das loterias para o esporte após uma grande mobilização do setor, insatisfeito com os cortes que a MP 841 causaria, devido ao plano do governo federal de priorizar a segurança pública. Se eleito, o senhor pretende mexer na distribuição dessas verbas destinadas ao esporte? Se sim, de que formas?

A questão que se coloca nesse caso não pode ser analisada separada de um projeto nacional para o esporte no Brasil. Os recursos provenientes das loterias devem ser investidos em programas de excelência esportiva e de esporte e lazer para a população e não para socorrer gestões desastrosas de clubes e entidades, como acontece hoje.

O recebimento de recursos de fontes extra-orçamentárias deve estar vinculado a contrapartidas sociais. Vamos criar o programa de ingressos sociais para que os estádios voltem a ficar acessíveis à população. Nos últimos 10 anos, o valor médio da entrada subiu 300%.

Também está no plano desenvolver programas inclusivos nos equipamentos

públicos para todas as faixas etárias, com especial atenção à mulheres, terceira idade, população LGBTI, pessoas com necessidades especiais.

Em tempos de recessão econômica, como é possível evitar que o país caia em um declínio esportivo? Pretende manter o padrão brasileiro atual de investimentos no esporte?

A realidade é que o potencial esportivo brasileiro nunca se desenvolveu em sua plenitude. Com exceção do futebol, nossas conquistas são pontuais e conjunturais. Os atletas e treinadores sabem dessa dura realidade. Até hoje, não existe uma política nacional de esporte e lazer estruturada.

O Estado permitiu que o setor privado definisse a prioridade da promoção esportiva e tudo isso sem controle ou participação alguma da sociedade. É muito semelhante ao que vemos na saúde, na educação: gasta-se mais com renúncias fiscais e desonerações para salvar empresas, clubes e federações, e privilegia-se fontes extra-orçamentárias, como patrocínios de estatais e repasses sobre recursos da loteria.

Nós queremos mudar esse padrão e fazer com que o dinheiro seja investido em programas de médio e longo prazo para esportes de alto rendimento, mas também em equipamentos públicos esportivos e de lazer para a população. Se mais brasileiros tiverem acesso ao esporte, formaremos mais atletas.

Uma proposta é concentrar a renúncia fiscal em projetos que sejam do interesse da sociedade e não de patrocinadores e dirigentes, destinando recursos extra-orçamentários de empresas estatais para a garantia do esporte e lazer como direito e para a iniciação e a excelência esportiva. Vamos constituir também um fundo público para esporte e lazer, descentralizado e com acompanhamento da sociedade civil, através da inclusão em

práticas de orçamento participativo para a utilização dos recursos.

A CBF esteve envolvida nos últimos anos em uma série de escândalos de gestão. Ex-dirigentes já foram banidos do futebol e até presos. Que avaliação faz da atual diretoria? O governo deve intervir na gestão do futebol e da entidade? Se sim, de que forma?

É preciso auditar as contas da CBF e abrir a caixa-preta da instituição. As trajetórias de seus últimos presidentes mostram um padrão de denúncias por corrupção, improbidade administrativa e lavagem de dinheiro, além de de relações diretas com o período da ditadura militar.

Não dá para ficar assim. O Estado não pode participar dessa política de cartolagem entre clubes e CBF com os mesmos de sempre. Vamos estabelecer instrumentos para fomentar a democratização dos clubes, federações e CBF, criando condições para que os torcedores também participem do jogo decisório.

O que acha da atuação do Ministério do Esporte? Pretende manter o investimento em planos de incentivo direto aos atletas, como o Bolsa Atleta?

Vamos transformar o Ministério do Esporte em Ministério do Esporte e Lazer para fazer valer o que está em nossa Constituição: o direito universal de acesso ao esporte e lazer. Hoje, nossa política nacional se tornou espaço de manutenção de privilégios com ingerência dos grandes cartolas do esporte.

Em nosso governo, vamos criar instrumentos de debate e formulação de políticas públicas para que o povo tenha voz. O caminho também passa por democratizar e fortalecer o Conselho Nacional de Esporte, com maior representatividade da sociedade com cunho consultivo e deliberativo. É necessário estabelecer mecanismos de monitoramento e avaliação das Políticas de Esporte e Lazer, garantindo transparência e controle social.

Finalmente, precisamos fomentar a constituição de Conselhos Comunitários para a gestão dos equipamentos públicos de esporte e lazer construídos, revitalizados e qualificados nas cidades. Além de outras medidas de controle e transparência.

Quanto ao Bolsa Atleta, entendemos que os investimentos no esporte de alto rendimento não podem se concentrar em subsídios e renúncias fiscais aos clubes e federações de futebol. O apoio direto a atletas não pode ser ocasional e pontual, mas vinculado a um programa nacional de desenvolvimento esportivo, englobando diversas modalidades e planos de curto, médio e longo prazo.

Em um eventual governo seu, o Ministério do Esporte ficará a cargo de uma

pessoa com forte conhecimento sobre o assunto ou utilizada em barganha?

Nossa candidatura tem o compromisso de acabar com o balcão de negócios que virou a política institucional brasileira. Troca-se cargos por votos no Congresso e financiamento de campanha por políticas. Nosso governo será pautado por propostas e ideais, construídas com a participação da sociedade por meio de referendos, plebiscitos e conselhos.

Em lugar de barganha política, vamos estabelecer uma estrutura participativa e colaborativa de proposição de projetos que permita ao Ministério ser municiado por diagnósticos permanentes de esporte e lazer em âmbitos nacional, estadual e municipal e democratizar o Conselho Nacional de Esporte com maior representatividade da sociedade com cunho consultivo e deliberativo.

LO governo federal é responsável pela gestão de boa parte das instalações

utilizadas nos Jogos Rio-2016, por meio da Autoridade de Governança do Legado Olímpico (AGLO). Como pretende administrá-las e que medidas tomará para que a população e os atletas do país usufruam do legado do megaevento? A AGLO será mantida caso seja eleito?

Os megaeventos foram construídos com muita violação de direitos. Além de excluída do processo, a população viu recursos dos cofres públicos sendo escoados para empresas privadas em obras milionárias que não atendem às suas necessidades. O maior legado que podemos deixar é inverter tudo aquilo que foi feito na Copa e Olimpíadas com a tomada desses equipamentos para uso popular.

Assim, esses espaços serão utilizados em projetos de esporte e lazer para a população de forma geral além de programas para práticas de alto rendimento. Também vamos democratizar sua gestão com a instalação de conselhos comunitários que possam deliberar sobre sua utilização.

Quais são seus planos para evitar que o legado da Copa do Mundo de 2014 seja abandonado?

O legado da Copa de 2014 é nefasto. Além da derrota nos campos, o processo de arenização de nossos estádios não significou apenas desperdício de recursos públicos e sua transferência para grandes empresas, mas também ingressos mais caros que excluem setores populares do futebol.

O que de melhor se pode fazer com o legado da Copa de 2014 é repensar o futebol brasileiro em suas estruturas e reverter seus equívocos. Nossas principais medidas são:

- Fomentar o processo de democratização dos clubes, federações e da CBF;

- Exigir a cota de ingressos sociais para todos os clubes que se beneficiam de recursos públicos e renúncias fiscais.

- Promover a discussão sobre a reforma do calendário do futebol brasileiro e da organização de seus campeonatos estaduais, regionais e nacionais;

- Criar a Lei Prata da Casa: uma taxa decrescente (a ser definida) para as transferências internacionais de jogadores até 23 anos, forma legal para interferir no êxodo dos jovens atletas e proteger os clubes de formação, garantindo maior qualidade técnica para o futebol disputado no país.

- Revisar o Estatuto do Torcedor, para reverter a criminalização dos torcedores, coibir manifestações preconceituosas racistas, homofóbicas, regionais e sexistas e garantir os horários de realização das partidas adequados aos interesses dos setores populares;

- Defender a regulamentação da negociação coletiva e centralizada da venda dos direitos de transmissão televisiva e da distribuição dos pagamentos.

O governo brasileiro vem "socorrendo" clubes financeiramente em medidas como o Profut. O que acha do programa? O seu governo dar suporte aos clubes do país? De que formas?

O refinanciamento das dívidas dos clubes permitiu a captação de recursos para a fomentação das categorias de base por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, de patrocínio de empresas estatais e também de legislação específica de refinanciamento das dívidas.

No entanto, a sociedade não recebe contrapartida dessas ações. Aliás, as mudanças requeridas pelo PROFUT, de democratização da gestão e mais transparência e eficiência nas contas dos clubes são constantemente burladas e tornaram-se objeto de questionamentos jurídicos.

Nosso programa pretende redefinir os gastos tributários, com a diminuição progressiva do volume de recursos que não transitam pelo orçamento, inclusive a Lei de Incentivo do Esporte e concentrar a renúncia fiscal em projetos do interesse da sociedade e não dos interesses de patrocinadores e dirigentes dos clubes.

A partir de 2019, clubes que não tiverem um plantel de futebol feminino não

poderão disputar a Libertadores. Acha que essa medida é um incentivo eficaz para o desenvolvimento da modalidade no país? Em um eventual governo seu, os esportes olímpicos e o futebol feminino terão alguma atenção?

?Apesar de provocar algum efeito, essa ainda é uma medida paliativa. O futebol feminino não pode ser incentivado como uma compensação vinculada ao futebol masculino. Muito pelo contrário: o Estado precisa fornecer apoio institucional e incentivos a essa prática que permanece relegada e cercada de proibições e preconceitos.

Nosso programa prevê a criação de centros de formação e treinamento específicos para o futebol feminino em equipamentos públicos, como por exemplo o Pacaembu, que vão funcionar também como praça esportiva para seus torneios.

Além disso, os programas públicos de esporte e lazer terão como meta e preocupação a inclusão de mulheres e da população LGBTI para, não apenas incentivar a prática esportiva entre esses grupos, como também reverter práticas de opressão tão presentes nos esportes.

Tanto os esportes olímpicos quanto os paraolímpicos devem ter incentivo especial vinculados a programas e projetos desenvolvidos por uma Política Nacional de Esporte e Lazer estabelecidos no interior do Sistema Nacional de Esporte e Lazer.

QUEM É ELE

Nome completo: Guilherme Castro Boulos (PSOL)

Vice: Sônia Guajajara (PSOL)

Data de nascimento: 19/06/1982 - São Paulo (SP)

Coligação: Sem Medo de Mudar o Brasil: PSOL - PCB

Ocupação declarada: Historiador

Valor em bens declarados: R$ 15.416,00

NO ESPORTE

Time de coração: Corinthians

Ídolo no esporte: Sócrates