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Golpe e um ano sem receber: a história de um jogador nigeriano no Brasil

Ifeka Johnson Chukwunonso, jogador nigeriano do Parintins-AM - Reprodução/Instagram
Ifeka Johnson Chukwunonso, jogador nigeriano do Parintins-AM Imagem: Reprodução/Instagram

Do UOL, em São Paulo

10/02/2023 04h00

Ifeka Johnson Chukwunonso, de 22 anos, já viveu de tudo no futebol brasileiro e contou sua história ao UOL.

Ele chegou ao Brasil em 2019, após mandar mensagens a um empresário pelas redes sociais. Foi passado para trás por agentes, porque não sabia falar português, então aprendeu o idioma na marra.

Ficou mais de um ano sem receber, mesmo jogando no sub-20 e no profissional de um clube do DF. Atualmente joga o Campeonato Amazonense como lateral-esquerdo do Parintins FC.

Ifeka é um jovem forte, esperançoso e com um hábito inabalável de ver o lado bom das coisas. Na entrevista, falou de peito aberto dos momentos mais difíceis que viveu no Brasil, mas mesmo de olhos cheios de lágrima não deixou de sorrir.

Quando a resposta era triste, ele interrompia logo com uma frase otimista. "Hoje está muito melhor", repetiu algumas vezes. Sempre em português, idioma que hoje ele domina quase completamente. Na conversa toda, só esqueceu uma palavra. "Como diz 600 mesmo? Ah, sim, seiscentos."

Cheguei aqui sem falar nada de português. Ficava sozinho, sem entender nada do que acontecia. Fiquei um ano no clube e não me pagaram. Na mente deles, eu não sou brasileiro e eles poderiam fazer o que quisessem comigo."
Ifeka Johnson, sobre a pior experiência que teve jogando no Brasil.

O começo no Brasil

Ifeka nasceu e foi criado na região de Anambra, no sudoeste da Nigéria — a mesma da escritora Chimamanda Adichie. Cresceu sonhando com o futebol e começou a jogar, mas não viu futuro se ficasse no país. "Lá não é nada fácil: tem que jogar e trabalhar com outra coisa para conseguir se sustentar", explica.

A solução foi disparar mensagens para empresários nas redes sociais. Viu um agente brasileiro no Facebook, mandou vídeos jogando e pediu para conseguir um time. Dito e feito. Mudou-se para o Brasil em 2019 e começou pelo sub-20 do Vocem, da cidade de Assis, no interior paulista. Da relação com este empresário é que surgiram os primeiros problemas.

"Ele pediu 500 dólares para tirar meus documentos no Brasil. Ficava me pedindo dinheiro, pedindo para minha família mandar mais dinheiro. Aí fui embora, morar com um amigo em Marília-SP. Outro homem pediu 3 mil reais para fazer esta documentação e me arrumar um novo time, mas não tive como", conta Ifeka. Ele foi ajudado pela família de um ex-companheiro e hoje tem toda a burocracia em ordem.

Jogando sem receber

Nas andanças pelo futebol do interior do Brasil, Ifeka foi parar na segunda divisão do Distrito Federal. Jogava mais do que descansava, escalado no time sub-20 e também no principal. Foi assim por mais de um ano, mas nunca recebia o salário.

"Pagavam 40 reais por semana, mas não para mim. Uma hora perguntei o que estava acontecendo e disseram que só receberia quando o time ganhasse. Foi assim, muita coisa aconteceu. Eu precisava ficar pedindo para minha família mandar dinheiro da Nigéria", recorda. Nem assim quis desistir e voltar a seu país, queria fazer dar certo.

Muita gente me disse para entrar na Justiça, mas não sei. Já passou. Ninguém nunca mais vai fazer isso comigo. Ninguém vai me pressionar, porque agora aprendi. Eles vão pagar pelo que fizeram. Pode demorar, mas vão pagar. Vão ter que se acertar com Deus."
Ifeka Johnson

Volta por cima fez tudo valer a pena

Ifeka Johnson Chukwunonso, lateral nigeriano que joga no Campeonato Amazonense - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Lateral nigeriano corre atrás do sonho no Brasil e sonha com reunião com a família
Imagem: Reprodução/Instagram

Em 2021 Ifeka foi contratado pelo Rio Branco-AC e recebido muito bem. Ficou semanas sem jogar, "me chamaram para respirar, comer bem e cuidar da cabeça", diz. Quando treinou com o time, o técnico gostou. Resultado: foi campeão acreano com o clube e jogou a Série D.

"O que eles fizeram para mim, eu não acredito. O contrato acabaria nos três meses, mas mesmo depois que acabou continuaram a me pagar [uma ajuda de custo]", diz. Ele ainda passou pela segunda divisão paraense antes de chegar ao Parintins FC, e neste ano entrou em campo em todas as três primeiras rodadas do Amazonense.

No Brasil, Ifeka compensa a distância da família com os amigos que faz no futebol. "Sinto muita falta, mas antes era pior. Agora falo a língua. O melhor seria eles virem para cá, aqui tem mais oportunidades. Tem que pensar muito, sim, mas tenho isso na minha mente: um dia eles vêm."

A pedido dele, este texto omite o nome do clube do DF que até hoje não o pagou e também dos empresários que tentaram lhe cobrar para tirar a documentação de imigrante no Brasil.

Ficar aqui valeu muito a pena. Hoje consigo ajudar minha família na Nigéria, não com muito, mas um pouco consigo. São coisas da vida, a gente perde pra depois ganhar."
Ifeka Johnson