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Fim do mito: Argentina é seleção estrangeira de que o brasileiro mais gosta

Lionel Messi, capitão da Argentina, levanta taça da Finalíssima após vitória de 3 a 0 diante da Itália - Shaun Botterill/Getty Images
Lionel Messi, capitão da Argentina, levanta taça da Finalíssima após vitória de 3 a 0 diante da Itália
Imagem: Shaun Botterill/Getty Images

Colunista do UOL, em São Paulo

11/11/2022 19h51

Classificação e Jogos

Uma pesquisa inédita do UOL mostrou que a seleção argentina terá grande torcida brasileira na Copa do Mundo do Qatar, que começa daqui a nove dias.

Segundo o levantamento exclusivo, 30% daqueles que não se importam com o hexa do Brasil torcem pelo título da seleção argentina. A equipe de Lionel Messi e companhia lidera com folga a preferência entre as seleções estrangeiras. Portugal, de Cristiano Ronaldo, aparece como a segunda, com 24%.

Ao contrário do que poderia indicar a histórica rivalidade entre os vizinhos sul-americanos, apenas 1% dos brasileiros expressou que vai torcer contra a Argentina no Qatar.

Mesmo concorrente direta, a Argentina é citada como uma das preferidas até mesmo entre os que torcem pelo hexa, como mostram os números completos abaixo.

O levantamento do UOL foi online, com 1.800 pessoas das classes A, B e C de todas as regiões do país, separando também a influência das gerações (Z, "millenials" ou "boomers") nas escolhas.

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D'Alessandro comemora seu 96º gol com a camisa do Inter
Imagem: Reprodução/Twitter Internacional

Carinho mútuo e maduro

Personagem central na relação entre Argentina e Brasil no futebol, Andrés D'Alessandro, ídolo do Internacional, reforçou o carinho existente entre os dois países ao conhecer o resultado da pesquisa do UOL.

"Sempre houve carinho e admiração entre os dois países", analisou D'Alessandro, que defendeu a seleção argentina e atuou no Brasil por 13 temporadas. Seu conhecimento de causa é tamanho que ele até se naturalizou brasileiro. "A rivalidade é normal em se tratando de duas das seleções mais fortes do mundo, as duas mais fortes da América do Sul."

"É normal também para os atletas. Todos querem ganhar. Mas sempre existiu admiração e carinho. O argentino gosta do futebol brasileiro, e vice-versa."

Para o ídolo colorado, Lionel Messi também merece destaque na análise da torcida verde amarela pelo tri azul e branco. "Ele é um dos melhores da história, e sempre mostrou muito respeito pelo Brasil. O torcedor leva isso em consideração."

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Neymar e Messi após a final da Copa América de 2021, no Maracanã
Imagem: Ricardo Moraes/Reuters

A 'Brasentina'

A relação entre jogadores brasileiros e argentinos é constante desde os primórdios do futebol. O termo talvez seja pouco conhecido no Brasil, mas na Argentina é comum alguém falar da "Brasentina" ao tentar unir Brasil e Argentina no futebol ou na música.

Os vizinhos sul-americanos alimentaram suas ligas nacionais com frequência, e mesmo na Europa houve duplas clássicas desde os anos 1950, por exemplo, com o Real Madrid contando com o argentino Alfredo Di Stéfano e os brasileiros Evaristo de Macedo, Didi e Canário.

As duplas "brasentinas" se fortaleceram com o tempo. Nos anos 1980, o trio clássico, Maradona, Careca e Alemão, no Napoli, antecipou aquilo que seria visto com frequência a partir do final dos 1990 e da liberação das barreiras aos estrangeiros no futebol europeu.

A face visível desta simbiose é o Paris Saint-Germain de Neymar e Messi, repetindo o que ambos fizeram no Barcelona na década passada.

Ao conhecer o resultado da pesquisa do UOL, o argentino Gustavo Grossi, que hoje é diretor da base do Internacional, destacou o momento peculiar da parceria entre os dois países: "Muitos que jogaram juntos deram certo, tanto na Europa quanto no Brasil. O sucesso em campo e o bom relacionamento permitem uma maior empatia", resumiu.

Para Grossi, a atual fase da seleção argentina também favorece a torcida brasileira. A seleção de Messi detém a maior invencibilidade de sua história e chega à Copa do Mundo do Qatar como uma inegável favorita ao título.

"A Argentina está jogando bonito, bem ao gosto do brasileiro, com bom passe e drible. A Argentina hoje joga da maneira como o brasileiro sempre se identificou."

Para ele, a "Messimania" vai na contramão da rivalidade que foi escancarada por Diego Maradona, seu lendário antecessor. "Fora de campo, Messi é educado, calmo, respeitoso, mostra valores que são indispensáveis àqueles que querem mostrar um jogador de futebol como exemplo para os filhos."

"O confronto acirrado que Maradona tinha com o Brasil, por exemplo, não ocorre com Messi, que jamais subiu o tom da rivalidade, mesmo sendo o capitão argentino."

A turma 'do contra'

A pesquisa do UOL que mostra a torcida brasileira pela Argentina no Qatar tem outra leitura: há também a inevitável adesão dos descontentes com o Brasil tanto dentro quanto fora de campo.

"Esta torcida pela Argentina tem a ver também com a desilusão com o próprio futebol brasileiro", analisa o jornalista Giancarlo Lepiani, um dos autores do livro "Copa Loca". Lançada em 2018 no Brasil, a obra destrincha a história da Argentina nos Mundiais desde 1930. "Para quem está descontente, nada melhor do que declarar sua torcida pela grande rival — ainda mais quando ela também pratica um jogo vistoso."

"Basta olhar a seção de comentários de qualquer notícia negativa sobre CBF, seleção brasileira ou seus principais nomes — chovem mensagens na linha 'Chega, vou é torcer para a Argentina'", segue ele, ressaltando o tom comum observado quando o principal jogador brasileiro em atividade, Neymar, expressou seu apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Lepiani acrescenta: "Um outro fator é a forma como narradores e comentaristas, principalmente da Globo, tratam da rivalidade entre os vizinhos. É cansativo ouvir o Galvão Bueno repetir pela milésima vez que 'ganhar é bom, mas ganhar da Argentina é melhor ainda'."

"Muito torcedor gosta, mas tem gente demais que vê uma certa forçada de barra nesse discurso, ainda mais numa época de tamanha popularidade do futebol europeu entre os brasileiros. O torcedor adora ver Messi, Di María e Lautaro na TV. Os filhos pedem de presente a camisa desses caras. Tratar jogador argentino como vilão é coisa do século passado. E o torcedor que já está irritado com a seleção por algum motivo vê na adesão ao arquirrival uma espécie de desabafo."

Desabafo que vem, vale lembrar, desde a Copa América do ano passado, quando muitos brasileiros afirmaram torcer para a Argentina mesmo enfrentando a seleção brasileira na final do Maracanã. A Argentina foi campeã e saiu da fila de 28 anos sem títulos.

Uma verdadeira surpresa para os argentinos que saíram do mesmo Maracanã, em 2014, frustrados pela torcida dos brasileiros para a Alemanha, que havia imposto o impiedoso 7 a 1 na Amarelinha na semifinal.

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Batistuta: “Não tinha prazer em jogar, sentia dever de dar o máximo pela torcida que pagava pelo espetáculo”
Imagem: Reprodução web

Cara nova, tendência antiga

Quem busca informação em português sobre o futebol argentino certamente conhece o site especializado "Futebol Portenho". Centrada nas boas histórias antigas do país vizinho, a página é elogiada até pelos próprios argentinos.

Criado em 2011, o "Futebol Portenho" vê de perto este crescente apoio pela azul e branca no solo verde e amarelo. "Torcer para a Argentina no Brasil não é tão atual, ou inusitado, quanto parece", diz Júnior Marques, um dos editores da página, ao conhecer a pesquisa do UOL.

"O que os mais velhos contam sobre Diego Maradona ou sobre a famosa raça argentina não me deixam negar que, sim, existem muitos brasileiros que torcem pela Argentina, e não é de hoje", analisa. "Eu, por exemplo, sou fã da Argentina desde 1998, quando conheci um camisa 9 cabeludo chamado Gabriel Batistuta."

Segunda Copa

O UOL aposta em uma cobertura mais detalhada do futebol argentino desde 2015, na sequência da Copa do Mundo realizada no Brasil e de toda a comoção gerada pela invasão dos torcedores vizinhos.

O Mundial do Qatar fecha o segundo "ciclo mundialista completo" com este reforço no conteúdo argentino, trabalhado por um colunista exclusivo e especializado no esporte, cultura e comportamento do país vizinho. Quem lê o UOL Esporte se habituou a acessar em primeira mão as análises e informações argentinas que impactam o futebol brasileiro e europeu.

Tal estratégia se justifica pelo protagonismo crescente dos técnicos e jogadores argentinos no Brasil. Os exemplos são os mais atuais possíveis: o artilheiro do Brasileirão é um argentino, Germán Cano, do Fluminense, e a Argentina tem a maior "legião estrangeira" em atividade na Série A, com 26 atletas (mais de um por time).

O resultado da pesquisa do UOL causou surpresa entre os argentinos. "É mais comum ver torcedores com a camiseta do Messi nas ruas do Brasil do que observar gente na Argentina com a roupa de Neymar", define o jornalista Ariel Ruya, editor do jornal "La Nación".

"A Argentina é um país pouco nacionalista em todos os parâmetros, menos no futebol. E mais: apenas se vê torcedores com camisas da seleção argentina, dos clubes nacionais e de jogadores de fora que sejam argentinos, como o Julián Álvarez, ex-River, agora no Manchester City."

"Há uma grande efervescência pela seleção, como não acontece desde velhas épocas, talvez é preciso voltar à etapa de Marcelo Bielsa nas Eliminatórias, para tomar dimensão do entusiasmo."

"Há a convicção de que essa é a última oportunidade de Messi, que não está tão longe do final da sua carreira", finaliza o editor do "La Nación".

O resultado da pesquisa

Não vou torcer pelo hexa, vou torcer para:
30% Argentina
/ 24% Portugal / 22% Alemanha

Vou torcer contra:
21% Alemanha
/ 1% Argentina /1% Portugal / 1% França

Torço pelo hexa, mas também para:
21% Portugal
/ 10% Espanha / 9% para Argentina, França, Itália e Alemanha

A pesquisa

Para compreender os hábitos do torcedor brasileiro durante a Copa do Mundo, o UOL realizou a pesquisa "A Torcida Brasileira", mapeando os interesses do público e os planos para assistir aos jogos, dentre outros cenários.

A pesquisa quantitativa coletou respostas online de usuários da plataforma MeSeems, da MindMiners. Ao todo, foram 1.800 entrevistas em maio deste ano. Foram ouvidos homens e mulheres acima de 16 anos, das classes A, B e C, pertencentes a todas as regiões do Brasil e conectados à internet.