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Roger prefere esperar vacina para voltar a treinar e cogita sair do Brasil

Roger Machado durante entrevista no CT do Bahia, em Salvador - Darío Guimarães Neto/UOL
Roger Machado durante entrevista no CT do Bahia, em Salvador Imagem: Darío Guimarães Neto/UOL

Jeremias Wernek

Do UOL, em Porto Alegre

01/01/2021 04h00

Roger Machado afirma que pretende voltar a trabalhar em 2021, mas não sabe quando. O treinador, demitido do Bahia em setembro, prefere aguardar a chegada e aplicação maciça da vacina contra a Covid-19 para ficar à beira do gramado de novo. Em entrevista ao UOL Esporte, ele também cogita sair do futebol brasileiro imediatamente.

Aos 45 anos, Roger falou sobre a saída da Fonte Nova, o planejamento de carreira com mais cinco temporadas garantidas, a possível aposentadoria e também admitiu: o futebol vicia.

A entrevista com Roger Machado foi dividida em duas partes. O segundo episódio trata de racismo, lutas sociais e o lançamento do selo Diálogos de Diáspora, com obras de autores negros e índigenas. O UOL Esporte separa a primeira parte em tópicos.

Saída do Bahia

Depois que eu saí do Bahia, eu li uma coluna de um jornalista gaúcho (Filipe Gamba, do Grupo RBS) onde ele falava de frenesi de parte da internet pela minha saída do Bahia (o texto defende que Roger tenha posicionamento político e critica a onda que festejou a demissão). Torcendo pelo meu insucesso em função dos meus posicionamentos como cidadão. Na verdade eu estou usando apenas o veículo, que para mim é uma ferramenta de transformação social, como cidadão para falar de um assunto que interessa a todos. Isso não me preocupa. Aos 45 anos, sou maduro o suficiente para entender como funciona.

Sem dúvida nenhuma, [a saída] foi muito custosa. Tu tem entre três e cinco jogos de instabilidade para permanecer no cargo. Isso tudo depende da conjunção de fatores, qualidade do trabalho e relação com clube e atletas. Mas o resultado e o ambiente interferem muito, e por isso eu entendo muito o gestor que opta por não seguir o trabalho. O ambiente de redes sociais é muito forte, muito forte. E às vezes é preciso dar satisfação ao grupo que apoia, que sustenta. A gente vai se preparando aos poucos, mas sempre botando fé no trabalho. Perto da saída tu percebes o ambiente.

Novo trabalho

Tem três meses que saí do Bahia, e hoje ainda não me sinto à vontade para voltar. Preciso de um período para me desintoxicar. Mas tenho certeza que daqui a pouco eu já vou estar querendo trabalhar. Agora de manhã mesmo já conversei com uns amigos treinadores e tenho escritório com tela gigante para analisar jogos, times. Chamo dois ou três amigos, baixamos jogos, e a gente vê o que está sendo feito, como está sendo feito. Trocamos opiniões, modelos de treino. É uma cachaça!

Essa balança, em função de tudo que estamos vivendo, está começando a desequilibrar. Está afetando minha saúde física e mental. Meu planejamento é mais cinco anos e aí dar uma boa parada, fazer uma boa avaliação e ver se é isso que quero para o resto da vida. Eu tenho artrose de tornozelo, cinco cirurgias de joelho, cirurgia de púbis, três hérnias de disco, então também tenho que ver quando e como vou querer viver um pouco também (risos).

Volta em 2021?

Eu gostaria de esperar esse momento todo de pandemia passar. É uma coisa que afetou muito a questão emocional de quem trabalha no futebol. A exposição diariamente, a possibilidade de se contaminar com o vírus. A gente viu dois treinadores morrerem recentemente, o Renê [Weber] e o Marcelo [Veiga], e não é brincadeira essa questão. Junto a isso, testes toda semana antes e depois dos jogos com aquele cotonete gigante que gera desconforto, a expectativa da resposta do teste, a expectativa coletivamente ao montar a estratégia e não saber se vai ter os atletas, e podem ser dois, três por estarem contaminados. E a gente sabe que, ok, os jogadores são jovens, o vírus não está proporcionando grande desconforto, mas do ponto de vista competitivo qualquer decréscimo de qualidade afeta. Associado a isso, o momento que a gente vive como sociedade. Quase 200 mil pessoas perderam a vida pelo vírus, e penso que existem questões mais urgentes, muito embora eu saiba que o futebol muitas vezes é escape para as pessoas. Eu volto, eu volto. Só não sei se logo no começo ou quando a vacina, de fato, chegar e com mais tranquilidade as pessoas forem vacinas. Eu me sinto mais à vontade.

A vacina pode ser um balizador para esse momento, mas te confesso que entre o mercado nacional e a possibilidade, por exemplo, de voltar a trabalhar no Japão, onde morei e tenho muito desejo de retornar, eu ainda daria preferência para sair do país do que permanecer. Mas como a gente sabe? Lá fora o treinador brasileiro está sem prestígio, e estamos começando a ficar sem prestígio no Brasil, a gente já está ficando sem prestígio, não sei quanto espaço a gente vai ter espaço para trabalhar.

Treinadores estrangeiros no Brasil

Tem algumas conservas culturais que precisam ser quebradas, relacionadas ao futebol, que o treinador brasileiro acaba não conseguindo, mas o estrangeiro consegue.

Se um treinador brasileiro ousa voltar a jogar com dois atacantes e não com um meia de criação, a primeira coisa, o primeiro resultado inconsistente vão dizer que está faltando o 10. O que o Jesus fez? Colocou dois jogadores à frente.

Sobre as conservas, um exemplo. Em uma semana aberta, se tu não fizer um ou dois períodos de dois turnos de trabalho, dirão que tu não trabalhou bem. Que trabalhou pouco. Na Europa tem 20 anos que não se faz dois turnos. E não foram poucas vezes que para manter esse ambiente harmônico eu já dividi o turno de trabalho em dois, com a mesma carga, para não sofrer as críticas que vêm de fora. E uma hora ou outra o campo vai dar argumento para essas críticas, pois quando o time perder vão dizer que faltou treino. Mas os estrangeiros podem ser agentes da mudança também nisso.