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Como torcedor cego símbolo do Allianz acompanha o Palmeiras na pandemia

Silvia Grecco e Nickollas, torcedores do Palmeiras, com o livro "Imponente" - Palmeiras/Twitter
Silvia Grecco e Nickollas, torcedores do Palmeiras, com o livro "Imponente" Imagem: Palmeiras/Twitter

Thiago Ferri

Do UOL, em São Paulo

10/10/2020 04h00

Torcedores símbolos do Palmeiras, Silvia Grecco e Nickollas tiveram sua história conhecida com a mãe narrando os jogos na arquibancada para o filho, que tem autismo e deficiência visual. Sempre presentes no Allianz Parque, eles viram a rotina da família mudar por causa da pandemia do novo coronavírus. Hoje (10), o Verdão recebe o São Paulo, às 19h, em sua arena, mas sem público, em um jogo que certamente os dois iriam, se não fosse o surto da Covid-19.

"Para o Nickollas pesou muito [a pandemia]. Ele deixou de fazer muitas atividades, e não ir ao estádio é uma coisa que ele sentiu muito. Por outro lado, até pelo autismo, ele é muito determinado nas coisas que vai fazer na rotina. Para tirar a rotina antiga dele foi difícil. Eu sinto que vou ter dificuldade para voltar ao normal. Ele ainda não saiu [na pandemia], e agora começou a fazer algumas terapias e atividades esportivas em casa, o professor vem aqui. A volta dos jogos foi um alívio", contou ao UOL Esporte.

"Ele tem mesmo a obsessão pela Libertadores, fala o tempo todo: 'o Palmeiras vai ser campeão da Libertadores'. No jogo [contra o Botafogo], ficou feliz com o gol do [Willian] Bigode, mas não gostou do resultado. Mas ensinei muito para o Nickollas: perde hoje, só que depois vêm outras oportunidades. Agora, ele já fala que vai ganhar do São Paulo, que o Bruno Henrique vai fazer gol. Nossa vida é assim, é se reinventar todos os dias", relatou.

Silvia conta que voltar a assistir aos jogos, mesmo de casa, ajudou a ela também, que em alguns momentos durante a pandemia se viu tendo de lidar com ansiedade e a preocupação com o coronavírus. Ainda serviu para os estudos de Nickollas, seja usando as tabelas dos campeonatos para fazer cálculos com o filho, ou falar dos adversários do Verdão para ensiná-lo sobre cidades e geografia.

Sem saber quando será possível estar novamente no Allianz Parque vibrando com o Palmeiras, Silvia tem certeza de que Nickollas não perderá a primeira oportunidade de voltar aos estádios.

"Ele fica perguntando quando vai poder voltar, é uma coisa que ele quer. Eu falo para ele ir comigo até a farmácia e ele dá alguma desculpa para não ir. Mas sempre pergunta quando a gente vai poder ver o jogo (risos). Quando falar que poderá voltar, neste dia vamos até mais cedo, comer lanche na porta do estádio. A gente gosta desta rotina [de jogos]. O Nickollas se solta no estádio, ele pula, canta muito", encerrou.

Audiolivro do clube tem narração de Silvia

Foi lançada nesta semana a versão em áudio do livro "Imponente — a reconstrução do Palmeiras, da arena ao deca", de Celso de Campos Júnior e Cesar Greco, com narração de Silvia. Ela diz que aceitou participar do projeto pensando no acesso ao conteúdo para deficientes visuais, como seu filho.

"O próprio autor do livro [Celso] me ligou no início da pandemia e disse ter tido a ideia de fazer o audiolivro e que seria ótimo se fosse na minha voz. Na hora até fiquei em dúvida, porque a gente nunca acha nossa voz bonita, né? (risos) Ele me disse que teria de ser em um estúdio, mas pela pandemia eu não poderia ir lá gravar. Fizemos uma experiência e montamos aqui [em casa]. Achei o máximo, pensando não apenas na torcida, mas naqueles que têm deficiência visual", disse.

"Na quarentena eu fiz muito isso, li muitos livros para o Nickollas, ele sempre usa o recurso do audiolivro. O livro tem muitas imagens [feitas por Cesar Greco, fotógrafo do clube], então na primeira reunião eu falei que teria de ter audiodescrição das fotos, porque aí seria realmente completo, atingindo principalmente as pessoas cegas. Disseram que eu me saí muito bem (risos)", acrescentou.

Com o estúdio adaptado em sua casa, Silvia fez a narração em quatro dias daquele que é o primeiro audiobook oficial de um clube brasileiro. Depois, precisou realizar apenas pequenas correções, e o produto já foi lançado no perfil do Palmeiras no Spotify e outras plataformas digitais. Ela e Nickollas estão ouvindo juntos e se divertem ao lembrar que muitos dos momentos relatados foram vividos por eles nas arquibancadas do Allianz Parque.

"Conforme eu ia lendo o livro, era até engraçado, porque vivi muito daquilo dentro do estádio. Então, eu lembrava da cena de quando ganhamos, quando perdemos. É uma história que eu vivi com o meu filho. Foi uma experiência única para mim", relatou.

"Eu gravava mais ou menos três horas por dia. A cada meia hora, dava uma parada, contava para o Nickollas como foi. Então, ele participou também. Eu dizia: 'hoje contei a história do deca', e ele dava um sorriso feliz. Coloquei para ele ouvir, e eu perguntava: 'quem está contando?'. E ele: 'a mamãe!'. Foi uma experiência muito boa, espero que seja um motivo para as pessoas investirem no audiolivro. Tem recursos de leitura (para deficientes visuais), mas nem todos têm acesso, os aplicativos são caros", encerrou.

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