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Auxiliares relatam desafios para sair da sombra de técnicos por "voo solo"

Muricy e Tata formaram uma das duplas mais conhecidas do futebol - João Henrique Marques/UOL
Muricy e Tata formaram uma das duplas mais conhecidas do futebol Imagem: João Henrique Marques/UOL

Karla Torralba e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

27/09/2018 04h00

Por trás de um grande técnico sempre tem um grande auxiliar? O futebol brasileiro teve duplas dinâmicas na beira do gramado que parecem corroborar com a tese. Mas e quando chega a hora de seguir a carreira solo? Os auxiliares sofrem para sair da sombra de seus antigos treinadores por não serem considerados "técnicos" em uma desvalorização da função que é muito importante principalmente nos bastidores dos clubes.

“Temos que exaltar a função de auxiliar porque é extremamente importante na sincronia do trabalho. Dá suporte ao treinador, muitas vezes tem acesso maior ao atleta, apaga incêndios. É um elo muito importante que não é tão valorizado. Quando você sai, como aconteceu comigo, vai para o mercado e as pessoas olham como ‘ah, ele era o auxiliar né? Ele não era o treinador’. Mas a experiência é igual. O auxiliar sofre junto toda a pressão que está em cima do treinador. Isso faz parte do processo”, ressaltou Ivan Izzo, dupla de Dorival Júnior por 10 anos.

Ele é justamente um dos maiores exemplos da desvalorização que acompanha a função. Em 2013, Dorival resolveu seguir caminho com o filho Lucas Silvestre como auxiliar. Ivan foi pego de surpresa na ocasião. E começaram ali os desafios para se recolocar no mercado de trabalho. Tentou continuar como auxiliar, mas enfrentou dificuldades. Afinal, é um cargo de confiança.

"Como auxiliar técnico, você faz uma função totalmente voltada ao treinador. Dorival achou que era melhor naquele momento e seguimos carreiras opostas. Na última temporada com ele, 2012/2013, não teve nenhuma conversa neste sentido e a surpresa foi em cima disso. Para me recolocar foi difícil. É uma função de confiança. De 2013 até o ano passado, foram quatro anos difíceis", contou.

Ivan Izzo - Reprodução - Reprodução
Ivan Izzo foi auxiliar de Dorival Júnior e hoje acompanha Milton Cruz
Imagem: Reprodução
Izzo chegou a ser treinador. Passou por Santo André, Independente de Limeira e Marília, até ser convidado por Milton Cruz, que fez a transição de escudeiro para treinador, para ser seu auxiliar no Náutico em 2017 – a indicação veio de um amigo em comum. Cruz foi demitido do clube na segunda semana de setembro, mas Ivan segue com ele. “Nesses quatro anos, até eu me recolocar como auxiliar no ano passado, se você somar os períodos eu trabalhei um ano e fiquei três desempregado”, disse.

Em contato com o UOL, Dorival Júnior explicou que viu em Izzo potencial para ser treinador após 10 anos de parceria. “Eu sempre vi nele as características do profissional da área e eu falei isso. Ele disse que queria ser auxiliar. Foram 10 anos de uma integração muito boa e nunca deixei de falar do trabalho dele para ninguém que me questionou. Eu tentei algumas situações, mesmo ele não sabendo. Pode ser que tenha sido pego de surpresa, mas, na minha cabeça, as coisas já vinham acontecendo. Eu nunca deixei de ter respeito pelo trabalho dele. Sempre foi muito leal”, explicou Dorival.

Quando o técnico se aposenta: a dupla de Muricy

Uma das duplas mais famosas do futebol brasileiro recente, Muricy Ramalho e Tata se separaram quando o treinador se aposentou por motivos de saúde. Foram 16 anos de parceria. O fiel auxiliar sabia da situação do amigo antes de a decisão ser tomada. Ele se preparou para o que veio a seguir.

“Ele estava doente na época. A gente foi se preparando devagarzinho. Sabia que ele não estava bem. Ele estava sofrendo e aí a gente deu uma parada. Tenho contato com ele quase toda semana”, explicou Tata, que não se aposentou como o amigo, que hoje é comentarista da Rede Globo e vive uma vida tranquila curtindo os netos.

“A dupla Muricy/Tata, Tata/Muricy ficou muito marcada, então é difícil alguém te convidar para trabalhar, porque todos já têm os seus auxiliares. Eu não quero ser treinador, não faz meu gosto. Hoje, eu só estou acompanhando o futebol. Já estou com uma situação definida. Se vier alguma coisa interessante, lógico que eu vou voltar a trabalhar. Mas não como treinador. Se não aparecer, eu vou fazer outras coisas, como cuidar dos meus netos, vou viajar, vou passear. Vou fazer aquilo que a gente sempre teve dificuldade para fazer por causa do futebol”, completou.

Milton Cruz - Rubens Cavallari-11.nov.2015/Folhapress - Rubens Cavallari-11.nov.2015/Folhapress
Milton Cruz ficou 23 anos como auxiliar no São Paulo
Imagem: Rubens Cavallari-11.nov.2015/Folhapress
A coragem para ser treinador de Milton Cruz

Milton Cruz é o exemplo de quem deixou de ser auxiliar para virar treinador. Ele não tinha uma dupla para chamar de sua, mas foi contratado do São Paulo por 23 anos para a função. Sempre que um técnico era demitido, Milton era o nome para assumir o time interinamente. Treinou o São Paulo várias vezes. Deixou o clube para seguir solo como treinador, em 2016. Pela carreira consolidada no tricolor do Morumbi, Milton viu facilitada sua recolocação.

“Eu tinha sido treinador nos EUA e no Japão antes. Faltava coragem de sair do São Paulo, porque eu gostava, estava muito bem ali. Estava confortável e o clube dava total apoio e estrutura. Mas eu sabia que ia ter o momento de chegar alguém e me tirar. E que eu iria seguir como treinador, como está acontecendo. Fiz um grande trabalho lá no Náutico, tive convite para voltar para Recife. Agora, o trabalho que fiz lá em Santa Catarina, no Figueirense, como campeão estadual... Também tive convites de algumas equipes grandes quando estava no Figueirense”, contou Milton.

Sidnei Lobo - © Rafael Ribeiro/Light Press/Cruzeiro - © Rafael Ribeiro/Light Press/Cruzeiro
Sidnei Lobo em ação como auxiliar técnico do Cruzeiro
Imagem: © Rafael Ribeiro/Light Press/Cruzeiro
O plano de carreira do auxiliar de Mano Menezes

No Cruzeiro, existe uma situação diferente. Ao lado de Mano Menezes há quase 15 anos, Sidnei Lobo não teve a má sorte de ficar longos períodos desempregado. Foram 7 meses depois que o treinador saiu da seleção brasileira em 2012, mas esse período fazia parte de um plano. Mano comunicou Lobo que esperaria para voltar ao mercado de trabalho e o auxiliar aproveitou o tempo para fazer cursos.

Era uma das etapas para o objetivo de Lobo: virar treinador. “Estou estudando para isso (ser treinador). Eu acabei de terminar a licença A na CBF e vou iniciar no final do ano a licença ‘pró’. São dois anos. As coisas estão funcionando, estamos indo bem, então eu não vou ficar fazendo loucura, mas pretensão eu tenho. E não vai demorar muito não. Mano e eu temos falado e ele tem dito algumas coisas neste sentido, conduzindo para ser uma forma natural”, disse Sidnei.