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Como Argentina abriu mão de técnicos como Simeone para apostar em Scaloni

Lionel Scaloni, técnico da Argentina, abraça Messi após vitória sobre a Holanda - Carl Recine/Reuters
Lionel Scaloni, técnico da Argentina, abraça Messi após vitória sobre a Holanda Imagem: Carl Recine/Reuters

Colunista do UOL, em São Paulo

12/12/2022 04h00

Classificação e Jogos

O ano era 2018. Eliminada pela França ainda ainda nas oitavas de final da Copa do Mundo da Rússia, a seleção argentina parecia à beira do colapso.

O então técnico Jorge Sampaoli rompera relações com o assistente Sebastián Beccacece ainda durante a Copa. Depois do Mundial, vieram as demissões. Primeiro, a de Beccacece, que pediu para sair, e depois a de Sampaoli, dispensado pela AFA (Associação Argentina de Futebol), mesmo com contrato até esta Copa do Mundo de 2022, no Qatar.

Para se livrar dele, a associação desembolsou o equivalente a R$ 7,75 milhões. E o escolhido para seu lugar foi um interino desconhecido até para os argentinos.

Lionel Scaloni, então com 40 anos, era um dos assistentes de Sampaoli, e aceitou o cargo, mesmo com forte rejeição no país, que tradicionalmente preza pela continuidade ou dissolução total nas comissões técnicas. É raro demais que um integrante siga quando os demais saem.

Scaloni não se abalou e fortaleceu suas "costas quentes". Foi rodeado de assistentes com grande vivência na seleção argentina, como os históricos ex-jogadores Pablo Aimar, Walter Samuel e Roberto Ayala.

Quatro anos depois, pode-se afirmar que Scaloni vingou, mesmo em sua primeira experiência como treinador principal. Balançou depois de perder para o Brasil e ser eliminado na Copa América de 2019, mas contou com um bom arranque nas Eliminatórias em 2020 para se manter no cargo, porque a imprensa argentina aproveitava cada deslize da seleção para clamar por "medalhões", como Diego Simeone, Ricardo Gareca ou Marcelo Gallardo.

A AFA, bem discretamente, estudou a troca por alguém mais gabaritado, mas Scaloni recebeu um voto de confiança e não desperdiçou.

Série invicta

Revertendo a pressão, Scaloni emplacou uma série invicta que chegou a 36 jogos (a maior da história da seleção), foi campeão da Copa América de 2021, batendo o Brasil em pleno Maracanã, e levantou o primeiro título argentino em 28 anos, conquistando também uma sossegada classificação para a Copa do Mundo do Qatar.

Como se precisasse de algo mais, ele somou ao currículo também o troféu da Finalíssima Uefa-Conmebol, contra a Itália, campeã da Eurocopa, em Wembley, em junho.

Criaram até um apelido para sua seleção, a "Scaloneta", transporte coletivo semelhante a uma van.

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Lionel Scaloni gesticula na partida entre Argentina e México pela Copa do Mundo no Qatar
Imagem: Kirill KUDRYAVTSEV / AFP

Por que ele?

Uma das perguntas mais repetidas por quem não acompanha a seleção argentina em detalhes é a escolha por Scaloni, um novato desconhecido, enquanto os treinadores do país são destaque em todo o mundo.

Para citar só três exemplos, Diego Simeone, Marcelo "Loco" Bielsa e Mauricio Pochettino marcam presença constante nas grandes ligas europeias, sem falar de expoentes de bons trabalhos na América do Sul, como Gallardo (no River Plate) e Gareca (no Peru).

O primeiro motivo que fez a AFA apostar em Scaloni foi o financeiro. Técnico em formação, em sua primeira experiência como treinador principal, ele custou pouco aos cofres da entidade.

Ao renovar seu contrato, em 2020, seu salário por temporada era estimado em US$ 500 mil (cerca de R$ 2,61 milhões), segundo o jornal francês L'Equipe. Tite, por exemplo, recebia na seleção brasileira US$ 3,9 milhões por ano (R$ 20,43 milhões), de acordo com a publicação.

O contrato de Scaloni foi renovado três atrás, agora valendo até a Copa de 2026. O jornal Clarín estimou que seu novo compromisso vai lhe render US$ 2,6 milhões por temporada (R$ 13,62 milhões), ainda distante do citado valor de Tite e do técnico com maior salário da Copa, o alemão Hansi Flick, com US$ 6,6 milhões (R$ 34,57 milhões).

Ganhou o grupo

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Lionel Scaloni e Claudio Tapia, presidente da AFA, viajam para o Qatar
Imagem: Divulgação/Claudio Tapia

O bom ambiente gerado por Scaloni também foi determinante ao apostar em sua continuidade.

Muito próximo aos jogadores — era atleta, por exemplo, na primeira Copa disputada por Lionel Messi, em 2006 —, Scaloni é considerado como um treinador extremamente aplicado em todas as facetas do seu ofício.

Tem capacidade para armar equipes, fazer alterações de uma partida para outra, mexer com competência durante o próprio jogo e conseguir fazer tudo sem ferir o complicado ego dos jogadores argentinos, tradicionalmente traídos pelos nervos na seleção que se caracteriza pela paixão e pelas explosões emocionais que gera também em si.

Apesar do ríspido confronto contra a Holanda, pelas quartas de final, a seleção de Scaloni até aqui prezou pelo jogo limpo na Copa do Mundo. O técnico tampouco deu mostras de irritação que pudessem contaminar sua relação com imprensa e torcedores.

O seu tradicional equilíbrio só teve um leve arranhão, quando ele discutiu sobre o vazamento da informação do estado físico do volante Rodrigo de Paul, que jogou no sacrifício contra os holandeses e não comprometeu.

Chamado de "Égua" em sua época de jogador — dava coices como um combativo lateral direito —, Scaloni mostrou que evoluiu e não precisa dar patadas para ser respeitado.

E isso em um dos cargos mais penosos do futebol mundial, aquele que, para muitos, esgotou Alejandro Sabella e Edgardo "Patón" Bauza, que depois da seleção passaram a conviver com graves problemas de saúde.

Quem não tem problemas é Messi. A sua melhor participação em Copas do Mundo é sinal do bom ambiente da seleção e da coesão que existe ao seu redor.

Ganhando ou perdendo os próximos jogos, Scaloni já pode se sentir recompensado. Foi sob seu comando que um dos maiores gênios da história do futebol alcançou seu melhor rendimento no principal evento do planeta.

O UOL News Copa fala sobre a possibilidade de Messi superar Maradona, a troca de mensagens divulgadas por Neymar, a recepção de Tite no Brasil, a definição dos finalistas da Copa e mais! Confira:

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