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'Noventa minutos de um negócio chato e superestimado': os anti-Copa existem

A professora Ana Mariaca (à esq.) e a psicóloga Bruna Sant"Anna (à dir.) não gostam da Copa - Arquivo pessoal
A professora Ana Mariaca (à esq.) e a psicóloga Bruna Sant'Anna (à dir.) não gostam da Copa Imagem: Arquivo pessoal

Camila Corsini

Do UOL, em São Paulo

24/11/2022 04h00

Classificação e Jogos

No país do futebol, engana-se quem pensa que estão todos vidrados na Copa do Mundo. A maioria dos brasileiros se veste de verde e amarelo e corre para assistir aos jogos da seleção, é verdade. Mas há uma parcela, discreta, que não torce pela amarelinha, não toca vuvuzelas e mal sabe quando é dia de jogo do Mundial.

Sim, os anti-Copa existem em pleno Brasil pentacampeão. Para esses, o futebol é um esporte superestimado. E é preciso dar um olé no Mundial com outras atividades, como jogar videogame ou assistir a um filme — na hora da partida do Brasil.

Para a professora de idiomas Ana Mariaca, de 47 anos, desde a Copa na França, em 1998, alguma coisa mudou. Até então, ela diz que acompanhava a competição com amigos e torcia.

"A partir de 1998, parece que alguma coisa quebrou em mim. Acho que naquela Copa fui entender que o negócio é só comércio mesmo, não é uma coisa para levar para as últimas consequências. Nem acho que o brasileiro leva, de fato. Perdeu, perdeu. Segue a vida. Mas o brasileiro para tudo por causa de jogo e futebol. Não acho isso muito legal."

Ana também não é fã da decisão que levou o Mundial para o Qatar, país do Oriente Médio com duras leis contra pessoas LGBTQIA+ e restrições em relação às mulheres.

"São coisas que não conversam muito: a Copa, que reúne pessoas do mundo inteiro, em um país retrógrado na questão da inclusão. Essa questão já começou na época da Rússia, mas o Qatar consegue superar. Ainda que eu gostasse de futebol, isso seria bastante problemático para mim", acrescenta.

A professora de idiomas prefere assistir a outros tipos de esportes, como boxe e MMA — futebol, para ela, é entediante. Não é difícil pegar no sono já nos primeiros minutos de bola rolando. "Noventa minutos é uma infinidade de tempo."

O esporte, no entanto, é uma tradição para parte da família. O pai, santista e boliviano, é fanático e assiste aos jogos — um dos sobrinhos também vai na onda dele. Até mesmo ela, quando mais nova, jogou futebol de salão.

"Não é nem questão de não entender [sobre futebol], porque eu entendo. O negócio só é chato e superestimado", completa.

Nesta quinta-feira, quando o Brasil estreia na competição — e em outros dias de jogos do Brasil — ela pretende aproveitar o tempo livre para assistir a um filme ou sair para passear em ruas mais vazias. Em 2014, ela teve a "sorte" de não estar no Brasil, já que passava uma temporada na casa de uma das cinco irmãs, que mora nos Estados Unidos.

"Só me lembro do clima dos preparativos e das obras em torno de Itaquera." A Neo Química Arena, estádio do Corinthians na zona leste paulistana, sediou a abertura do evento em 12 de junho de 2014.

'Deixou de fazer sentido'

Quem também não dá a mínima para a Copa é a psicóloga Bruna Sant'Anna, de 25 anos. "Respeito quem gosta de assistir aos jogos e participar de comemorações, só não faço o mesmo", diz a jovem. Ela até gostava de se reunir com a família e amigos no passado. Nem isso faz mais.

"Gostava da sensação de pertencimento a respeito da nacionalidade, gostava da valorização de um patriotismo desvinculado do cenário político. Agora, não me identifico mais com a seleção muito por todas as questões que envolvem o Neymar. Deixou de fazer sentido."

Um dos principais nomes convocados por Tite, o atacante Neymar se envolveu em polêmicas nos últimos meses. Em outubro, ele foi julgado e acabou absolvido na Espanha por acusações de fraude envolvendo sua transferência do Santos para o Barcelona em 2013. Neymar também é investigado por sonegação de impostos.

Neste ano, o fato de a Copa do Mundo acontecer no Qatar também contribuiu para Bruna "desgostar" ainda mais do evento esportivo.

"É inviável, para mim, apoiar um evento que tenha sido estruturado com base na morte de pessoas. Eu faço parte de duas minorias, sou mulher e lésbica. Não tenho como fechar os olhos para as leis retrógradas do país."

Em 2021, uma investigação conduzida pelo jornal britânico The Guardian constatou que pelo menos 6,7 mil migrantes morreram no Qatar entre 2010 e 2020. Os organizadores da Copa negam.

O Mundial não chamou a atenção da psicóloga nem quando aconteceu no Brasil. "Não me importei muito e não acompanhei os jogos. Só fiquei sabendo sobre a Copa mesmo no dia da comoção do 7x1", lembrou, fazendo referência à partida que eliminou a seleção brasileira em casa contra a Alemanha.

Por outro lado, a psicóloga gosta de acompanhar jogos de vôlei e as Olímpiadas. "Posso dizer que ao contrário da Copa do Mundo, me chama bastante atenção. Há um sentido, é uma tradição que vem da Antiguidade. Não é apenas um evento para movimentações financeiras imensuráveis e em locais hostis."

Videogame na hora do jogo

Já o estudante Felipe Rodrigues, de 18 anos, simplesmente não gosta de futebol. "Não entendo direito como funciona e não vejo muita graça. Nunca gostei", afirma. Neste ano, ele sequer parou para ler o que está acontecendo no Qatar. Da Copa de 2014, que aconteceu no Brasil, as lembranças não são positivas.

"Lembro que fui para a casa da minha tia e não entendia nada do que passava na TV. Não tinha com quem eu ficar, conversar ou o que fazer. Tive de esperar todo mundo assistir ao jogo para ir embora. Foi ruim demais, me senti isolado e perdido mesmo com todos os familiares."

Ele também não é muito ligado em outros esportes e não gosta de nada que envolva competições. Durante os jogos, incluindo o do Brasil, Felipe pretende jogar videogame. "Não jogo muita coisa online, gosto mais da Nintendo e do Mario Bros. Inclusive, a única vez que realmente gostei de futebol foi com um jogo dele, que ele jogava bola. Não era o futebol como a gente vê, era diferente."