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Blog da Amara Moira

OPINIÃO

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Robinho não é um monstro, é só um homem que foi pego

Robinho na época em que atuava pelo Atlético-MG - Pedro Vilela/Getty Images
Robinho na época em que atuava pelo Atlético-MG Imagem: Pedro Vilela/Getty Images

Colunista do UOL

01/03/2023 06h00

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Desde as primeiras condenações de Robinho pelos tribunais italianos, mas sobretudo após a divulgação da transcrição dos grampos que integraram o processo (autorizados pela Justiça), um amplo debate se armou na mídia e nas redes sociais tentando transformar o ex-jogador num monstro, uma figura abjeta que causa horror a toda a sociedade. O problema desse raciocínio, porém, é não perceber que o comportamento de Robinho (e seus amigos) diante da vítima é provavelmente o mesmo que boa parte (ou até a maioria) dos homens, crias da mesma sociedade machista, teria.

Não, Robinho não é o monstro que pintam e, sim, um produto perfeito da nossa velha cultura do estupro, cultura que molda homens, desde a terna infância, para verem mulheres como presas e para as culparem, caso elas não consigam se proteger dos ataques. O que se agrava quando estamos falando de homens poderosos. Sobre esse ponto, lembro de um comentário que li na internet, à época das acusações de violência sexual envolvendo outro importantíssimo jogador brasileiro, o Neymar, comentário que punha a acusação em dúvida com base no seguinte argumento: "quem não ia querer transar com ele?"

Percebam que, se acreditarmos que qualquer pessoa iria querer ter relações íntimas com o Neymar, então ele simplesmente seria incapaz de cometer um estupro. E, se ele próprio ou qualquer outro homem em posição de poder acredita nisso (e como é fácil que isso aconteça), ele estará a um passo de se autorizar qualquer tipo de comportamento frente às mulheres que deseje.

O que inclui colocar palavras em sua boca ("ela disse 'não', mas tava na cara que queria"), ignorar suas manifestações de dor ("ela tá chorando, mas dá pra ver que tá com tesão"), tratar sua resistência como um estímulo ("tá só se fazendo de difícil") ou, então, como fez Robinho, alegar para a Justiça que a relação foi consensual (uma consensualidade de mão única, perceba-se) enquanto dizia para amigos, segundo os grampos, que estava tranquilo porque a vítima não fazia ideia do que rolou ("estou rindo porque não estou nem aí, a mulher estava completamente bêbada e não sabe o que aconteceu").

Antigamente, embora não há tanto tempo assim, o estupro só poderia ocorrer se houvesse penetração pênis-vagina e, caso a vítima não fosse uma "mulher honesta", a pena seria reduzida pela metade (o termo "mulher honesta" saiu do nosso Código Penal há menos de 20 anos, importante frisar). Qualquer coisa diferente disso, como sexo oral e/ou anal, seria entendida como "atentado violento ao pudor", com penas mais brandas do que as anteriores. Hoje em dia o entendimento é diferente, a palavra "estupro" nomeando uma ampla gama de comportamentos, como se observa na atual redação do Art. 213 do nosso Código Penal: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso".

Só que as crenças e comportamentos são mais difíceis de mudar do que a legislação, o que fica nítido no diálogo, obtido pelos grampos, entre o ex-jogador e o músico Jairo Chagas (que havia se apresentado na boate na noite do crime, tendo sido em seu camarim que tudo aconteceu — o músico também acabou condenado no caso):

Robinho: - A polícia não pode dizer nada, eu direi que estava com você e depois fui para casa.
Jairo: - Mas você também transou com a mulher?
Robinho: - Não, eu tentei.
Jairo: - Eu te vi quando colocava o pênis dentro da boca dela.
Robinho: - Isso não significa transar.

Após as transcrições virem à tona, Robinho deu uma entrevista exclusiva ao UOL dizendo que o único erro que cometeu foi não ter sido fiel à esposa e reafirmando-se inocente. A condenação em última instância certamente não fez com que ele mudasse de ideia a respeito de sua culpa e a evidência disso é o fato de ele seguir zanzando por aí, tirando selfies com amigos, indo à praia, a partidas de futebol e até a manifestações antidemocráticas (e, pra quem quiser ver relação entre o fato de ele ser apoiador do ex-presidente e de ter sido condenado por estupro, eu lembraria que não faltam casos, na esquerda, de violência sexual... não, eis algo que está para além de posicionamentos políticos).

Aliás, eu realmente acredito que ele acredite na própria inocência, esse é o comportamento típico da maioria dos homens condenados por estupro. Ele foi criado para pensar e se comportar dessa forma, uma cria sadia do nosso machismo, repito ainda uma vez, e querermos fazer dele um monstro, um tipo não-humano, quase alienígena, revela o quanto ainda não estamos preparados para entender que esse tipo de comportamento é mais a regra do que a exceção.

A diferença de Robinho para tantos outros que agiriam, ou agem, da mesma forma é ele ter sido pego e, sinceramente, eu não acredito que a execução da pena vá trazer qualquer sensação de justiça ou mesmo segurança (assunto que abordei na minha coluna anterior).