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Olhar Olímpico

REPORTAGEM

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Como multas de R$ 15 mil ao Flamengo podem implodir o NBB

Flamengo no NBB 21/22 - Helena Petry/Flamengo
Flamengo no NBB 21/22 Imagem: Helena Petry/Flamengo

15/09/2022 04h00

Duas multas, totalizando R$ 15 mil, aplicadas pelo STJD da Liga Nacional de Basquete (LNB) ao vice-presidente de esportes olímpicos do Flamengo, Guilherme Kroll, e ao clube em si, estão no centro da movimentação da Confederação Brasileira de Basquete (CBB) para tentar acabar com o NBB.

Como mostrou a coluna, a confederação convocou sua assembleia para votar em outubro o distrato do contrato que dá à LNB a chancela para organizar o campeonato brasileiro masculino de basquete, que há 13 anos é o NBB. E um dos argumentos usados para isso é a reclamação de que a liga criou seu próprio STJD, uma discussão antiga que foi reacendida pelo Flamengo em momento oportuno para a CBB.

No fim da semana passada, tanto o presidente da CBB, Guy Peixoto, convocou a assembleia para tirar a chancela do NBB quanto Kroll e o Flamengo entraram com mandados de garantias no STJD do CBB reclamando de punições aplicadas a eles por episódios na final do NBB. Peixoto e Kroll haviam se encontrado uma semana antes, durante jogo da seleção brasileira, em Santa Catarina, com o cartola da CBB tratando-o como "amigo" nas redes sociais.

Em abril, o STJD do NBB havia condenado Kroll a multa de R$ 10 mil por ofender um membro do tribunal e tanto Flamengo quanto Franca a multa de R$ 5 mil por um entrevero entre torcedores. Na quinta da semana passada, Fla e Kroll acionaram o STJD da CBB alegando que os recursos contras as decisões de primeiro grau deveriam ter sido remetidos àquele órgão, não ao Tribunal Pleno do STJD do NBB, como aconteceu.

Na prática, Flamengo e Kroll provocaram o tribunal da CBB para julgar a legalidade do tribunal do NBB, que desde 2018 era uma comissão do STJD da CBB e, no fim do ano passado, foi recriado como órgão independente. Na época, em 2018, confederação e liga tiveram uma briga pública sobre o assunto. Os clubes reclamavam da morosidade do tribunal, que chegou a levar cinco meses para julgar um caso, e também de um suposto benefício a clubes do Rio de Janeiro. A liga ganhou aquela queda de braço, implementou seu STJD, e a CBB não tomou nenhuma atitude para impedir.

Agora, porém, a CBB usa a criação do STJD, que no entender dela fere o contrato com a liga, para discutir cancelar a chancela do NBB. E, nesse sentido, vem a calhar a ação do Flamengo que, ao contestar a legalidade de uma decisão do STJD da liga, na prática contesta também a legalidade do órgão.

Se o STJD da CBB entender que, ao criar seu próprio STJD, a liga descumpriu o contrato, a CBB teria um forte argumento para romper esse acordo, referendado pelo próprio Peixoto, e tirar a chancela do NBB. Na terça (13) o Pleno do STJD da LNB realizou julgamento do recurso e, sem a presença do Flamengo, manteve a pena ao clube e reduziu a multa de Kroll a R$ 7,5 mil. Já o STJD da CBB julga os mandados de garantia hoje (14).

O outro argumento apresentado pela CBB na convocação da assembleia é o fato de a LNB ter entrado na Justiça comum para requerer que a quarta vaga do Brasil na Liga Sul-Americana seja destinada ao sétimo colocado do NBB, no caso, o Paulistano. A CBB, que conseguiu essa nova vaga junto à Fiba, indicou a Liga Sorocabana, segunda colocada do "Campeonato Brasileiro", evento organizado por ela e que na prática é a segunda divisão nacional. Antes, havia indicado São José, que faz parte do NBB e não aceitou.

São muitas as variáveis nessa discussão que já vem sendo considerada um "case" histórico no esporte brasileiro. O contrato LNB x CBB diz que a confederação, que é quem tem relação com a Fiba, tem a obrigação de indicar os clubes mais bem classificados do torneio organizado pela liga. E também afirma que a CBB não pode organizar um outro "Campeonato Brasileiro", como ela faz, e que a possibilidade de criar um tribunal consta na Lei Pelé.

Ao mesmo tempo, a CBB entende que a liga até pode criar uma comissão disciplinar, mas os julgamentos em segunda instância precisam ser no SJTD da CBB, e que, como filiada à CBB, a liga não poderia entrar na Justiça Comum antes de esgotar recursos no STJD — que a liga sempre reclamou não funcionar. Além disso, a LNB entende ser equivalente a uma Entidade Nacional de Administração do Desporto (ENAD) e que, por isso, tem obrigação pela Lei Pelé de ter seu tribunal.

Na prática, o que está em jogo é controle sobre dinheiro. Com a liga organizando o campeonato brasileiro, cabe à CBB cuidar apenas das seleções brasileiras e do basquete 3x3, e isso reduz o potencial de receita da confederação. Guy Peixoto alega que o NBB foi criado quando a CBB não tinha capacidade para gerir o campeonato, mas que isso mudou na sua gestão. Ele, porém, não está tentando retirar a chancela da Liga de Basquete Feminino (LBF), bem mais carente.

Curiosamente, o Flamengo por enquanto auxilia a CBB na briga contra a liga, que tem como presidente o ex-dirigente rubro-negro Delano Franco, que foi vice-presidente de esportes olímpicos até novembro de 2020. Ele deixou o cargo acusando o atual presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, de descumprir um acordo com Bernardinho, do vôlei. Dias depois, Kroll foi anunciado como seu substituto. Quando a Liga discutiu entrar na Justiça contra a CBB, o Flamengo foi um dos poucos clubes a se abster.

Agora, o clube vai ao STJD da CBB para questionar a legalidade da última decisão do STJD da liga na temporada. Antes de o NBB começar, o Flamengo assinou ata da assembleia da liga reconhecendo o tribunal da LNB como órgão disciplinar do torneio.