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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ciro criou um Clube da Luta privado onde espanca a si mesmo sem parar

Brad Pitt em cena de "Clube da Luta" - Divulgação
Brad Pitt em cena de "Clube da Luta" Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

03/09/2022 10h30

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Clube da Luta é um filme estrelado por Brad Pitt e Edward Norton que fracassou na bilheteria mas ganhou status de cult quando saiu em DVD.

Nele, os dois personagens - um vendedor de seguros (Norton) e um fabricante de sabonetes que tem uma filosofia de vida muito peculiar (Pitt) - dialogam a respeito o fracasso da sociedade capitalista de consumo.

Os diálogos são intensos, anárquicos e tendem para o filosófico.

Depois de se conhecerem, e usando os valores de masculinidade como fio condutor, formam um Clube da Luta.

O Clube, que existe clandestinamente, vai ganhando cada vez mais sócios e frequentadores. Num ringue, interessados se enfrentam sem regras em batalhas que podem durar muito tempo.

O sucesso do Clube é tão imenso que Pitt funda o Projeto Caos, um projeto que espalha violência e vandalismo pelas cidades.

Ao final, descobrimos que a personagem de Pitt é apenas uma outra dimensão da personalidade de Norton. Eles são a mesma pessoa que, numa derradeira cena, entram no ringue e lutam entre si.

Aos poucos as imagens vão revelando Norton lutando sozinho no tablado, esmurrando a si mesmo incansavelmente.

Ciro está nessa aventura.

Homem de boas ideias, de inteligência rara, movido pelo que parece ser um legítimo ímpeto para transformar o Brasil.

Político ousado que se vangloria de um passado incorrupto e pinta um futuro sem igual.

Não há muita coisa a se criticar na plataforma política de Ciro. Um deslize ou outro que talvez possa se justificar pelo ímpeto de colar no poder do Agro e alargar suas chances.

Mas Ciro não consegue controlar sua personalidade agressiva - e nesse ponto ele encosta perigosamente em Bolsonaro, com quem, aliás, trocou afagos depois do debate da Band.

Cabotino e convencido de si, parece sempre exausto de ter que dialogar com pessoas que ou não percebem sua grandeza ou, mesmo percebendo, não podem alcançá-la em cognição.

Dá a impressão de que interagir é enfadonho e de que precisa logo chegar ao poder para salvar todo mundo de tudo de errado que já fizeram antes.

Que tipo de liderança um homem assim vai construir se chegar ao poder maior?

Ciro sabe ver o erro do outro, mas é incapaz de perceber os seus.

Ou, se percebe, não reconhece, não pede desculpas, não desce do tablado. Ele não tem culpa de ter sido escolarizado, de não morar na favela, de não ser mulher e de ser esse colosso de inteligência e articulação..

Se Ciro fosse mulher, não teria sido sequer síndica de prédio.

Com esse temperamento explosivo, agressivo, arrogante e bélico, uma mulher, por mais competente que fosse, não iria a lugar nenhum na política.

Para derrotar o fascismo bolsonarista, Ciro poderia ter feito, por exemplo, como Geraldo Alckmin e colado no candidato que tem força para fazê-lo - que é Lula.

Politicamente ainda jovem e bastante enérgico, Ciro poderia ser uma bem-vinda liderança depois que Lula derrotasse o fascismo bolsonarista.

Mas ele escolheu bater livremente em Lula usando, se preciso, os golpes mais baixos possíveis.

Escolheu compactuar com Bolsonaro, abraçar Bolsonaro, afagar Bolsonaro, gargalhar com Bolsonaro.

Dobrou a aposta em sua arrogância e masculinidade tóxica.

Não fica claro sua estratégia nessa campanha, nem mesmo se há uma estratégia.

O resultado é que ele não sai da margem dos 9% de votos, não engaja, não conquista e, fincado em suas convicções, não muda a estratégia já que, sendo ela qual for, não vem dando certo.

Ciro, por mais inteligente que seja, não percebeu que, ao girar seus golpes nesse mesmo eixo, não está destruindo nada além de suas chances políticas.

Sozinho num ringue que ele mandou que erguessem, esmurra incansavelmente a si mesmo aos olhos de todos nós, pessoas muito menos viris, capazes e inteligentes do que ele.