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Flavio Gomes

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Há 70 anos, F-1 teve última temporada sem 'God Save the Queen'

Rainha Elizabeth II observa carro da BAR em 2001 no circuito de Rockingham - Divulgação/Reynard
Rainha Elizabeth II observa carro da BAR em 2001 no circuito de Rockingham Imagem: Divulgação/Reynard

Colunista do UOL

26/09/2022 04h00

Esta é parte da newsletter do Flavio Gomes, enviada ontem (25). Na newsletter completa, apenas para assinantes, o colunista analisa as confirmações para o grid de 2023, o calendário da próxima temporada e o início dos trabalhos de Felipe Drugovich na Aston Martin. Quer receber antes o pacote completo, com a coluna principal e mais informações, no seu e-mail, semana que vem? Clique aqui.

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Quando Elizabeth se tornou rainha, em fevereiro de 1952, o Mundial de F-1 daquele ano ainda não tinha começado. A temporada seria aberta em maio, na Suíça, no circuito "stradale" de Bremgarten, perto de Berna. Trechos dele ainda existem. Tem até simulação de computador da pista usando um carro atual. Vale ver como curiosidade - aqui.

Embora a querida Beth adorasse automóveis e velocidade, naquele ano ela não teve muito tempo para se ocupar de corridas. O rei tinha morrido, foi preciso voltar às pressas do Quênia, providenciar a mudança para o palácio de Buckingham e preparar as coisas para a coroação, que aconteceria só no ano seguinte. Por isso, talvez nem tenha percebido — certamente não percebeu — que o campeonato terminou, depois oito corridas, sem nenhuma vitória britânica. Nem de piloto, nem de equipe.

Mesmo se tivesse notado, não daria grande importância. Era apenas o terceiro Mundial de F-1, uma competição que engatinhava e, convenhamos, não tinha o cartaz que tem hoje. E, nos dois anteriores, também nenhum cidadão ou automóvel do Reino Unido havia vencido um GP. A recém-criada modalidade nasceu sob o domínio de carros e pilotos italianos, e de um argentino que se tornaria um dos maiores de todos os tempos.

Mas foi a última vez. A partir do ano seguinte, nunca mais a F-1 fechou um campeonato sem registrar ao menos uma vitória de piloto ou equipe com passaporte ou endereço na Grã-Bretanha.

(Aliás, aqui cabe um esclarecimento sempre útil. Grã-Bretanha e Reino Unido não são a mesma coisa. A primeira é uma ilha — onde ficam Inglaterra, Escócia e País de Gales —, e o segundo é um... reino, como diz o nome, formado pelos três países da Grã-Bretanha mais a Irlanda do Norte.)

O primeiro britânico a ganhar um GP na categoria foi Mike Hawthorn, na França, em 1953. Ele pilotava uma Ferrari. Desde então, pilotos da ilha venceram 307 corridas. Lewis Hamilton é responsável por mais de um terço desses triunfos — 103.

Hoje tocam-se dois hinos nos pódios da F-1: o do país do piloto vencedor, seguido pelo do país de sua equipe. Atualmente, o hit dos finais de semana de GPs é composto pelos hinos da Holanda, de Max Verstappen, e da Áustria, da Red Bull. Houve um tempo em que o que mais se ouvia aos domingos era a dupla musical Alemanha-Itália — chamavam o hino alemão, por aqui, de "musiquinha do Schumacher".

Não sei precisar quando a cerimônia passou a ser realizada nesse formato, com execução de hinos, hasteamento das bandeiras dos países dos três primeiros colocados, estouro de champanhe etc. A gente sabe que nem sempre foi assim. Houve o tempo das coroas de louros, da bagunça generalizada na hora de entregar troféus e prêmios, gente abraçando piloto, namoradas e esposas, chefes de equipe e mecânicos, uma zona federal. Nem mesmo o formato físico do pódio era padronizado. O protocolo atual, que me lembre, não tem 40 anos. Com uma ou outra variação.

Mas digamos que o modelo tivesse sido criado junto com a F-1, lá em 1950, e então poderíamos dizer que 1952 foi o último ano sem execução de "God Save the Queen" no pódio, já que depois disso sempre teve piloto ou equipe britânica ganhando corrida. Os jejuns de pilotos do Reino Unido nem são tão raros: em 1974, 1978, 1979, 1980, 1984, 1988, 2004 e 2005, nenhum súdito da rainha venceu um GP. Mas os times do país, sim. Essa escrita não foi quebrada por muito pouco em 2004 — a Williams venceu a última etapa do campeonato, no Brasil, com Juan Pablo Montoya — e em 2006 — Jenson Button foi o solitário vencedor britânico, na Hungria, num ano em que as equipes vitoriosas vieram do Japão (Honda), França (Renault) e Itália (Ferrari).

Pois estamos prestes a viver algo parecido com a temporada de 1952, a de 70 anos atrás, quando a rainha virou rainha. Neste ano, nenhum inglês (nem escocês, galês ou nascido no Ulster) venceu corrida. Até agora foram 11 vitórias holandesas, de Verstappen, três monegascas, de Leclerc, uma mexicana, de Pérez, e uma espanhola, de Sainz. Só Ferrari e Red Bull ganharam — uma é italiana; a outra, registrada na Áustria.

Quase todas as equipes têm fábricas na Inglaterra — as exceções são AlphaTauri e Ferrari, na Itália, e Alfa Romeo, na Suíça. As demais, embora nem todas corram com bandeira britânica, possuem instalações na ilha. Oficialmente, hoje, se declaram inglesas apenas McLaren, Williams e Aston Martin. A Mercedes é alemã, a Red Bull é austríaca, Ferrari, Alfa Romeo e AlphaTauri são italianas, Alpine é francesa e Haas, americana.

A chance de ouvir "God Save the (agora) King" em 2022 reside nas mãos e pés de Hamilton, Russell e Norris, os três pilotos ingleses em atividade na categoria. McLaren, Williams e Aston Martin, os times britânicos-raiz, possuem pilotos da Austrália, Tailândia, Canadá e Alemanha que também podem levar a bandeira do Reino Unido ao alto do pódio — mas as chances são apenas teóricas.

Seja como for, mesmo que aconteça, não será para Elizabeth que os acordes serão executados, em caso de vitória britânica ainda neste ano. É a vez de Charles ser o homenageado. Quem diria que na Arábia Saudita, no ano passado, escutaríamos a música da rainha pela última vez...

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Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado na legenda, a rainha Elizabeth II observa um carro da BAR, e não da McLaren. A informação já foi corrigida.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL