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Eliana Alves Cruz

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Fortuna olímpica

O atleta Hebert Conceição, medalhista de ouro na categoria até 75kg de boxe nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020 - Wander Roberto/COB/Wander Roberto/COB
O atleta Hebert Conceição, medalhista de ouro na categoria até 75kg de boxe nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020 Imagem: Wander Roberto/COB/Wander Roberto/COB

12/08/2021 04h00

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Há vantagens e desvantagens em escrever depois de quase uma semana do fim dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Muito já foi dito e perde-se o calor da emoção das últimas medalhas e do encerramento, mas ganha-se em distanciamento para analisar o que foi este evento. O tempo vai passando e fica mais fácil visualizar a "fortuna olímpica", ou seja, o que os Jogos legam não apenas ao esporte, mas à humanidade.

Já sabemos a beleza que foi ver tantas trajetórias de vitória e, principalmente, amor depois de um dos anos mais angustiantes da história recente. A pergunta inevitável agora é a de sempre depois dos 15 dias em que paramos para assistir judô, natação, ginástica, atletismo etc. O que acontecerá com essas modalidades daqui para frente?

É, para dizer o mínimo, estranho e constrangedor ver dirigentes e políticos reivindicando apenas para suas gestões e para o último ciclo de quatro anos os resultados excelentes no Japão, como se esses não fossem também legado de investimento maciço aplicado ao longo de anos visando os Jogos Rio 2016. Não fosse a fortuna acumulada em expertise e treinamentos nos ciclos anteriores, jamais seria possível resistir ao terremoto que foi o ano de 2020.

Sugerir que a extinção do Ministério dos Esportes foi algo benéfico para as modalidades olímpicas, como vimos alguns parlamentares fazerem, soa como escárnio, abuso, chacota e profundo desrespeito não apenas para atletas, mas para todas e todos os profissionais que fazem a realidade dos resultados acontecer. A dureza de obter êxito "apesar de" é justamente ter que escutar de quem deveria ajudar, mas só atrapalha, que a falta de apoio é justificável e mais: se beneficiar da boa imagem que medalhas, finais e recordes trazem.

O desempenho brasileiro no Japão deixou evidente que olimpismo é acúmulo, é poupança que muitas vezes só têm seus lucros visíveis e contabilizados anos depois e, por isso mesmo, o incentivo não pode ser descontinuado. Vale muito a pena o investimento pelos benefícios sociais enormes que a atividade esportiva carrega.

Não tem nada de romântico em tanta desigualdade nas condições de treinamento e surgimento de talentos. Para alguns é uma corrida com obstáculos quase intransponíveis e conseguir um crachá na delegação brasileira equivale a uma medalha, quanto mais chegar entre os três primeiros. Para outros, nem tanto. Um reflexo das nossas abissais desigualdades sociais e da naturalização do sacrifício desmedido para atingir algo que deveria ser menos árduo.

Esporte e cultura são sempre negligenciados nos planos governamentais, quando eles, os planos, existem. Este deveria ser um dos tesouros mais preciosos garimpados em Tóquio: A luta real e ferrenha por políticas de Estado e não de governo que permitam um pouco de sossego. Trabalhar em paz, sem ter que estar na ansiedade e na briga com a estrutura massacrante que trabalha contra, no Brasil, é um privilégio.

Além da bagagem acumulada que resultou em lindos pódios do outro lado do mundo, o Japão trouxe moedas preciosas para a fortuna olímpica: modalidades novas, a juventude, as práticas antes excluídas ou estigmatizadas por muitos como "coisa de desocupados", que agora são alvo de paixões nacionais. No entanto, o que emissoras, portais etc, exibirão hoje e amanhã e depois de amanhã em looping e até cansar? Futebol.

Voltamos à programação normal e, se é verdade que queremos viver as mesmas emoções ou até maiores em Paris 2024 e ter no esporte um instrumento real de transformação, passou da hora de valorizar de verdade quem dele vive e a riqueza conquistada.