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Eliana Alves Cruz

REPORTAGEM

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Combate ao racismo: CBF parte para o ataque

Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, durante o seminário de combate ao racismo - Lucas Figueiredo/CBF
Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, durante o seminário de combate ao racismo Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Para o UOL, em São Paulo

27/08/2022 04h00

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A Confederação Brasileira de Futebol entrou em campo para, finalmente, combater de forma mais contundente às manifestações racistas nos gramados e arquibancadas. Um evento — Seminário de combate ao racismo e à violência no futebol — na sede entidade, com a presença da nata dos dirigentes esportivos do esporte, representantes da Fifa, de clubes estrangeiros, jornalistas e atletas, deu o pontapé inicial para mudar o placar deste jogo em que, até agora, só existem perdedores.

Racismo, misoginia, homofobia... todas estas e outras mazelas da sociedade brasileira estão também no esporte, pois ao contrário do que pensam alguns, o tempo não para e as pessoas não deixam de ser o que são apenas porque sentaram-se em uma arquibancada para assistir uma partida. Muito ao contrário. É ali, camuflados pela massa, que uma espécie destrutiva de ódio vem à tona.

"É ali que começam violências muito maiores, pois o que muitos acham que é apenas piada de mau gosto, sedimenta a animalização de pessoas negras e LGBTQIAP+, além de objetificar ainda mais as mulheres. Existe também toda a questão estrutural que a gente enxerga na ausência de diversidade entre treinadores e altos cargos de federações e clubes", disse Marcelo Carvalho, do Observatório do Racismo no Esporte.

Contra números não existem argumentos e o trabalho que a CBF inicia agora está baseado em estatísticas assustadoras, coletadas ao longo de oito anos pelo Observatório, idealizado e coordenado por Marcelo. Os dados levam em conta apenas os casos que se tornaram públicos, ou seja, os números são muito maiores, apenas não se tem como aferir.

Noticiados, foram 64 casos de racismo em 2021. Somando os casos de LGBTfobia, xenofobia e machismo este número sobe para 109. Este ano (2022) estamos ainda em agosto e os casos noticiados de racismo já se igualam aos do ano passado, que teve boa parte dos jogos ainda em estádios sem público devido à pandemia. O aumento dos casos, segundo Marcelo, está diretamente ligado às denúncias e a imprensa, que passou a noticiar estas ocorrências.

O presidente da CBF, Ednaldo Gomes, o primeiro negro e nordestino a comandar a entidade em mais de 100 anos de história, está empenhado em superar, segundo ele, "a síndrome de avestruz", ou seja, a tendência das entidades esportivas em invisibilizar ou minimizar os casos. Suas propostas são duras e incluem até perda de pontos nos campeonatos, o que pode definir títulos e rebaixamentos.

No entanto, sabemos, grandes organismos do esporte mundial não são fáceis de caminhar nas mudanças. Em quase 30 anos de vida no meio esportivo, nunca estive em um seminário semelhante e isto, acredito, é um bom sinal. No entanto, a CBF parte para o ataque, mas a retranca está armada. Uma máquina ainda demais dominada por homens brancos tem dificuldades em enxergar uma realidade que não lhes pertence.

Desta forma, o seminário da CBF trouxe pessoas negras das mais diversas áreas não apenas para denunciar, mas para propor formas de combate, pois desconfiamos e uma rápida olhada no ambiente é fácil saber o motivo.

A população negra brasileira letrada racialmente foi treinada, como dizem, para fritar o peixe com o olho no gato, pois palavras lindas já foram proferidas ao longo de séculos sem que fossem capazes de estancar o sofrimento que gera desumanização e, sim, morte.

Para além das questões humanitárias, sim sabemos, existe o mercado. O capital não aceita derrota e uma entidade na terceira década do século 21 que não busca a inclusão e o combate ao que afasta torcedores do "produto futebol" está fadada a perder prestígio, protagonismo e receita. Há o pragmatismo que está de olho numa parcela enorme de pessoas que não mais aceitam caladas a falta de respeito e não está disposta a frequentar um lugar aonde foram para se divertir e podem terminar agredidas e se verem em situações trágicas. A "marca" futebol se desgasta e envelhece se não acompanha o fluxo dos tempos.

No fim, a grande ansiedade é pela recuperação positiva do futebol no imaginário nacional. Um esporte que ao longo de um século se tornou quase que sinônimo de Brasil. Ao não combater o mal da violência e da exclusão em uma sociedade com excesso de opções de entretenimento, as entidades se condenam a uma morte lenta, mas constante.

A torcida de todos e todas é para que tanto o futebol quanto a CBF deixem de ser o espaço da tolerância com o indefensável, o abominável e o desumano. A esperança é a de que este esporte possa honrar, finalmente, o título de paixão nacional.