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Eliana Alves Cruz

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O respeito e o amor que nossos atletas merecem...e o resto do país também

Atletas brasileiros se divertem durante o desfile das delegações no Maracanã - REUTERS/Sergio Moraes
Atletas brasileiros se divertem durante o desfile das delegações no Maracanã Imagem: REUTERS/Sergio Moraes

29/04/2021 12h25

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"Não é sobre tudo que o seu dinheiro é capaz de comprar
E sim sobre cada momento, sorriso a se compartilhar
Também não é sobre correr contra o tempo pra ter sempre mais
Porque quando menos se espera a vida já ficou pra trás"
Trem Bala - Ana Vilela


Creio que a função de um conteúdo opinativo seja ao menos lançar a reflexão sobre certos temas que muitas vezes são incômodos, mas necessários. E a "bola da vez" é a vacinação hesitante, a conta-gotas, excludente e cheia de falhas estruturais no Brasil e a equipe do país que participará dos Jogos Olímpicos de Tóquio.

O Comitê Olímpico Internacional anunciou em 11 de março deste ano uma parceria com a China para oferecer vacinas aos competidores em Tóquio. O presidente da entidade, Tomas Bach, informou que a vacinação não seria obrigatória, mas que ofereciam ajuda aos Comitês Olímpicos nacionais para imunizar os atletas que participariam dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos.

Mais de um mês passou e cada país partiu para agir à sua maneira na luta contra o Covid 19 em suas delegações. As soluções foram as mais diversas. Algumas nações estão com o programa de vacinação muitíssimo adiantado, logo, os atletas naturalmente serão imunizados a tempo; outras criaram leis específicas; muitas têm a maioria esmagadora dos atletas entre os militares que estavam em grupos prioritários de vacinação; diversas fecharam acordos em "pacote", como é o caso de 14 nações africanas que negociam com a Rússia.

No Brasil, o Comitê Olímpico informou à mídia que "segue o Plano Nacional de Imunização nacional". Atletas olímpicos que pertencem às Forças Armadas serão imunizados entre os grupos prioritários e o país tem mais de 40 com vagas garantidas para Tóquio.

Nenhum projeto tramitou sobre a vacinação dos demais, mas há poucos dias o governo federal anunciou a possibilidade de vacinar toda a equipe que estará nos Jogos, ou seja, além de atletas, também os técnicos, equipes de apoio, dirigentes e jornalistas credenciados. Uma lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro autoriza a vacinação privada somente após os grupos prioritários já estarem imunizados, mas COB, Ministério da Defesa e Saúde negociam uma doação do Comitê Olímpico da China que garantiria para cada vacinado na "galera olímpica", duas doses para o SUS.

O conceito de família é largamente usado no mundo esportivo. Por exemplo: Eu, que sou membro da comissão de mídia na Federação Internacional de Natação, entro no grupo "FINA Family". No entanto, no Brasil, famílias dominam as três esferas governamentais, dominam em latifúndios grandes porções do território nacional, comandam indústrias, conglomerados, se perpetuam por gerações no privilégio infinito. Falar de família, neste país, vai muito além de laços consanguíneos e relacionamentos. Falar de família, aqui, também é falar de poder.

Os atletas merecem todo amor, carinho e valorização. É indecente não terem pensado num plano para eles que contasse com o fato de que estarão expostos num evento que, sejamos francos, vai acontecer na marra em cima de corpos e da dor do mundo inteiro. Um evento que, apesar de todos os protocolos, vai produzir outras mortes.

O fato concreto é que os Jogos Olímpicos de Tóquio vão acontecer e a incompetência da falta de planejamento para a "Brazilian Olympic Family" não pode se transformar numa urgência que deixará para trás as famílias formadas por trabalhadores essenciais, os mais pobres, os que estão literalmente dando suas vidas para manter o país minimamente funcionando. Nada mais emblemático para demonstrar o conceito de casta privilegiada.

Poderia trazer aqui números e estatísticas que comprovam a mortandade em massa de quem nos garante o cotidiano ou o número de imunizantes que serão ofertados aos competidores, os doados para o SUS, enfim... mas nada disso importa. Não se trata de números frios ou apenas dinheiro. Estamos falando sobre ética, respeito com os que morreram quando já existia imunizante, mas não tiveram acesso por conta do descaso do seu próprio país com suas vidas. É isso.

Estamos falando de vidas.