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Eliana Alves Cruz

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

País do futebol e da morte: Emoções, amor ao esporte e humanidade

COVID-19 e Futebol: Bola ao lado da vacina do coronavirus  - Fernando Moreno/AGIF
COVID-19 e Futebol: Bola ao lado da vacina do coronavirus Imagem: Fernando Moreno/AGIF

08/04/2021 11h42

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"No fundo desse país
Ao longo das avenidas
Nos campos de terra e grama
Brasil só é futebol"
Aqui é o país do futebol - Wilson Simonal

Susto número 1: A notícia estava diante dos meus olhos, mas demorei alguns segundos para acreditar. Uma investigação do Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro concluiu que um clube de futebol - o Mesquita - falsificou 57 exames de coronavírus durante a disputa da última série B2 do Campeonato Carioca. A competição terminou em fevereiro e o atual presidente do clube, Ângelo Benachio, e o gestor Antônio Carlos Dias de Souza foram denunciados pela procuradoria.

Susto número 2: A pena máxima para o caso é uma possível suspensão do futebol por quatro anos e meio para os dois dirigentes e uma multa de R$ 200 mil. Neste ponto, parei e me perguntei: "Coronavírus não pode ser mortal? Não é um vírus altamente contagioso? Não é uma doença traiçoeira e que brinca de roleta russa com os infectados, ou seja, sabe-se lá quem vai contaminar quem? Sabe-se lá quem não vai levantar da cama nunca mais para chutar uma latinha vazia, quanto mais uma bola rolando em campo? E cadeia, não rola?"

Certeza número 1: O Brasil classifica as vidas. Oficialmente aqui não existe sistema de castas ou apartheid, mas a nossa necropolítica, este conceito cunhado por Achille Mbembe, escolhe os corpos pelos quais ninguém chora, as notícias que não comovem ou as ameaças à saúde pública que são resolvidas com uma suspensão e uma multa. Dinheiro na frente de tudo, morte em cima de todos.

Certeza número 2: A bola vai rolar. Mesmo que caiam fulminados em campo. A bola vai deslizar. Mesmo que a diversão seja como a de um circo de gladiadores, onde ganha quem termina vivo, ainda que sem um braço, sem sua respiração normal, com sua mobilidade reduzida. A bola vai balançar as redes. Ainda que sejam nas redes de TV ou sociais na internet.

O show não para jamais, afinal, já dizia Simonal: "...Nesses noventa minutos/ De emoção e alegria/ Esqueço a casa e o trabalho/ A vida fica lá fora/ Dinheiro fica lá fora/A cama fica lá fora/ Família fica lá fora/ A vida fica lá fora..."

Cinquenta e sete exames falsificados. E todos se emocionam com o esporte. Todos amam o esporte. São todos humanos os humanos do esporte?