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Clodoaldo Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

André Brasil segue só contra o inatingível Comitê Paralímpico Internacional

André Brasil exibe as cinco medalhas conquistadas nos Jogos Paraolímpicos de Londres - Guilherme Taboada/CPB
André Brasil exibe as cinco medalhas conquistadas nos Jogos Paraolímpicos de Londres Imagem: Guilherme Taboada/CPB

25/11/2021 19h13

Por Gisliene Hesse

Já imaginou ter uma carreira sólida, sucesso, fãs, objetivos e, de repente, alguém chegar pra você e tirar essa oportunidade sem que você possa fazer absolutamente nada a respeito? Foi o que ocorreu com um dos maiores medalhista paralímpico do Brasil em 2019, quando ele passou por uma reclassificação do Comitê Paralímpico Internacional (IPC) que o tornou inelegível.

Acompanhei de perto a reclassificação do Clodoaldo Silva, em 2008. Clodoaldo, o primeiro multimedalhista brasileiro se viu acuado e foi prejudicado por um sistema, pasmem, sem que sua deficiência, que é paralisia cerebral, tenha progredido. Um dos classificadores à época disse que os movimentos dele tinham melhorado. Mas é óbvio que os seus movimentos melhoraram. O cara treinava cerca de 7 a 8 horas para ser campeão.

Então o que deveria ser feito no caso do Clodoaldo? Um atleta treina para melhorar seus tempos e o classificador justifica que ele melhorou seus movimentos e ele tem que subir de classe. Não dá para chegar para um campeão como o Clodoaldo e falar: Silva, segura a onda na competição, caso contrário, se você tiver muitos resultados, você irá subir de classe. Inimaginável. Não é mesmo? Vai contra tudo que defendemos. Esporte é para superar marcas. Independente se ele é olímpico ou paralímpico.

Vale ressaltar que a maioria dos classificadores são europeus. Não tenho nada contra a Europa, muito pelo contrário, mas eu acabo acreditando que a classificação funcional tem muito que ser melhorada em vários sentidos. Arrisco a dizer que o sistema é falho e precisa ser revisto, antes que mais atletas passem por uma desumanização sem tamanho como a que Clodoaldo foi submetido e André vive no momento.

Não podemos ser ingênuos quando vemos Clodoaldo, André Brasil e até mesmo Daniel Dias prejudicados por um sistema que não é muito claro e que foi feito com a função de ajudar os atletas e, de repente, os excluem. Quem será a próxima vítima?

O IPC se contradiz e tira a sua credibilidade quando reclassifica um atleta como Clodoaldo que tem uma deficiência não progressiva ou torna inelegível um atleta como o André Brasil, depois de 14 anos de carreira. É preciso muito mais do que uma avaliação por olho. André luta por "regras claras, sistema tecnológico, pesquisa e medicina aliados ao sistema classificatório".

Segundo André Brasil, que há dez dias está com uma Vaquinha aberta para angariar fundos para a sua defesa contra IPC, essa batalha não é mais em causa própria. "Essa é uma luta por melhoras para o esporte paralímpico como um todo. Os atletas precisam ser ouvidos. Não podemos mais ser impedidos de falar nesse tema. A luta agora não é mais para eu voltar a nadar, mas para que outros atletas não sejam prejudicados como eu. Precisamos de um sistema coeso e que não prejudique as pessoas. Atletas como eu, Daniel Dias e Clodoaldo Silva, não mudamos nossas deficiências, mas fomos prejudicados por um sistema que não é transparente. Deixou de ser uma causa própria. Alguém precisa ir contra isso. Esse alguém sou eu, independente que eu seja julgado ou criticado", afirmou.

Pegar a luta para si. Esse é o objetivo do André. A gente não poderia esperar menos de alguém como ele. Dono de 14 medalhas paralímpicas, 32 medalhas em campeonatos mundiais e mais muitos outros títulos, André tem um desafio e tanto a ser seguido.

A vaquinha aberta para o atleta é um ato de liberdade. Em abril deste ano, o ex-nadador teve uma negativa da justiça e encontrou dificuldades para decidir os próximos passos. Depois de saber os valores para prosseguir (os tribunais exigem um depósito de 10 mil euros, cerca de 63 mil reais e o IPC exigiu um depósito de 22 mil euros, 137 mil reais, para cobrir despesas legais caso o atleta perca a ação), a primeira decisão tomada foi de seguir o percurso sozinho.

"O Comitê Paralímpico Brasileiro sempre me apoiou, mas acho injusto que o órgão nacional gaste tanto dinheiro com a minha causa. Eu não vou voltar a nadar. Essa quantia pode ser utilizada no esporte como um todo do que em um processo como o meu", afirmou André Brasil.

Não tenho acordo nessa decisão. Para mim, o processo classificatório tem que ser modificado e parar de prejudicar ídolos paralímpicos. Quanto mais influência e participação tiver um processo contra o IPC, maior relevância terá. O IPC não pode ser um órgão inatingível. No caso do Clodoaldo, levamos à Corte do Esporte Mundial e ela nos informou que não tinha capacidade de julgar casos paralímpicos. Quem conhece mais do sistema classificatório do que o IPC? Os Comitês Nacionais? Os próprios classificadores? A justiça conhece do que se trata para julgar? Ou ela vai chamar o próprio IPC para esclarecer? Como as injustiças contra os atletas que são reclassificados poderão ser sanadas? É como se o IPC falasse a água parasse. Até quando?

Que luta, hein André? "Não podemos mais ser impedidos de falar nesse tema. A luta agora não é mais para eu voltar a nadar, mas para que outros atletas não sejam prejudicados como eu. Precisamos de um sistema coeso e que não prejudique as pessoas. Atletas como eu, Daniel Dias e Clodoaldo Silva, não mudamos nossas deficiências, mas fomos prejudicados por um sistema que não é transparente. Deixou de ser uma causa própria. Alguém precisa ir contra isso. Esse alguém sou eu, independente que eu seja julgado ou criticado", ressaltou.

Vaquinha

A vaquinha virtual foi criada no dia 15 de novembro. Os interessados em ajudar podem doar qualquer valor acessando o link da campanha. As doações serão depositadas em uma conta de garantia em um banco alemão para financiar todos os custos processo judicial.

* Este texto foi escrito por Gisliene Hesse, é jornalista, mestre em comunicação e multimídia, ex-coordenadora de comunicação do CPB (2003/2004), participou de coberturas jornalísticas de Jogos Paralímpicos e competições paralímpicas nacionais e internacionais. Atualmente é assessora dos atletas paralímpicos e atua em prol da defesa dos direitos das pessoas com deficiência.