Allan Simon

Allan Simon

Siga nas redes
ReportagemEsporte

Silvio Luiz e Record têm relação histórica que vai para mais um Paulistão

Quando a bola rolar para Corinthians x Guarani, na rodada de abertura do Paulistão 2024, o mundo digital de transmissões verá mais uma vez o narrador Silvio Luiz trabalhar na cobertura de uma edição do estadual. Pelo terceiro ano seguido, o locutor será a voz das transmissões digitais da Record no portal R7 e no PlayPlus, ao lado dos humoristas Bola e Carioca.

Mais que isso: será um novo capítulo na história de uma relação que dura desde os primórdios das transmissões de futebol no Brasil. Silvio Luiz e Record possuem uma longa trajetória que merece ser relembrada na abertura de mais uma temporada.

Nascido na comunicação

Sylvio Luiz Perez Machado de Sousa praticamente nasceu no mundo da comunicação. Filho da locutora Elizabeth Darcy, acompanhava a mãe no trabalho na Rádio São Paulo, como conta o jornalista Wagner William na biografia "Olho no Lance", lançada em 2002 (editora Best Seller).

Elizabeth Darcy foi contratada como garota-propaganda da TV Paulista, que operava no canal 5 de São Paulo e surgiu em 1952. Na década seguinte, comprada por Roberto Marinho, a emissora se transformaria na versão paulista da TV Globo. Dias depois do lançamento da TV Paulista, Silvio Luiz conseguiu nela seu primeiro emprego em televisão, onde fez suas primeiras coberturas como repórter de campo, pioneiro nessa função aos 17 anos.

Mudança para a Record

No ano seguinte, em 27 de setembro de 1953, entrou no a TV Record, fundada por Paulo Machado de Carvalho. A nova emissora também queria entrar nas transmissões esportivas e logo tirou o ex-jogador Leônidas da Silva da TV Paulista, onde ele era comentarista. Leônidas foi quem indicou Silvio Luiz à Record para a função de reportagens no campo. O jovem foi contratado quando o canal tinha apenas 18 dias de existência.

Ainda de forma muito simples e rudimentar como era a televisão na primeira década de funcionamento no Brasil, Silvio Luiz tinha que se virar com as limitações da época, como não ter um retorno de áudio para escutar a transmissão e o que era falado na cabine pelo narrador Raul Tabajara, por Leônidas e pelo analista de arbitragem Flavio Iazetti.

Foi preciso muita criatividade, como conta William na biografia, para inventar soluções como usar o motorista da equipe para dar sinais com o braço (ou com uma lanterna, em jogos noturnos), avisando os momentos nos quais Silvio Luiz deveria fazer suas entradas com as informações diretamente do campo, mesmo sem saber o que fora dito antes.

Silvio foi até ator na Record

A história de Silvio Luiz na Record começava daquele jeito e logo ganharia novas ramificações que podem surpreender sobretudo quem apenas conheceu a versão "narrador". Ainda nos anos 1950, o locutor também virou ator e atuou em novelas da emissora. Foi Silvio quem interpretou "Julinho", um dos filhos da histórica personagem "Dona Lola" na primeira versão da novela "Éramos Seis", ainda nos tempos de capítulos exibidos ao vivo.

Continua após a publicidade

Além disso, Silvio Luiz também atuava no que aparecesse para ele fazer na Record. Foi operador de câmera, produziu e comandou um programa sobre turfe, fez reportagens para um programa de automobilismo apresentado pelo 'Barão' Wilson Fittipaldi, o "Esportes a Motor", e foi apresentador do "Esportevisão". Chegou até a fazer imitações de Elvis Presley no programa "Astros do Disco". Durante um evento de turfe, em 1953, Silvio Luiz conseguiu aos 19 anos a autorização para entrevistar o então presidente Getúlio Vargas durante a transmissão.

Pioneirismo além de São Paulo

Em 1956, Silvio participou como repórter da primeira transmissão interestadual da televisão brasileira, fruto de uma parceria entre TV Record e TV Rio, que operava no canal 13 na capital fluminense, que décadas mais tarde sintonizaria a própria Record do Rio de Janeiro.

Essa primeira transmissão teve Silvio Luiz ao lado de Hélio Ansaldo andando pelo calçadão de Copacabana, entrevistando pessoas, interagindo até com moradores dos prédios. Tudo simples, mas um feito histórico para a época, que surpreendeu muita gente pelo fato de imagens geradas no Rio serem vistas ao vivo em São Paulo.

No mesmo ano, a cadeia formada entre TV Record e TV Rio conseguiu transmitir para São Paulo e Rio de Janeiro, ao mesmo tempo, um jogo da seleção brasileira, novamente com Silvio Luiz na reportagem. Uma partida que a TV Tupi chegou a anunciar, mas não conseguiu exibir para os paulistas.

Um feito histórico novamente, fundamental na batalha contra a Tupi, que tinha saído em vantagem ao fazer uma transmissão de Santos para São Paulo e provocava com o slogan "TV Tupi: 70 km na frente", ao que a Record respondeu com uma transmissão em Campinas e o slogan "Record: 100 km na frente". Os feitos na parceria com a TV Rio levaram um novo slogan: "Record, 500 km na frente".

Continua após a publicidade

Silvio Luiz deixou a TV Record e foi contratado pela Rádio Bandeirantes em 1960. Teve passagens marcante em diversas funções pela TV Excelsior, mas reencontraria a Record no futuro de novo, quando a emissora da família Machado fez um "ataque" à concorrente para tirar profissionais dela.

Em 1965, mais uma passagem de Silvio pela Record começava. Foi até diretor de produção e diretor de TV no canal. Mais tarde, também ficou marcado pela atuação como jurado no programa "Quem Tem Medo da Verdade?", que simulava um tribunal que 'julgava' personalidades da televisão que se sentavam no 'banco dos réus'. Silvio Luiz incorporou para si uma personalidade forte, de acusação e perguntas chocantes, algo que afetou negativamente sua imagem pública, como conta o livro "Olho no Lance".

Surge a fase como narrador na Record

Silvio Luiz ainda manteve participações esportivas nos anos seguintes. Atuou nas reportagens do Sibratel, sigla adotada na época para o "Sistema Brasileiro de Televisão", que não era o atual SBT, mas um pool formado pela Record, Bandeirantes e Gazeta para a transmissão da Copa do Mundo de 1974. Foi seu último trabalho como repórter esportivo.

Em 1976, a Record perdeu seu principal narrador quando Geraldo José de Almeida morreu, aos 57 anos, poucos meses depois de ter chegado à emissora e apenas 15 dias após narrar as Olimpíadas de Montreal.

No ano seguinte, quando a emissora conseguiu o aporte financeiro com a entrada de Silvio Santos como sócio do canal, a Record voltou a apostar no esporte. Silvio Luiz não quis retomar o trabalho como repórter. Acabou escalado para um revezamento com Hélio Ansaldo nas narrações e nos comentários.

Continua após a publicidade

Hélio não se sentiu à vontade na função de narrador e pediu que Silvio assumisse de vez o comando das partidas, ficando como seu comentarista. Surgiu, assim, de vez, o narrador Silvio Luiz. O profissional já tinha narrado partidas esporadicamente até nos tempos da Excelsior, mas agora era algo inédito: virar o narrador principal de uma emissora.

Em 1977, na cobertura do jogo entre Corinthians e Ponte Preta pela final do Campeonato Paulista, duelo que tiraria o Timão de uma fila de 23 anos sem títulos, a Record precisou de um repórter de campo para completar o time formado por Silvio e Hélio. Foi Flávio Prado o escolhido, dando início a uma parceria histórica do jornalista com Silvio Luiz.

Estilo próprio e descontraído virou canhão de audiência

Silvio Luiz logo colocou na função de narrador características que não existiam em profissionais da época. Humor, descontração, ironia, tudo isso fazia parte do pacote. Mas havia também uma outra questão que Silvio defendia na hora de contar a história de um jogo ao vivo na televisão: não era preciso contar o que o telespectador já estava vendo. Era um rompimento com o estilo do rádio, que pela natureza dessa mídia sempre demandou dos narradores a descrição exata de tudo o que acontecia em campo.

Com essa ideia na cabeça, Silvio passou a monitorar mais o que acontecia em campo sem necessariamente ficar atrelado ao movimento da bola. Passou a "antecipar" jogadas, sinalizar opções para os passes, elaborar frases que um torcedor diria nas arquibancadas, como "tá livre na ponta", "encosta pra receber", entre outras.

E emplacou frases históricas e marcantes. "Pelas barbas do profeta", "Pelo amor dos meus filhinhos", "Olho no lance", "Balançou o capim no fundo do gol", "Vai mandar lá no meio do pagode", "queimou o filme", "agora é fechar o caixão e beijar a viúva". Algo totalmente revolucionário e que começou na Record.

Continua após a publicidade

Sem jamais gritar "gol", Silvio Luiz já narrava os gols com o "éééééééééé" que ficou marcado em sua trajetória. Foi na Record, durante a Copa de 1978, que surgiu a versão para gols da seleção brasileira. "É mais um gol brasileiro, meu povo", outra frase que seguiu pelas décadas que viriam.

No dia 6 de novembro de 1981, o sucesso de Silvio Luiz foi tema de reportagem na revista Placar, na época da Editora Abril. "Com seu estilo irreverente, às vezes grosseiro, Silvio Luis (sic) consegue em São Paulo, nas transmissões de jogos pela TV Record, uma proeza que parecia impossível: enfrentar a poderosa Rede Globo de Televisão", dizia a abertura da matéria.

"A hemorragia vem desde o Mundialito (no Uruguai), quando a Record obteve a média de 25,6 pontos de audiência, contra 31,3 da Globo (dados Audi-TV). Nas eliminatórias, a média da Record passava para 24,2 contra 26,2 da Globo", dizia a reportagem da Placar, que citava vitórias da emissora paulista sobre a carioca em jogos do Paulistão nas tardes de sábado.

Fora da Copa? Silvio Luiz e Record deram um jeito em 1982

Entre 1974 e 1998, os direitos de transmissão da Copa do Mundo não eram vendidos diretamente pela Fifa para as emissoras como acontece desde 2002 no Brasil. A OTI (Organização da Televisão Ibero-americana) compra esses direitos e depois repassava a todas as suas emissoras filiadas. Bastava que elas estivessem em dia com suas anuidades e também pagassem uma cota adicional referente ao custo dos direitos. Mas havia uma outra regra.

A OTI exigia que as emissoras também transmitissem outro evento que a entidade comprava, os Jogos Olímpicos, que na época eram muito menores em termos de interesse e divulgação no Brasil. Em 1980, com o boicote do mundo capitalista liderado pelos Estados Unidos às Olimpíadas de Moscou, na União Soviética, houve uma perda natural de apelo do evento, que só a Globo quis transmitir para assegurar o direito de mostrar a Copa do Mundo de 1982.

Continua após a publicidade

A Record não acreditou que a OTI fosse deixar a Copa seguinte exclusiva na Globo. Segundo o livro "Olho no Lance", a emissora paulista também não esperava que a Globo, que dedicava pouco espaço ao futebol em sua grade ao longo do ano, fosse querer a exclusividade da Copa. Se enganou. A Globo fez valer o direito de transmitir sozinha o Mundial na Espanha, apenas liberando seu sinal para a TV Cultura retransmitir.

Rui Viotti, outro nome histórico da mídia esportiva, teve a ideia de colocar Silvio Luiz para narrar na Rádio Record AM e FM, mas fazendo uma transmissão com o ritmo e estilo de televisão, e não do rádio. A emissora comprou os direitos de transmissão no rádio e logo embarcou no projeto, que foi embalado por uma campanha publicitária cujo mote era convencer o torcedor a ver o jogo na Globo sem som, mas com o rádio ligado na Record.

"Veja a Copa na TV, mas ouça com o coração na Record" era a frase usada nas propagandas de TV, jornais e até outdoors. Segundo a revista Veja, em sua edição de 23 de junho de 1982, as primeiras pesquisas de audiência já indicavam o sucesso da estratégia. "Entre os 2,5 milhões de domicílios com rádio na Grande São Paulo, cerca de 200 mil haviam baixado o som da TV Globo para ouvir as bem-humoradas transmissões do inimitável Silvio Luiz, o inflamado locutor da Record Paulista", dizia o texto.

Silvio e a equipe da Record ainda tiveram que montar uma estratégia para que o narrador fosse informado em tempo real quando a Globo colocasse no ar imagens de sua câmera exclusiva, já que diretamente do estádio, na Espanha, o locutor não teria acesso a esses detalhes. O sucesso absoluto fez com que a Bandeirantes avançasse para tentar a contratação de Silvio Luiz e Flávio Prado. Sem sucesso, já que a dupla renovou com a Record e ganhou novos programas.

Na Copa do Mundo seguinte, em 1986, as emissoras tinham aprendido a lição desde antes e transmitiram os Jogos Olímpicos de Los Angeles-1984, mesmo com o novo boicote, um "troco" do bloco comunista liderado pela União Soviética. A Record entrou em um pool com o SBT que acabou batizado de "Unidos, venceremos".

"Clube dos Esportistas"

Com contrato renovado após o sucesso da Copa de 1982, Silvio Luiz e Flávio Prado passaram a ganhar mais dinheiro nos salários, mas também novas responsabilidades, como a de criar dois programas esportivos, um diário e um semanal para as noites da Record.

Continua após a publicidade

Vieram o "Record nos Esportes" e o "Clube dos Esportistas", mas só depois que Silvio convenceu a direção da emissora a reajustar os salários de toda a equipe, já que todos trabalhariam mais, sendo que apenas a dupla mais famosa tinha contrato novo e salários mais altos.

O "Clube dos Esportistas" se transformou em um sucesso absoluto. O formato criado por Silvio Luiz veio com a ideia de criar uma sala onde fossem reunidos esportistas que conversariam, jogariam futebol de botão, fliperama, e o apresentador ficaria passeando pelo cenário para falar com todos os convidados. A "sala" virou "casa", com empregada, campainha, cachorro. O programa não tinha texto. Silvio só sabia quem eram os convidados, o resto seria descoberto ao vivo.

Foram quatro anos de sucesso, mas o "Clube dos Esportistas" não resistiu à péssima situação financeira da Record em 1986 e acabou. A emissora seria vendida anos mais tarde para Edir Macedo, líder da Igreja Universal.

Silvio Luiz foi para a Bandeirantes na equipe de Luciano do Valle em 1987. Migrou para o SBT em 1996, ficou no canal de Silvio Santos até 1998, retornou à Band como comentarista de arbitragem em 1999, voltou a narrar tempos depois. Participou da criação do BandSports na TV por assinatura. Saiu da Band em 2008 e do BandSports em 2010.

No meio disso, em 2009, passou a integrar o time da RedeTV!, onde está até hoje. Com a liberação da emissora, Silvio retomou a história com a Record narrando o Paulistão nas mídias digitais em 2022, repetiu a dose em 2023, e agora começa a terceira temporada do projeto.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes