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Aos 16, fenômeno brasileiro do beisebol ganha mais que Neymar nessa idade

Eric - Andre Penner/AP - Andre Penner/AP
Imagem: Andre Penner/AP

Adriano Wilkson e Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

12/07/2017 04h00

O representante comercial Evandro Pardinho, 39, chegou a cogitar uma mudança em seu número de telefone celular. Foi difícil lidar com o assédio de pessoas que queriam saber mais sobre Eric, o filho dele, de 16 anos.

A despeito de conservar muito de um adolescente típico – espinhas no rosto, sorriso tímido e hábitos como jogar no celular e assistir ao desenho Pokemon, por exemplo –, o garoto virou protagonista em reportagens internacionais e apareceu em veículos como o “New York Times”, o "Los Angeles Times" ou o "Boston Globe". Tudo por ter se tornado detentor do maior contrato da história de um brasileiro no beisebol: aos 16 anos, Eric Pardinho ganha mais do que Neymar, atualmente no Barcelona, faturava nessa faixa etária.

Eric assinou na última quinta-feira (06) um contrato de seis anos com o Toronto Blue Jays, time da MLB (liga profissional de beisebol dos Estados Unidos). 

Ele receberá um salário inicial de US$ 750 (R$ 2.440) com mais um bônus generoso pago imediatamente pelos canadenses de US$ 1,4 milhão (cerca de R$ 4,6 milhões).

Em termos de comparação, Neymar ganhava do Santos em seu primeiro contrato profissional uma quantia bem superior de salário: R$ 20 mil mensais (em valores atuais seria o equivalente a R$ 35 mil, corrigidos pela inflação). Porém, o contrato de Neymar, aos 16 anos, não previa bônus. O Santos tinha apenas um acordo de cessão de direitos de imagens em que pagava R$ 1,7 milhão (R$ 3 milhões nos valores atuais) a NR Sports, empresa de Neymar pai. E esse montante foi pago em várias parcelas até 2011, diferente de Pardinho que recebeu seu bônus à vista.

Os Blue Jays tratam Pardinho como um projeto de longo prazo e esperam que ele ajude a abrir um mercado num país em que a modalidade ainda é incipiente – a CBBS (Confederação Brasileira de Beisebol e Softbol) ainda tenta emplacar um embrião de liga nacional que seja semiprofissional e dure pelo menos três meses, mas não foi além da fase de conversas.

Mas afinal, o que fez um brasileiro valer tanto?

A resposta inicial está no seu braço direito. Pardinho é capaz de arremessar regularmente a 150 km/h, velocidade equivalente à de ventos de um furacão, mas chegou a registrar lançamentos de 154,5 km/h em um jogo-treino realizado há três semanas. Mesmo profissionais dificilmente alcançam essa velocidade – a média na liga americana foi de 149 km/h na última temporada. Segundo o “Guiness Book”, o recorde na história do beisebol foi estabelecido em 2010, nos Estados Unidos, quando Aroldis Chapman atingiu 168,9 km/h.

Pardinho - Danilo Verpa/Folhapress - Danilo Verpa/Folhapress
Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Arremessar rápido é a habilidade mais valorizada no beisebol. Foi por causa dessa potência que Pardinho virou estrela há dois anos, quando representou a seleção brasileira em um Pan-Americano sub-14 na Venezuela. “Eu estava lançando algumas bolas para aquecer. De repente, percebi que muita gente tinha parado para assistir e que alguns olheiros estavam vendo”, relatou o garoto em entrevista concedida no dia da assinatura do contrato com os Blue Jays.

Outro aspecto é a margem de desenvolvimento. Aos 13 anos, quando foi enviado pelo pai ao Centro de Treinamento Yakult, em Ibiúna (SP), Eric tinha um arremesso que passava pouco de 110 km/h, valor considerado bom para a idade (mas não espetacular). A comissão técnica estabeleceu meta de 130 km/h após um ano de treino, e ele atingiu. Depois, subiu o sarrafo para 145 km/h e 150 km/h. O garoto correspondeu.

Conta ainda a personalidade. Descendente de japoneses por parte de mãe, Pardinho começou a praticar beisebol aos seis anos, depois de ter feito alguns arremessos em uma praia e chamado atenção de um tio que já havia praticado o esporte. Desde então, sempre se destacou por uma combinação de boa coordenação e enorme vontade para praticar.

Posição é a mais dura do beisebol

A principal função do pitcher (ou arremessador) é lançar a bola de maneira que o batter (rebatedor) não consiga acertá-la, mas o esforço feito no movimento pode ser brutal para ombros, braços, quadris e pélvis. Glenn Fleisig, um biomecânico que se especializou em esporte, disse que o arremesso do beisebol “é o movimento humano mais violento já medido” em laboratório. O pitcher é, de longe, o atleta do esporte mais sujeito a lesões e cirurgias para repará-las.

Pardinho Eric - Andre Penner/AP - Andre Penner/AP
Imagem: Andre Penner/AP

Após ter entrado no radar de times da MLB, Eric Pardinho chegou a receber pedidos para reduzir o ritmo e sobrecarregar menos as articulações.

Os quesitos técnicos e o perfil, contudo, contam apenas parte da história que o levou a um contrato milionário com os Blue Jays. Pesou também o trabalho do pai dele, Evandro, que chegou a praticar atletismo e vôlei, mas nunca atingiu o profissionalismo no esporte. O progenitor encaminhou o garoto aos treinos em Ibiúna, articulou a contratação do agente Rafa Nieves para representá-lo nos Estados Unidos e participou de forma incisiva na promoção do prospecto.

“É até muito engraçado porque no trabalho eu viajo muito e tenho clientes. Quando eu chego às lojas, como a rede social hoje é muito forte, muitas vezes eu perco um bom tempo falando do meu filho em vez de falar do meu trabalho”, contou Evandro ao UOL Esporte. “Todo mundo quer saber. Não só clientes, mas pais que têm filhos esporte. Alguns me mandaram mensagem perguntando como conduzi meu filho. Vários ligam querendo saber o segredo do sucesso”, completou.

Evandro e Rafa planejaram uma turnê de apresentação para Pardinho nos Estados Unidos. O garoto foi trabalhado de forma cuidadosa, interagiu com franquias e teve tempo para mostrar potencial técnico. As conversas mais detalhadas foram com Cleveland Indians e Toronto Blue Jays. O périplo feito assim, com estratégia e interlocução com diretorias dos times, pode até parecer comum para meninos que sonham com as principais ligas esportivas dos Estados Unidos. Para um brasileiro, foi algo inusitado.

Mercado também explica contrato

Em outra ponta, o contrato de Pardinho com o Toronto Blue Jays é um reflexo de como o mercado está estruturado. Existe um interesse crescente da MLB pelo mercado brasileiro, e uma das consequências desse movimento é a abertura da liga a talentos nacionais.

Desde 2010, a MLB tem aumentado paulatinamente o dinheiro investido no Brasil. A liga desenvolve treinos regulares e algumas franquias mantêm olheiros no país. Em 2012, Yan Gomes tornou-se o primeiro brasileiro nas grandes ligas (estreou no mesmo Toronto Blue Jays e hoje defende o Cleveland Indians). Depois, Andre Rienzo e Paulo Orlando também chegaram ao topo da cadeia evolutiva da modalidade.



O olhar mais acurado da MLB para o mercado brasileiro também teve como reflexo um incremento de presença da liga nas televisões locais. O volume de transmissões aumentou muito durante esta década, em movimento similar ao de outras grandes ligas esportivas dos Estados Unidos (NBA e NFL, principalmente).

“Uma coisa sobre Toronto é que é muito segmentada”, disse Andrew Tinnish, assistente da gerência dos Blue Jays. “É uma cidade multicultural, com pessoas que têm backgrounds diferentes. É uma sociedade multifacetada, e esse contexto é mais favorável para a construção de um ídolo de fora”.

Pardinho será um milionário na “capital do ovo”

A família Pardinho vive em Bastos, município do interior de São Paulo conhecido como “a capital do ovo”, que se orgulha da intensa produção de suas granjas. A população, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é de pouco mais de 20 mil habitantes. A renda mensal é inferior a quatro salários mínimos (R$ 3,4 mil), e o PIB per capita foi de R$ 33,7 mil anuais em 2014 (122ª posição entre 645 cidades brasileiras).

Os R$ 4,6 milhões que Pardinho ganhará ao fim de seus seis anos de contrato provavelmente o farão uma das pessoas mais bem pagas da cidade.

“Tenho alegria de falar que meu filho é muito especial e que isso não acontece apenas por causa do beisebol”, ponderou o pai Evandro, que admitiu que não conhecia muito as regras do esporte antes do filho começar a praticá-lo. “Ele não se importa muito com coisas materiais, dinheiro ou quanto ganha. Sempre manteve o jeito dele. É um jovem, tem seus desejos de jovem, mas tem uma base muito grande desde quando se integrou ao esporte. Conversamos todos os dias e falamos de tudo. Sou um grande amigo dele, e ele me ouve muito. Isso já é um passo muito grande – muitos meninos de 16 anos nem ouvem os pais. Aí se torna mais tranquila a condução da carreira dele”.

Idioma e distância da família: os desafios para o brasileiro

Pardinho só vai debutar nas ligas menores em 2018. Até lá, cumprirá estágios na República Dominicana e nos Estados Unidos. Existe um plano de médio e longo prazo para o brasileiro, com ênfase em adaptação cultural e aulas de inglês.

“Temos aulas de inglês em todos os dias na República Dominicana e na Flórida”, disse Andrew Tinnish, dos Blue Jays. “O grupo vai ficando menor a medida que os garotos sobem e se integram mais à vida e à língua local, mas é algo que consideramos muito importante. Pense que é como se um de nós tivesse de jogar beisebol na Rússia, no Japão ou em outro lugar sem dominar o idioma. Os desafios do dia a dia, como comprar comida e ir ao banco, seriam ainda mais complicados. Sabemos que desafios existirão para jogadores jovens como Eric, mas nosso trabalho é ajudá-los a passar por isso. Vamos trabalhar nisso desde o dia 1. Não é um experimento de um ano; é algo para dez, quinze ou até 20 anos. Estamos nessa pela bola longa e por uma carreira que tenha muita longevidade”, adicionou.

Pardinho já vive sozinho há quatro anos, desde que se tornou o mais jovem integrante do CT em Ibiúna. Ainda assim, terá de lidar com a realidade de estar em um país diferente e não poder conviver com a família – os pais têm planos de migrar para o Canadá em 2018.

“Acho que todo pai, quando coloca o filho no esporte, pensa que um dia ele vai se tornar um grande atleta. Quando a gente vê um sonho se realizando, fica muito feliz e abre um novo projeto. O novo sonho é vê-lo morando em outro país, jogando em uma liga mais forte e crescendo até chegar à MLB. A partir daí, chegar muito bem e – por que não sonhar? – como número 1 da equipe que ele vai estar representando”, explicou Evandro.

Se isso realmente acontecer, os Pardinhos provavelmente vão precisar de telefones celulares novos.