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Retomada das relações com a Venezuela pode resolver drama de yanomamis

Atuação ilegal de garimpeiros brasileiros nos territórios yanomamis na Venezuela tem levado violência e crise sanitária aos indígenas.  - Grupo de Investigaciones sobre la Amazonía.
Atuação ilegal de garimpeiros brasileiros nos territórios yanomamis na Venezuela tem levado violência e crise sanitária aos indígenas. Imagem: Grupo de Investigaciones sobre la Amazonía.

Tainah Ramos

Colaboração para Ecoa, em São Paulo (SP)

17/02/2023 06h00

No dia 21 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viajou à Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima, para apurar a situação da etnia. As fotos compartilhadas pelo governo e pela imprensa de casos de desnutrição e doenças entre os indígenas logo virou alvo de desinformação.

O blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, investigado no inquérito das fake news e das milícias digitais, seria autor da fake news - checada pelo UOL - de que as imagens eram de refugiados venezuelanos no Brasil e não do povo que habita o país.

No entanto, a realidade do povo yanomami do lado da Venezuela não é nem de longe diferente do lado de cá da fronteira. Porém, ao contrário do que influenciadores e parlamentares aliados ao ex-presidente compartilham, a situação do lado de lá é causada justamente pelos garimpeiros brasileiros.

Informe do projeto SOS Orinoco, que analisou o período entre agosto de 2020 e maio de 2022, mostra que eles atuam principalmente na área de fronteira, na Serra Parima, nas nascentes dos rios Ocamo e Metacuni, onde vivem indígenas das etnias yanomami, sánema e ye'kwana. Essa é uma área de difícil acesso e onde não há um monitoramento contínuo do governo venezuelano.

Tanto as terras indígenas quanto a presença de garimpeiros ilegais se estendem por toda a região do Alto Orinoco, onde se encontra um dos principais rios da América do Sul.

Se, do lado brasileiro, o território ancestral atacado está demarcado, com todos os aparatos legais, do lado venezuelano a terra yanomami ainda não teve sua demarcação concluída.

Desde 1999, a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) julgou que a Venezuela tem obrigação de garantir seus direitos sociais, especialmente o direito à saúde. "O que claramente não está sendo cumprido, já que no Alto Orinoco há muitos garimpeiros exercendo mineração ilegal, devastando o ambiente, o rio mais importante do país e gerando severos impactos sociais e culturais aos yanomamis", afirma o diretor geral do Griam (Grupo de Investigações sobre a Amazônia), Luis Betancourt Montenegro.

Uma cronologia cruel

1 - Grupo de Investigaciones sobre la Amazonía. - Grupo de Investigaciones sobre la Amazonía.
Garimpo Ilegal na Amazônia venezuelana. Fotografia de janeiro de 2023.
Imagem: Grupo de Investigaciones sobre la Amazonía.

Não é apenas o Estado venezuelano que não corresponde aos julgamentos da CIDH. Em julho de 2020, em meio à pandemia, o governo brasileiro ignorou o parecer pedindo providências quanto à situação dos povos yanomami e ye'kwana, que estariam em estado de gravidade e urgência, com seus direitos diante de danos irreparáveis, como aponta o SOS Orinoco.

Em agosto de 2021, organizações indígenas que representam os povos ye'kwana y sánema no município de Manapiare, no estado do Amazonas (Venezuela), denunciaram à Defensoria Delegada do Povo que havia mais de 400 garimpeiros brasileiros "fortemente armados" em seus territórios.

Já em novembro de 2022, o Observatório de Ecologia Política (OEP) da Venezuela registrou que pelo menos quatro indígenas foram assassinados por "grupos armados estrangeiros que controlam a exploração de ouro" ao longo do ano passado.

A situação de vulnerabilidade, porém, não é apenas em relação à violência imposta aos povos originários, mas também pela crise sanitária, com proliferação de doenças, como a malária, e a desnutrição. As consequências do garimpo ilegal na região são contaminação das águas por mercúrio, que contamina os peixes e, assim, acumula-se em todos os organismos da cadeia alimentar.

Antes mesmo do crescimento da invasão garimpeira dos últimos quatro anos, uma pesquisa publicada em 2011 pela Fundación La Salle analisou amostras de cabelo de mulheres que vivem próximas ao rio Caura (afluente del Orinoco) e 92% delas já estavam com concentração de mercúrio superior ao recomendado pela Organização Mundial da Saúde.

Ações conjuntas

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Estima-se que 15 mil Yanomami vivam do lado venezuelano.
Imagem: Grupo de Investigaciones sobre la Amazonía.

Para Montenegro, a retomada das relações diplomáticas entre Brasil e Venezuela é também um momento de esperança para que os governos trabalhem juntos para resolver a situação dos povos originários na fronteira e a mineração ilegal.

Os Yanomami não sabem se estão no Brasil ou na Venezuela, eles sabem apenas que estão em seu território há séculos. Para eles, não existem essas fronteiras políticas e ideológicas. Eles estão apenas andando no seu próprio território e isso deve obrigar os governos a adotar uma política de coordenação conjunta para garantir seus direitos, Luis Betancourt Montenegro.