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Quais os caminhos para combater a discriminação? Especialistas respondem

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Imagem: iStock

Antoniele Luciano

Colaboração para Ecoa, de Curitiba (PR)

23/04/2022 06h00

O Brasil iniciou 2022 se comprometendo internacionalmente a formular e implementar políticas que gerem igualdade de tratamento e oportunidades para todas as pessoas. Esse compromisso faz parte da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, do qual o país é signatário há nove anos, mas que só foi aprovada pelo Senado em janeiro.

Por ter status de emenda constitucional, o documento é considerado entre especialistas da área de Direitos Humanos como um avanço para prevenir, eliminar, proibir e punir práticas discriminatórias. Mas que tipo de práticas são essas? No contexto brasileiro, quem são os públicos atingidos pela discriminação? Como combater esse problema a longo prazo? Ecoa ouviu especialistas para responder essas e outras questões.

O que é discriminação?

Presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil da Seção Paraná (OAB-PR), Cássio Prudente Vieira Leite explica que a discriminação consiste no tratamento injusto ou depreciativo, que pode ocorrer em razão de aspectos como idade, etnia, gênero, orientação sexual, condição social, religião ou eventual deficiência. A prática pode levar à exclusão ou mesmo segregação social. "É ter dois cargos idênticos, mas com salários diferentes para homens e mulheres. Ou ainda uma empresa se negar a contratar pessoas homossexuais. É um agir depreciativo em relação ao outro", observa.

Na prática, complementa o procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, esse tipo de situação contraria o que a Declaração Universal dos Direitos Humanos traz em seu artigo 1º — que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. "Vamos encontrar também na própria Declaração dos Direitos Humanos a perspectiva de que todos têm capacidade de gozar os direitos estabelecidos, sem qualquer distinção. A nossa Constituição Federal também estabelece como objetivos fundamentais promover o bem de todos, sem preconceito de raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação", salienta o procurador, que é atual coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos, do Ministério Público do Paraná (MP-PR).

Quais os tipos de discriminação existentes?

Conforme o procurador de Justiça, embora possam envolver diferentes públicos, cabe estabelecer uma distinção entre discriminação do ponto de vista positivo e negativo. Ele assinala que esses conceitos consideram que a igualdade da qual a Constituição Federal trata é uma igualdade formal e que apenas o fato de estar presente na legislação não estabelece reais condições de isonomia entre as pessoas. "Existem pessoas que são desiguais na realidade social. Quando falamos em discriminação positiva, pensamos que a lei deve tratar de maneira desigual aqueles que são desiguais nessa realidade, privilegiar aqueles que são perseguidos, vítimas de opressão", observa. Esse tipo de ação faz parte do mecanismo das ações afirmativas.

Já a discriminação negativa é aquela contra a qual o ordenamento jurídico brasileiro prevê proibição e punição. Ao invés do tratamento privilegiado para tentar estabelecer igualdade, essa prática é prejudicial porque cria situações injustas. Há ainda uma diferença entre a discriminação negativa direta, na qual é expressa a intenção de discriminar, e a negativa indireta, por sua vez, mais sutil. "São práticas aparentemente neutras, mas que são discriminatórias. Por exemplo, embora não se tenha no momento do recrutamento uma regra para contratação somente de pessoas brancas, na prática, só existem funcionários brancos na empresa ou só pessoas brancas ascendem a cargos importantes", pontua Sotto Maior Neto.

Como a lei trata os casos de discriminação negativa?

Esse tipo de discriminação pode ser punido como crime de racismo, quando a ofensa é direcionada ao coletivo, ou injúria, quando se ofende a dignidade de uma pessoa. Se a injúria consiste no uso de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, como prevê o artigo 3º do Artigo 140, do Código Penal, há um agravamento. É uma injúria racial, qualificada, com previsão de detenção de três meses a um ano e multa. "A injúria racial tem uma multiplicidade de situações. Tem esse nome, mas não envolve apenas raça. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal inseriu, nesse contexto, a LGBTfobia", acrescenta o procurador do MP-PR.

Hoje, a injúria racial também é considerada um crime imprescritível, ou seja, que não tem prazo para gerar uma ação penal, assim como o racismo. O crime de racismo, contudo, é inafiançável e tem pena prevista de 2 a 5 anos de prisão e multa.

Caso alguém seja vítima de discriminação, deve-se procurar uma autoridade policial para registro de ocorrência.

Os casos de discriminação aumentaram nos últimos anos ou assunto está sendo mais discutido?

Para o procurador Olympio de Sá Sotto Maior Neto, hoje se fala mais sobre o assunto. Ainda assim, ele acredita que a discriminação persiste devido à falsa cultura de democracia racial no Brasil e à ideia de que determinadas condutas não constituem injúria ou racismo, como o uso do humor para expressar hostilidade em relação a minorias raciais. "É querer inserir isso em um contexto de cordialidade racial. Mas não há dúvida de que essas práticas são criminosas e podem constituir tanto injúria racial quanto o próprio racismo", sustenta.

Cássio Prudente Vieira Leite, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-PR, observa que, de 2018 para cá, houve um embate maior envolvendo esses temas. Ele analisa que existem pessoas que estão mais conscientes sobre o problema. "Temos visto ações em estádios de futebol em que pessoas que se portam de maneira ofensiva em razão de raça, por exemplo, são seguradas até as autoridades chegarem. Isso mostra que as pessoas estão entendendo que isso merece algum tipo de penalização. Ninguém tem liberdade de expressão para ofender o outro", avalia.

Quais os caminhos para combater a discriminação na sociedade?

Essa empreitada passa pela superação de uma cultura colonial que levou à desumanização de grupos populacionais, como negros e indígenas, argumenta Sotto Maior Neto. "Por isso a importância da legislação que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena na escola", defende.

Leite também sinaliza que o combate à discriminação passa essencialmente pela educação. Contudo, ressalta, é preciso desenvolver um trabalho com diferentes gerações, não apenas com os mais jovens. "Temos que cuidar também dos adultos a partir de campanhas de conscientização, grupos de discussão, para que todos aprendam a ter mais empatia. Essa geração mais antiga teve uma formação racista, mas precisa evoluir, estar disposta a superar isso", propõe.