Muito antes do BBB, Linn da Quebrada mostrava a que veio em 'Bixa Travesty'
Demorou, mas os participantes do BBB que estavam isolados após testarem positivo para covid finalmente entraram no programa. Mas uma delas, a atriz e cantora Linn da Quebrada, mesmo antes de se tornar uma sister e ser vigiada por câmeras 24 horas por dia, já tinha deixado uma porta aberta para a gente espiar um pouco de sua vida.
Lançado em 2018 no Festival Internacional de Cinema de Berlim e disponível para compra ou aluguel no YouTube, o documentário "Bixa Travesty", que não é recomendado para menores de 18 anos, mistura cenas de shows, entrevistas e momentos íntimos para nos apresentar quem é a artista — e a pessoa por trás dela.
Logo no início, quando aparece preparando um estrogonofe na cozinha de casa enquanto conversa com a mãe e duas amigas (sendo a cantora Liniker uma delas), já dá para saber o que esperar do filme. A intimidade entre elas é uma constante e dá o tom do documentário. Assim como o afeto e a sensibilidade em tratar de assuntos diversos da vida de uma pessoa transexual, negra e favelada.
Relembrando os momentos em que a pobreza era tanta que ela e Liniker precisavam procurar comida no lixo, Linn nos relembra da importância de não normalizar esse tipo de situação, de não nos deixarmos acreditar que a vida é assim mesmo.
Quando a mãe dela, dona Lilian, diz que esses momentos de dificuldade acontecem para que elas pudessem valorizar mais os tombos e as conquistas que alcançaram, a artista é categórica: "Nada a ver, mãe! Isso daí é só uma conversa para gente ficar conformada com nossa situação e fazer a gente falar: 'tá vendo? A pobreza é boa!' É uma romantização da pobreza! Comer bem é o mínimo, não é não? É o mínimo para pensar direito, para ficar bonita..."
No documentário, Linn é muitas. É filha, amiga, bagunceira — a ponto de perder uma luva usada por Ney Matogrosso na época dos Secos e Molhados e tomar puxão de orelha das amigas por isso —, conselheira, poderosa, confiante e a todo momento se mostra vulnerável e sensível de um jeito que só uma pessoa muito corajosa seria capaz de fazer.
Entre choros vendo fotos antigas, ela conta e mostra os momentos que viveu enquanto tratava um câncer testicular em 2014, quando afirma ter tomado ainda mais consciência de seu próprio corpo. Já sem cabelo e mais debilitada por causa da quimioterapia, era com arte que Linn preenchia o ambiente frio e inóspito do hospital. Uma sacola plástica foi o suficiente para ela criar uma máscara e performar para as lentes de uma amiga que registrava aqueles momentos.
Já recuperada da doença, o corpo da artista continua como um dos protagonistas do documentário nos anos que se seguiram. Linn o tempo todo se questiona sobre ele. E questiona a percepção de outras pessoas sobre ele. Não entende como alguém ainda pode olhar para ela e enxergar um homem.
Mas o tempo todo se abraça e se beija — literalmente —, reafirmando que o corpo de uma mulher pode ser muito mais do que a sociedade enxerga. Reafirmando que cada uma pode ser o que quiser. Que uma mulher pode ter ou não ter muitas coisas. Inclusive um pênis e continuar sendo uma mulher, por exemplo.
Apesar de "Bixa Travesty" ser um documentário sobre o amor (ou a falta dele para uma mulher transexual), intimidade, dificuldades, dúvidas e tantas outras coisas que permeiam a vida de Linn da Quebrada, é olhando para ela que nos questionamos sobre nós, principalmente sobre o nosso jeito de existir nesse mundo. E sem medo de ser muitas, sem medo de ser de um jeito e depois querer ser de outro. Como ela própria diz na obra:
"Acho que por ter medo de não pertencer, eu acabei inventando um lugar para mim mesma para que eu pertencesse, pelo menos, a mim. Já que não tem um lugar que me cabe, então que eu inventasse um espaço que me coubesse. Mas que também é temporário. Não quer dizer que eu vou caber aqui pra sempre. Logo eu acho que vou precisar ir para outros lugares".
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