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Hit na rede e recorde no Catarse, HQ 'Confinada' será doada a bibliotecas

A infuenciadora Fran, personagem da HQ "Confinada" - Todavia/Divulgação
A infuenciadora Fran, personagem da HQ 'Confinada' Imagem: Todavia/Divulgação

De Ecoa, em São Paulo (SP)

26/11/2021 06h00

Uma influenciadora "good vibes" branca e uma empregada doméstica negra passam a quarentena no apartamento da primeira. Nessa convivência, a patroa Fran se mostra desconectada da realidade e sem empatia. Já sua funcionária, Ju, se mantém em contato com os mais afetados pela pandemia e não deixa de confrontar a outra em relação aos seus privilégios e comportamentos.

Essa é a premissa de "Confinada", série de quadrinhos criada por Leandro Assis e Triscila Oliveira que conquistou milhares de leitores nas redes sociais e foi reunida em livro, publicado pela editora Todavia em novembro.

Ju e familia - Todavia/Divulgação - Todavia/Divulgação
Ju, sua mãe e sua filha, personagens da HQ 'Confinada'
Imagem: Todavia/Divulgação

Centenas de exemplares (600, no total) serão doados para 100 bibliotecas comunitárias de todas as regiões do país e para outras entidades de SP — a Casa Laudelina de Campos Melo, a ONG Ação Educativa e a Bienal da Quebrada. Outros 220 volumes de títulos diversos da editora irão para a Biblioteca São Paulo, no Parque da Juventude.

Para viabilizar as doações, a HQ foi colocada em pré-venda no Catarse e se tornou o quadrinho com maior número de apoiadores na história da plataforma de financiamento coletivo. Foram 7.859 pessoas, que ajudaram a arrecadar mais de R$ 600 mil — quase nove vezes a meta inicial de R$ 69 mil.

"Desde que a gente vinha fazendo 'Os Santos' [série anterior dos autores], eu e a Triscila conversávamos sobre a possibilidade de virar livro e ter uma ação desse tipo, porque isso está no coração do que é 'Confinada'. Se a gente só vendesse os livros, estaria mantendo os excluídos, quem não tem esse acesso, de fora dessa história. Fazia todo sentido pra gente fazer alguma espécie de doação", disse a Ecoa o roteirista e quadrinista Leandro Assis, um dos autores da HQ.

Impacto da série nos leitores

Leandro Assis conheceu Triscila Oliveira, coautora de "Confinada", a partir da tira "Os Santos", publicada anteriormente por ele no Instagram. A ativista e escritora se identificou com o retrato da série sobre uma família rica da zona sul carioca e sua relação com as trabalhadoras domésticas que emprega.

"Eu comentei na tira, despretensiosamente como interagimos nas redes sociais. Mas o comentário virou um relato, pois eu fui faxineira, minha mãe se aposentou como faxineira, minhas tias e primas ainda trabalham na faxina. Isso é uma herança colonial que se mantém intacta no Brasil", disse.

O comentário deu início a uma troca que acabou levando a um convite de Leandro para escreverem a série juntos. Com a pandemia de covid-19, eles criaram "Confinada", spin-off focado nas personagens Fran e Ju.

Na série, o apartamento da influenciadora é um microcosmo de dois Brasis e da maneira como cada um vivenciou a pandemia de covid-19.

trecho confinada - Todavia/Divulgação - Todavia/Divulgação
Trecho da HQ 'Confinada'
Imagem: Todavia/Divulgação

O Brasil de Fran é o das pessoas mais privilegiadas, que não tiveram sua renda comprometida e puderam ficar em casa, enxergando até mesmo "oportunidades" nesse cenário. Já o de Ju é o Brasil dos que precisaram se expor para garantir o sustento da família, ficar longe para protegê-la e viveram a angústia de ter pessoas próximas doentes, sem acesso a tratamento, e em dificuldade financeira.

O drama desses contrastes está presente na série, mas ela também traz um olhar mordaz e cômico para o universo da patroa rica.

Segundo os autores, o retrato desse choque de realidades reverberou nas redes por dialogar com o que vinha acontecendo na pandemia. Muitos leitores enviaram mensagens dizendo que suas histórias estavam sendo contadas na tira.

"'Confinada' não é uma ficção, se tornou um documento histórico desse momento de pandemia no Brasil."
Triscila Oliveira
Ativista e coautora da HQ

Assis conta que essa recepção veio de pessoas que se identificaram com a doméstica Ju, mas também de um público mais conservador, do estrato social de Fran, a quem o quadrinho ajudou a repensar certos valores e comportamentos.

O livro traz algumas tirinhas inéditas, que criam um final feliz para Ju — e não tão feliz para Fran. "A gente mostra ali uma uma saída pra Ju através de um pouco de solidariedade, de um pouco de rebeldia dela. Minha impressão é que estamos precisando disso no Brasil", disse Leandro Assis.

Para o autor, "Confinada" e "Os Santos" tratam da necessidade de mudar o país — o que, para ele, vai acontecer com o protagonismo de pessoas como a personagem Ju. Já as "Frans" podem até rever individualmente sua conduta, mas ele acredita que, como classe, elas não abrirão mão de seus privilégios.

"Acredito que exista esperança para pessoas como a Fran, mas elas precisam querer. Se as pessoas querem realmente ver a mudança no mundo, ela precisa começar nelas mesmas", complementou Triscila Oliveira.