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Katiúscia Ribeiro sobre caso Carrefour: Brasil se nega a reconhecer racismo

A filósofa Katiúscia Ribeiro - Dani Villar/Arquivo Pessoal
A filósofa Katiúscia Ribeiro Imagem: Dani Villar/Arquivo Pessoal

Cléberson Santos

Colaboração para Ecoa, de São Paulo

24/11/2020 04h00

"O falecimento do Beto demonstra que esse país nunca se responsabilizou de fato com as pautas raciais. O Brasil se nega a reconhecer o racismo, nós não conseguimos frear as violências raciais. Homens negros morrem porque historicamente há uma negligência e um apagamento da história, que subalterniza os povos negros na própria história", afirmou a filósofa Katiúscia Ribeiro após João Alberto Silveira Freitas, um homem negro, ter sido asfixiado e espancado por seguranças numa loja da rede Carrefour em Porto Alegre (RS) às vésperas do Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro.

O caso gerou revolta, tomando o país por protestos em diversas cidades. Katiúscia compartilhou sua visão sobre o caso e o racismo estrutural presente na sociedade brasileira durante participação em uma live da UM BRASIL, da FecomercioSP, em parceria com a BRASA (Brazilian Student Association), na sexta-feira. A filósofa discorreu sobre as características sociais que levam à certeza de que o assassinato foi um crime pautado na raça.

Durante a conversa mediada pela jornalista Joyce Ribeiro Katiúscia se aprofundou ainda na questão do apagamento histórico da negritude e seus saberes ao citar o "epistemicídio", termo usado por teóricos e ativistas do movimento negro para definir o esforço da cultura ocidental em não reconhecer a cultura e o conhecimento da população negra.

"É a negação da história negra na própria história. Quando você mata o conhecimento, você mata uma história e mata os agentes dessa história. O epistemicídio chega antes do soco que deram na cara do Beto. História é poder, se você tira a história de um povo e apresenta para o mundo apenas uma história de açoite e chicote, qual a imagem no inconsciente que nós faremos dessas pessoas? Que elas são eternamente subalternizadas."

Segundo Katiúscia, que é gaúcha e doutoranda em filosofia africana, o epistemicídio é capaz de explicar porque não haveria uma violência semelhante caso a vítima fosse uma pessoa branca: "é porque você entende que a pessoa branca tem a garantia de validação humana, porque ela construiu o mundo, construiu a civilização".
Outro conceito apresentado por Katiúscia e que ajuda a entender a violência contra pessoas negras no Brasil é o de zoomorfização, que aproxima a criatura humana do animal.

"Nós estamos diante de um processo de desumanização, esse lugar de animalização histórica dos corpos das pessoas negras, nos quais nossos corpos, nossas vidas não têm validade e não tem importância", explica a filósofa.

Ainda sobre a data do 20 de novembro, Katiúscia diz que é um momento para "celebrar pequenos feitos", mas também de organização e diálogo da população negra: "isso nos faz entender como o racismo opera, como ele é estritamente violento e, como diz Silvio Almeida, como ele é a base que estrutura as relações sociais. É por isso que nós continuamos morrendo".