Não é simples afirmar se uma comunidade é ou não uma ecovila, uma vez que não existem critérios específicos e universais, mas a junção de algumas características a distinguem das demais comunidades intencionais ou projetos ecológicos: o foco na vida comunitária, a busca pela sustentabilidade, a gestão participativa e a preocupação com o ensino e o treinamento.

A variedade é grande, e as soluções mais ainda. Considerada a de maior população no Brasil e baseada em uma antiga fazenda de cocos, a ecovila Inkiri Piracanga, no litoral da Bahia, tem por volta de 200 moradores e fabrica até produtos de higiene e de limpeza biodegradáveis para vender fora de seu território — tudo começou porque o lençol freático da área é muito raso e havia o perigo de contaminá-lo com produtos convencionais.

Por lá, foi adotado o lema "quem fala faz; quem gosta ajuda; e quem não gosta apoia" para que uma opinião não valha se não for acompanhada de um direcionamento para a mudança.

Por seu lado, na ecovila Karaguatá, na cidade de Santa Cruz do Sul (RS), há um guarda-roupa coletivo, com boa quantidade de roupa de vários tamanhos, para aumentar o senso de comunidade e diminuir o de propriedade. Cada uma de sua forma, as ecovilas criam um ambiente favorável para o desenvolvimento pessoal e comunitário, estimulando o engajamento social na construção de uma nova forma de vida. Procuram estabelecer relações harmônicas, respeitando os ecossistemas e os contextos socioculturais nos quais estão inseridas.

São locais onde grupos humanos estão buscando reassumir o controle sobre aspectos fundamentais de suas vidas, como a geração de energia e a produção de alimentos. É o caso da ecovila El Nagual, área que preserva 98% de mata nativa encravada no sopé da Serra dos Órgãos, em Magé (RJ), com quatro nascentes de água cristalina e até uma pequena usina hidrelétrica, que quebrou no início do ano.

Com a pandemia, sua população fixa reduziu de cinco para duas pessoas, o casal formado pelo alemão Eraldo Kalloch e a argentina Mariana Devoto. "Nossos recursos vinham dos cursos e vivências de permacultura e bioconstrução, mas tivemos que suspender. Agora, no fim do ano vamos retomar com menos pessoas e menor duração", disse Kalloch. Esses cursos são estendidos gratuitamente para a população vizinha de agricultores como forma de deixar mais um legado para a área.

As primeiras ecovilas surgiram na década de 1960. Os exemplos mais perenes são os de Findhorn (Escócia), fundada em 1962 e que atualmente tem 400 moradores, usinas eólicas e tratamento próprio do esgoto; e de Auroville (Índia), criada em 1968 e que agora tem quase 3.000 habitantes (metade de indianos, mais pessoas de outros 54 países) e dinheiro próprio.

Ao pensar em comunidades intencionais, os casos mais clássicos são os falanstérios, criados no século 19 pelo socialista utópico francês Charles Fourier, que influenciaram iniciativas na Europa, EUA e até no Brasil. Eram prédios plantados no meio do campo que, por meio de um cooperativismo, integravam produção agrícola e industrial. O modelo teve curta duração.

Outros exemplos foram as comunidades alternativas fundadas pelo movimento hippie, as fazendas coletivas kibutzim em Israel, o movimento cohousing surgido na Dinamarca e as fazendas de permacultura na Austrália.

Um dos principais movimentos que influenciou o nascimento das ecovilas foi o ambientalismo das décadas de 1970 e 1980, que contestou duramente o conceito de desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico.

No Brasil, as ecovilas apareceram nesse momento, e El Nagual, estabelecida em 1989, é uma das primeiras. Por essa época, começa a ser criada uma associação internacional para interligar as experiências no mundo todo, a GEN. Em 1995, ela surge a partir de um encontro mundial em Findhorn.

O movimento chegou oficialmente ao Brasil em 2002, quando foi realizado o primeiro treinamento em ecovilas, organizado pela ENA, sigla em inglês para Rede de Ecovilas das Américas. Essa rede foi rearticulada em 2012 e se emancipou para a Casa (Conselho de Assentamentos Sustentáveis das Américas), que cuida da rede latino-americana, e a Casa Brasil. Hoje em dia, há 88 ecovilas mapeadas no Brasil pela associação, e há pelo menos mais sete a caminho.

"Aqui ultrapassamos a barreira das ecovilas, tropicalizamos o movimento e incluímos aldeias indígenas, as áreas quilombolas e grupos de agroecologia para ter uma articulação mais forte de vários atores", conta Henny Freitas, coordenadora do Casa Brasil e moradora da ecovila Aratikun, que está encostada na reserva da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e preserva 120 hectares de cerrado. Depois de conhecer dezenas de ecovilas pelo mundo, Henny decidiu se estabelecer por ali. "Vim para dar um curso de permacultura em 2017 e não saí mais", lembra.

"Não há uma receita de bolo. Há muitos formatos, e as regras vão mudando ao longo do tempo. Os conflitos são inevitáveis e são um convite a aprofundar os relacionamentos. Jogar os problemas para debaixo do tapete é desperdiçar um tesouro. Nas ecovilas, não existe o óbvio, porque são espaços internacionais, muita gente de diferentes países. Então, o que é óbvio para um não é para o outro."

O resumo é de Taísa Mattos, após estudar e viver em várias iniciativas. Só para ilustrar suas andanças: no início da pandemia estava em Findhorn (Escócia), voltou para o Brasil, mas não conseguiu chegar a Piracanga, porque já estava fechada, e ficou de quarentena em Búzios (RJ).

Desde Alto Paraíso (GO), Henny dá aulas de sociocracia pela internet. O método ajuda na tomada de decisões. "Às vezes, para achar um consenso demora-se dias em busca da decisão perfeita, que, no final, tende a ser a mesma de sempre, sem ousadia. Pela sociocracia, buscamos o consentimento de todos, decidimos fazer o que é seguro, mas nos permitimos pequenos erros. Fazemos, aprendemos, melhoramos. As reuniões têm duas horas para sair com uma decisão", explica.

Nesse sistema de governo em que as decisões são tomadas por todos, há horizontalidade, com centro vazio e, por vezes, uma liderança circular: ninguém manda em ninguém. Há mediadores e facilitadores para ajudar nas conversas. E uma técnica para não descambar no bate-boca é usar a comunicação não violenta.

O convívio em grupo é um desafio tão grande quanto achar meios para a ecovila se manter economicamente. Edson Hiroshi, 65, sabe disso. Depois de se formar em agronomia, foi morar em uma sociedade alternativa na fazenda de um tio de um amigo no Mato Grosso. "Era todo mundo cabeludo e ingênuo. Gastei tudo o que tinha. E perdi tudo depois que o tio vendeu as terras", relata.

Depois de criar as filhas em um sítio comunitário com outras famílias, ele planejou em Piracaia (SP) a ecovila Clareando, com 95 lotes particulares em uma área de proteção ambiental com cinco nascentes e mais de 80 pés de araucárias. Lá, há um pomar, uma horta e uma plantação comunitária de milho, feijão, mandioca e batata doce - tudo cercado para evitar o ataque dos javaporcos das redondezas. Fora isso, as pessoas podem plantar em seus terrenos. "Faço tapioca e troco por ovos com meu vizinho que tem galinha".

Os moradores da Clareando ajudam as áreas vizinhas reflorestando com bola de sementes após as frequentes queimadas na região, além de fazer doações de alimentos quando há superprodução por lá.

Para ele, é importante a cola do grupo, ou seja, o motivo por trás da reunião naquele território. "Pode ser algo espiritual, algo com a região ou algo com alguma técnica agrícola, mas tem que ter para as pessoas continuarem juntas", argumenta.

Também é essencial um tempo de transição e preparo técnico, afinal, sobra idealização e falta conhecimento de como lidar com os recursos (naturais e financeiros) já que os diplomas das cidades pouco servem para a vida no campo. No Brasil, essa transição costuma durar de seis meses a dois anos, segundo Taísa.

As ecovilas formam um movimento propositivo, oferecendo modos de recombinar a humanidade com a natureza, em vez da tática de "lutar contra". Seu método é o da experimentação, ou seja, elas funcionam como verdadeiros campos de teste, criando e investigando ferramentas, metodologias e tecnologias para viabilizar uma forma de vida mais integrada e de menor impacto.

Além disso, são espaços que oferecem programas de voluntariado e aprendizado de novas práticas e princípios. São laboratórios em organizações baseadas em cooperação e não em competição, em compartilhamento de bens materiais e não no acúmulo. "Quem dá consultoria nas ecovilas ganha tanta bagagem nessas negociações que é procurado pelas corporações para resolver os problemas de convivência de lá", conta Taísa.

Ao mesmo tempo em que estão construindo comunidades sustentáveis, constituem uma rede global para a educação e a transformação social. Sua contribuição fundamental é o poder do exemplo. Os grupos assumem a responsabilidade por suas vidas e buscam alternativas sociais.

No Brasil, ainda o perfil dos habitantes de ecovilas é de classe média, com formação acadêmica e carreira, mas que renunciou à vida das cidades grandes e dos empregos bons e estressantes. Mas já há perfis bem diferentes como a ecovila Morada da Paz, quilombola e budista ao mesmo tempo em Triunfo (RS).

"Não é para todo mundo, mas é para quase todo mundo. Eu acho que comunidade pode fazer o mundo ficar mais humano, sim. A escolha da maioria das pessoas por uma vida mais sozinha é uma escolha neurótica. Olhe para as crianças. Bote um bando de bebês juntos e veja se eles vão ficar brincando sozinhos: não vão. Eles vão, naturalmente, se procurar", argumenta Pavita Machado, moradora da comunidade Osho Rachana, na Grande Porto Alegre, em depoimento para o livro "Ecovilas, caminhando para a sustentabilidade do ser".

Para quem vive em uma ecovila, o sucesso é, como diz o dicionário, o que sucede. E só de acontecer sobre a terra é marcante, mostrando que a maior riqueza é poder conviver com as pessoas e com o seu entorno - o que muita gente só percebeu agora, nesses tempos de quarentena e isolamento.